Neuriberg Dias*
Na sombra da geração de emprego formal no País por meio da redução de encargos sociais e dos custos da contratação de trabalhadores, o Projeto de Lei 951/11 apresentado pelo deputado Júlio Delgado (PSB-MG) cria o Programa de Inclusão Social do Trabalhador Informal, denominado de Simples Trabalhista, que oculta, em sua essência, a flexibilização e redução de direitos consagrados na legislação trabalhista em vigor.
Números de 2008 e 2009 revelam que o mercado brasileiro das micro e pequenas empresas responde por mais de 99% dos 5,8 milhões de negócios formais existentes no Brasil e empregam 52,3% ou 13,1 dos 24,9 milhões de trabalhadores com carteira assinada. Os dados são do Anuário do Trabalho na Micro e Pequena Empresa elaborado pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
Argumentos da proposição A justificativa do autor do projeto sinaliza de maneira clara e objetiva as reais intenções da matéria: “solução dos problemas de contratação pela via do entendimento (diga-se, a sobreposição do negociado sobre o legislado), no qual empregadores e trabalhadores estabelecerão proteções mínimas para quem não tem nenhuma proteção – os informais. A adesão ao programa será voluntária.”
E continua: “O projeto tem como base a criação de mecanismos para que as microempresas e empresas de pequeno porte realizem negociações coletivas em separado que sejam condizentes com suas reais condições já que atualmente a CLT estabelece de modo rígido e genérico todas as condições de trabalho, sem distinguir o tamanho da empresa.”
A matéria também apresenta o seguinte diagnóstico a favor de sua aprovação: “raramente as microempresas e as empresas de pequeno porte conseguem seguir o que é negociado por empresas de grande porte e que fazem parte da mesma categoria econômica das primeiras.”
Nesse sentido, sustenta o autor do projeto: “ocorrem despesas insustentáveis, que desestimulam o emprego formal e estimulam o emprego informal. Assim sendo, impõe-se que, respeitado o princípio da livre negociação, essas empresas, junto com seus empregados, encontrem formas mais realistas de contratação do trabalho formal.”
Flexibilização e redução de direitos No entanto, ao analisar os impactos do PL 951 e do substitutivo do deputado Jorge Corte Real (PTB-PE), apresentado na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comercio (CDEIC) da Câmara, é possível destacar pontos que geram insegurança para os empregadores e retiram direitos da classe trabalhadora.
Na aplicação da norma, por exemplo, o texto original do PL 951 estabelece no seu artigo 2º que a participação das empresas no “Simples Trabalhista” será opcional e dependerá do preenchimento de um termo de opção a ser entregue ao Ministério do Trabalho.
E, no parágrafo 1º do mesmo artigo, a proposição define que o “Simples Trabalhista” somente se aplicará aos trabalhadores das microempresas e empresas de pequeno porte que não tenham seus vínculos empregatícios devidamente registrados na Carteira de Trabalho, conforme obrigam os artigos 13 e 29 da CLT.
A normatização transfere ao capital em relação ao trabalho o monopólio da livre negociação, reduzindo ou liquidando com o papel do sindicato, estabelecendo que: 1) nos acordos ou convenções coletivas de trabalho poderá ser fixado regime especial de piso salarial e compensação de excesso de horas em outro dia, se aplicado em domingos e feriados; e 2) acordo escrito, firmado entre empregador e empregado poderá, fixar o horário normal de trabalho do empregado durante o gozo do aviso prévio, o pagamento da gratificação salarial em até seis parcelas e fracionar as férias no limite de três períodos.
No substitutivo, o relator incluiu no “Simples Trabalhista” a figura do empreendedor individual, dando margens ao entendimento de que a futura lei poderá ser aplicada tanto para os atuais empregados quanto para os futuros trabalhadores de microempresas e empresas de pequeno porte, que deverão cumprir as normas que forem estabelecidas na negociação entre os patrões e seus empregados. Ocorrerá, portanto, a prevalência do negociado sobre o legislado, um xeque-mate nos diretos da CLT.
Para o aumento na geração de emprego formal no âmbito das microempresas e empresas de pequeno porte, o projeto reduz de 8% para 2% a alíquota do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Acaba, portanto, com essa importante poupança criada na década de 60 para proteger o trabalhador demitido sem justa causa.
Outro ponto que merece destaque e reflexão por parte dos assalariados, do movimento sindical e da sociedade é o dispositivo suprimido que trata sobre o papel do MTE de criar, supervisionar e acompanhar, por meio de uma comissão tripartite, os acordos e convenções coletivas que forem celebrados a partir do “Simples Trabalhista”.
Portanto, o PL 951/11 se junta às outras tentativas em andamento no Legislativo de flexibilizar e suprimir direitos trabalhistas. Dentre as quais, destaque para o PL 1.463/2011, de iniciativa do deputado Silvio Costa (PTB-PE), que institui o Código do Trabalho e elimina a figura do hipossuficiente nas relações de trabalho, princípio segundo o qual o empregado é a parte mais fraca econômica, social e politicamente na relação com o empregador.
O movimento sindical deve ficar em estado de alerta já que o PL 951 está na pauta da Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio (CDEIC) da Câmara e os empresários já sinalizaram, em reunião realizada no Grupo de Trabalho que promove a Câmara de Negociação de Desenvolvimento Econômico e Social, que querem sua aprovação o quanto antes.
O projeto ainda será examinado pelas comissões de Trabalho, de Administração e de Serviço Público (CTASP), e de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, momento no qual não se poderá perder a oportunidade de barrar mais essa famigerada investida contra os assalariados.
(*) Assessor parlamentar do Diap
|