24 nov 2008
Notícias
SÃO PAULO – Com sua experiência de décadas na consultoria de empresas de vários setores e tamanhos, e com passagem pelo governo federal, Antoninho Marmo Trevisan, da BDO Trevisan, é um entre tantos empresários que estão preocupados com a atual crise que assola a economia. Em sua opinião, esta turbulência é diferente das várias outras que o Brasil enfrentou nos últimos anos. “Esta vem em golfadas”, lamenta Trevisan. Sua empresa foi chamada para fazer análises da crise para grandes empresas e ele só não está pessimista porque acredita que o País formou uma elite de gestores capaz de encontrar mecanismos que mantêm os negócios aquecidos.
Na entrevista a seguir, ao programa “Panorama do Brasil”, da rede TVB, Trevisan, presidente da BDO Trevisan, fala ao jornalista Roberto Müller, que comanda o programa de entrevistas, acompanhado de Marcia Raposo, diretora de Redação do DCI, e de Camila Abud, editora de Serviços e Comércio do jornal, sobre a trajetória da empresa e sobre a economia, que atualmente passa por um período de mudanças.
Roberto Müller: Tendo em vista a sua experiência, como é esta crise, qual o tamanho dela, quanto dura e como ela impacta o Brasil?
Antoninho Marmo Trevisan: É uma crise que vem em golfadas, diferente de todas com que lidamos, pois as anteriores ou foram provocadas por nós – fomos muito competentes em fazê-lo nos últimos 30 anos por conta do déficit público e da inflação -, ou migraram da Rússia, Turquia, México e Tigres Asiáticos. Temos lembranças dessas crises, pois eram pontuais e podíamos mapeá-las, além de termos clareza dos motivos. A diferença é que esta tem o poder de não permitir que se meça a força com que ela bate nos diferentes atores, e surpreende os analistas, em especial aqueles que têm muita certeza. A mídia me encanta, pois alguns analistas – inclusive algumas mulheres – falam com uma certeza tamanha sobre as razões da crise e suas soluções, que aprendo muito. Eu só tenho dúvidas. Como sempre saliento, nós estamos na economia real, nós temos de pagar o salário dos funcionários, além de nossos tributos, por isso afirmo que esta crise é dos outros, não para nós. Afinal temos de encontrar caminhos alternativos. A crise é regida pela falta de crédito. Nitidamente cambial. A política monetária perdeu a capacidade de respostas eficazes. Não basta mexer nas taxas de juros para cima ou para baixo, porque ela não reage aos instrumentos. A reação só acontece se deixarmos os canais lubrificados, ou seja, crédito. Precisamos manter os canais azeitados para que quem descontar uma duplicata não sofra com a escassez de recursos financeiros. Mesma coisa com o exportador que necessita de um adiantamento. Não pode ficar sem recursos, mesmo porque faz décadas que ele trabalha assim. É o mecanismo que nos diz que a economia está acelerada. Com a economia acelerada, eu me endivido, tomo recursos, adianto alguns, porque sei que recapturo lá na frente. Faço a analogia de que estávamos numa corrida, ou maratona, de uns 40 quilômetros com a velocidade de quem está numa prova de 50 metros rasos. É complexa a situação.
Marcia Raposo: Os empresários brasileiros demonstram que estão escolados. No DCI fizemos muitas matérias com as quais descobrimos que a crise é uma questão de crédito, mas também observamos que a maioria não estava a descoberto. Parece que os anos de pacotes, crises externas e domésticas fizeram com que os empresários se resguardassem. Parece que eles têm um quartinho escondido, com reservas. Vimos que empresas como Aracruz Celulose e Sadia pegaram a crise pela proa. 40 dias depois, os executivos encontraram a solução para alguns problemas. A impressão é de que a crise é grave, mas estávamos à altura para enfrentá-la. É uma impressão minha?
