Medida poderá criar cerca de 2 milhões de postos em uma primeira etapa.
Por João Carlos Gonçalves
“Na realidade não havia horas regulares: os mestres e os gerentes faziam conosco o que desejavam. Os relógios nas fábricas eram frequentemente adiantados de manhã e atrasados à noite; em vez de serem instrumentos para medir o tempo, eram usados como disfarces para encobrir o engano e a opressão. Embora isso fosse do conhecimento dos trabalhadores, todos tinham medo de falar, e o trabalhador tinha medo de usar relógio, pois não era incomum despedirem aqueles que ousavam saber demais sobre a ciência das horas”*.
A luta dos trabalhadores pela redução da jornada de trabalho acontece desde os primórdios do capitalismo. No início era quase uma questão de sobrevivência dos operários nas fábricas, que trabalhavam jornadas exaustivas e extenuantes, chegando ao absurdo de 18 horas diárias.
Com o passar do tempo, o fortalecimento das organizações dos trabalhadores, um significativo aumento das mobilizações e as negociações entre capital e trabalho acontecendo de forma mais democrática fizeram com que a pauta por melhores condições de trabalho passasse a conter um item extremamente importante, que se traduzia (e ainda se traduz) na forma de redução da jornada.
Todas as modificações ao longo dos anos ocorreram devido à mobilização dos trabalhadores. No Brasil, a redução da jornada de trabalho sempre fez parte da luta sindical, e já produziu efeitos positivos. A intensa luta levou, na década de 30, à primeira lei nacional, que a limitava em 48 horas semanais. No início do século, com as jornadas insuportáveis, as primeiras manifestações contrárias à carga excessiva não tardaram a acontecer. Temos registros, do fim do século 19, de lutas por uma jornada menor travadas pelos comerciários na cidade do Rio de Janeiro.
No início da década de 1980, também como resultado da movimentação sindical, várias categorias conquistaram jornadas que variavam entre 40 e 44 horas por semana, fortalecendo as lutas dos trabalhadores e sensibilizando a sociedade para que fosse garantido um teto de 44 horas semanais na Constituição Federal de 1988.
Nestes 22 anos que se seguiram, a bandeira da redução da jornada sempre esteve na ordem do dia das entidades sindicais. E novamente estamos diante de um embate para reduzir a carga horária semanal. O processo de discussão não está somente no Congresso Nacional, que debate a PEC 231/95, de autoria dos senadores Inácio Arruda (PC do B) e Paulo Paim (PT), relatada na Câmara pelo deputado Vicentinho (PT). Essa PEC reduz a jornada semanal de 44 para 40 horas, sem diminuir os salários, além de aumentar o valor das horas-extras de 50% para 75%.
O presidente da Força Sindical e deputado federal (PDT-SP), Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, junto com sindicalistas de todo o Brasil, está mobilizando a todos no Congresso e nos locais de trabalho visando esclarecer e conquistar apoio para a redução da jornada de trabalho. As mobilizações ocorrem nas empresas, nas ruas e nas entidades de classe. Há toda uma pressão para colocarmos em votação no plenário ainda neste semestre. Vários partidos, entre eles o PDT, já fecharam questão em favor da aprovação da matéria.
As Centrais Sindicais (Força Sindical, CUT, CGTB, UGT, CTB e Nova Central), na chamada Unidade de Ação, estão mobilizadas, atuando conjuntamente e construindo uma agenda pela aprovação da PEC. Como símbolo da vontade popular, as Centrais entregaram ao Congresso, em 2008, 1,5 milhão de assinaturas reivindicando a redução da jornada.
Recentemente, o presidente da Câmara Federal, Michel Temer, apresentou uma proposta de reduzir a jornada para 42 horas semanais em 2011, com a perspectiva de uma nova negociação em 2013. É muito louvável o gesto do presidente da Câmara em buscar um bom entendimento entre capital e trabalho. A Força Sindical está realizando uma consulta sobre o tema entre suas entidades filiadas e os trabalhadores da base. Podemos ter a vitória da redução.
Vale destacar que a implementação da medida tem o potencial de criar, em uma primeira etapa, cerca de 2 milhões de postos de trabalho (dados do Dieese). Mas, além dessa questão devemos também refletir sobre as vantagens sociais, já que o trabalhador passará a ter mais tempo para a família, para o lazer e para a sua própria qualificação profissional. A medida também vai contribuir para a diminuição dos problemas de saúde e acidentes de trabalho, resultantes das jornadas exaustivas.
Não podemos nos calar diante da falácia empresarial de que a medida irá encarecer a produção nacional. Dados do Dieese mostram que a produtividade das empresas, de 2000 até agora, cresceu 27%, enquanto o custo com redução da jornada deverá aumentar apenas 1,99%. Como a produtividade nas empresas tem crescido constantemente, em menos de seis meses o aumento do custo seria compensado.
Como podemos perceber, os números revelam um brutal aumento dos ganhos de produtividade. E esses ganhos, oriundos das inovações tecnológicas e arranjos organizacionais, não podem ficar só com o capital. Eles também são frutos da dedicação da classe trabalhadora, e, portanto, devem ser estendidos a todos.
A redução da jornada, como pensamos, fortalece o mercado interno e faz parte do movimento pró-cíclico pelo desenvolvimento econômico, com distribuição de renda, porque é um importante mecanismo para se repartir parte dos ganhos de produtividade acumulados pelo capital.
Da mesma forma que os operários ingleses convenceram a sociedade britânica da importância de se reduzir a jornada, e hoje trabalham 37 horas semanais, nós, brasileiros, com a busca incessante por negociações de forma democrática e com a mudança da lei, também vamos conseguir o nosso objetivo de uma sociedade mais justa, com emprego, dignidade e renda para todos.
*Chapters in the life of a Dundee factory boy (Dundee, 1887) apud Thompson, E.P. Costumes em Comum, SP: Cia. das Letras, 1998. p.290
João Carlos Gonçalves (Juruna) é metalúrgico, secretário-geral da Força Sindical e ex-presidente do Dieese