A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, enfrentou ontem a primeira greve geral desde que chegou ao poder, em 2007. A paralisação de 24 horas foi convocada para protestar contra a política econômica do governo. Os sindicalistas pedem um aumento maior do salário mínimo e a elevação do piso a partir do qual é preciso pagar imposto de renda.
A recusa do governo em reconhecer que a inflação do país é bem maior do que a taxa oficial, ao redor de 10%, é um dos fatores que provocou a greve. Nos últimos anos, os salários tiveram reajustes de aproximadamente 25% – taxa de inflação real estimada por analistas. Ao insistir que a inflação é menor, o governo deixou de elevar a faixa mínima de renda a partir da qual o trabalhador tem que pagar imposto de renda. Como resultado, “a maior parte dos aumentos salariais obtidos pelos trabalhadores voltou para o Estado como pagamento de imposto de renda”, afirma o economista Ernesto Kritz.
A greve interrompeu os serviços de ônibus, trem e metrô em Buenos Aires. Houve ainda dezenas de bloqueios em vias importantes da cidade. Bancos, tribunais, muitas escolas e parte do comércio ficaram fechados. Não houve coleta de lixo. Vários hospitais ofereceram somente atendimento emergencial. Voos da Lan e da Aerolíneas Argentinas, inclusive para o Brasil, foram cancelados. Parte do comércio ficou fechada porque os funcionários não conseguiram transporte. Cidades como La Plata, Córdoba, Mendoza e Santa Fe também foram afetadas
A greve foi convocada por Hugo Moyano, líder da poderosa central sindical Confederação Geral do Trabalho (CGT) e um dos mais próximos aliados do falecido marido de Cristina e ex-presidente, Néstor Kirchner. Segundo Moyano, o protesto teve “uma adesão muito maior do que imaginávamos”. Nem grevistas nem o governo deram estimativas sobre a amplitude da paralisação.
Moyano e outros sindicalistas romperam com Cristina neste ano, depois que a presidente tentou conter as demandas de um movimento trabalhista agora dividido ao apoiar um grupo rival em eleições sindicais. A greve aconteceu cerca de duas semanas após um “panelaço” que reuniu cerca de 2 milhões de pessoas em protesto contra o governo.
A popularidade de Cristina vem despencando desde outubro do ano passado, quando foi reeleita com 54% dos votos. Uma pesquisa do instituto Management & Fit feita em outubro mostrou uma aprovação de apenas 28%.
O descontentamento é alimentado pelo aumento do desemprego – que está em 7,6%, o ponto mais alto em dois anos – e da inflação, a freada no crescimento da economia e as medidas restritivas à compra e venda do dólar. Houve um salto de 75% no déficit orçamentário no terceiro trimestre, na comparação com um ano antes, e os custos para o governo obter empréstimos são os maiores entre as principais economias emergentes.
“O desafio subjacente ao longo dos últimos cinco anos tem sido a inflação alta e como lidar com ela”, diz Daniel Volberg, economista do Morgan Stanley, em Nova York. “Eles não tiveram sucesso nisso e agora o que estamos vendo é uma combinação de pouso forçado, em termos de crescimento econômico, com inflação ainda maior, que basicamente resulta no aumento da tensão social.”
Na sua página no Facebook, a presidente pediu que os trabalhadores agissem com responsabilidade: “Os primeiros a ficar com fome ou sem trabalho serão os trabalhadores (…). É por isso que quero pedir aos meus companheiros, os trabalhadores, que mostrem grande responsabilidade e defendam, não o meu governo, mas o projeto político que gerou mais de 5,5 milhões de empregos”.
A estação de Retiro, geralmente movimentada, ficou deserta ontem, em Buenos Aires