Mudança na forma de negociação da matéria-prima trará instabilidade aos preços dos produtos finais, afirmam analistas
Liderada pela Vale, adoção de novo modelo de cotação, com bases trimestrais, põe fim a sistema que balizou preços no setor por 40 anos
PEDRO SOARES DA SUCURSAL DO RIO
Em disputa com siderúrgicas, a Vale elevou o valor do minério de ferro em 90%, o que resultará em forte pressão no preço do aço -e, por consequência, na enorme gama de produtos que usam o material.
Após pressões da China, a mineradora brasileira e sua concorrente australiana BHP mudaram o modelo de correção de preços, corrigidos agora trimestralmente. Tal mecanismo, dizem analistas, traz mais volatilidade para os preços de centenas de produtos, tanto no atacado como no varejo.
É que o minério de ferro é matéria-prima principal do aço, usado numa variedade grande de itens, de carros e eletrodomésticos a brinquedos. Segundo levantamento feito pela Folha, só no IPCA, índice oficial de inflação, o peso dos produtos diretamente afetados pelo minério de ferro corresponde a 9,2% do indicador.
O peso na inflação é potencialmente maior, já que os cálculos não incluem produtos alimentícios acondicionados em latas de aço, por exemplo.
A disputa em torno do preço recrudesceu no momento em que a Vale fechou o preço de referência com a gigante japonesa Nippon Steel. Pela primeira vez, o novo valor será provisório e válido por três meses.
O percentual desagradou às siderúrgicas brasileiras e europeias, mercados nos quais ainda há capacidade ociosa. Pressionada pela China, a Vale aceitou contratos por tempo menor -antes era de um ano.
Válido havia 40 anos, o sistema conhecido como “benchmark” previa que o primeiro grande contrato do ano firmado entre uma mineradora líder (Vale, BHP e Rio Tinto) e uma grande siderúrgica passaria a balizar os demais, que replicavam o percentual de reajuste.
Em 2009, em meio à crise, a Vale reduziu em 28% o preço do minério de ferro, mas havia obtido um aumento de até 71% em 2008 -quando o mercado estava muito aquecido.
Agora, o reajuste de 90% fechado pela Vale causou forte reação de usinas da Europa, lideradas pela Eurofer. Oficialmente, a mineradora brasileira não confirma o aumento, publicado em jornais japoneses e no inglês “Financial Times”.
O presidente da Vale, Roger Agnelli, disse que a “Eurofer esqueceu que o período de colonização, em que países subdesenvolvidos produzem para sustentar o bem-estar deles, acabou”. Ele criticou também usinas brasileiras que pouco investem em aumento de capacidade e não repassam o custo menor do minério vendido no Brasil para o preço final do aço.
“O Brasil tem o minério de ferro mais barato do mundo e o aço mais caro do mundo. Alguma coisa não fecha”, disse.
Em relatório, o Bank of America informou que o reajuste encontrou lastro na expansão da demanda principalmente na Ásia. O consumo, pondera o texto, está ainda em níveis distantes de antes da crise.
Para Antonio Emílio Ruiz, analista do Banco do Brasil, há hoje no mundo uma recuperação muito desigual da demanda, o que dificulta as negociações de preço. Ele diz que a crise -que derrubou o consumo- antecipou o fim do regime de “”benchmark” e fez crescer o peso da China nesse mercado.
Procurados para comentar o reajuste, o Instituto Aço Brasil e a Anfavea (montadoras) não haviam se manifestado até a conclusão desta edição.
Outro reflexo do novo sistema de preços deve ser a criação de um mercado bilionário de derivativos de minério de ferro, similar ao que existe para commodities como petróleo. Analistas preveem que esse mercado passe a girar US$ 200 bilhões no mundo até 2020, ante US$ 300 milhões hoje.