Antoninho Marmo Trevisan: Em absoluto. É uma observação fantástica, pois o mundo empresarial brasileiro evoluiu de tal maneira que o sistema financeiro não explodiu, nem vai explodir, por estar calejado. Todos os atores, ao longo de tantas crises, aprendemos a trabalhar. O nosso país formou uma elite de gestores – nas micro, pequenas, médias e grandes empresas e corporações – que estão à frente para enfrentar os problemas. Temos ainda o vetor de que muitos jovens foram ao exterior e retornaram com grande capacidade e conhecimento. Na minha empresa mesmo, algumas vezes me emociono ao ver a capacidade e a competência. Vejo que as escolas melhoraram a maneira de formar os profissionais. As regras de governança corporativa são novidade para nossos empresários, não têm mais que uma década.
Roberto Müller: Nossas regras são das melhores e mais elaboradas do mundo?
Antoninho Marmo Trevisan: Perfeitamente, porque vivemos restrições do setor público e orçamentárias, e a crise bancária no Brasil, em 1985. Nossa, são duas décadas! Bom, isso permitiu a melhora da nossa competência. O Brasil tem variáveis competitivas que nos são desfavoráveis, como juros e carga tributária, sistema trabalhista, logística, ou seja, um conjunto de desvantagens que formaram um superempresário para quem é quase fichinha enfrentar mais uma crise. Este empresário não entra em pânico. Para mim, o único setor que pode reclamar da crise é o agrícola, pois dependemos de um santo -São Pedro- para termos chuva. Não adianta conceder crédito em fevereiro ou março a este setor. Só se combinar com São Pedro. O crédito tem de vir na safra, na colheita ou no plantio. A burocracia não pode atrapalhar.
Camila Abud: Há uma situação de euforia do setor contábil por causa da convergência do mercado brasileiro às regras contábeis internacionais dos IFRS. No DCI, as empresas de contabilidade se mostravam felizes por conta da demanda, maior do que sempre foi. Ao mesmo tempo, com a crise, penso que os empresários batem à porta dessas mesmas empresas, todos os dias, a toda hora, em busca de uma luz. É isso mesmo?
Antoninho Marmo Trevisan: É verdade. Eu me lembro que em dezembro do ano passado houve a aprovação da Lei nº 11.638, a qual fez com que empresas que nunca foram auditadas, ou que tivessem faturamento maior que R$ 300 milhões por ano, tivessem de se organizar melhor. Foram chamados auditores, contadores para mostrar o resultados dessas empresas, independentemente da natureza jurídica, seja ela Ltda, S.A… O Sistema Público de Escrituração Digital (Sped) mobilizou 70 mil contabilistas para processar esses dados. Foi um serviço formidável para o setor privado e para o público – o receptor dos tributos. Depois vem a crise. Neste momento o mercado precisa trabalhar com dados confiáveis, analisar os processos. Quem é chamado nesta hora? Os alunos do Luca Pacioli [frei italiano nascido por volta de 1445 que foi um homem “a serviço da cultura e da contabilidade”]. Eu sempre brinco: não me venham com essas histórias de pensamento econômico, monetarismo, pois estamos na era do frei Luca Pacioli, em que a cada débito corresponde um crédito. Porque se realmente olharmos a crise do subprime [títulos americanos de segunda linha que foram o estopim da crise], ela é uma não-observância dos conceitos contábeis: neste caso, para cada débito havia centenas de créditos. Uma aplicação de recursos tinha centenas de aplicações. E o Luca Pacioli tinha ensinado, há quase 500 anos, as partidas dobradas.
Roberto Müller: Neste conselho tem todo tipo de representante?
Antoninho Marmo Trevisan: São muitas as presenças ilustres. Por ordem alfabética, temos, por exemplo, de Abilio Diniz [empresário do Grupo Pão de Açúcar] a Zilda Arns [fundadora e coordenadora nacional da Pastoral da Criança], também a irmã de dom Paulo Evaristo Arns [arcebispo emérito de São Paulo]. Não podemos esquecer de nomes como Jorge Gerdau Johannpeter e de sindicalistas como o Artur Henrique, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Enfim, todos estão lá. Na moção havia quatro itens que destacamos e que o governo precisava acelerar. O primeiro é o crédito, pois precisa-se manter o sistema de crédito ativo e oxigenado. O segundo, o câmbio, porque não podemos permitir que o dólar se afaste do patamar de R$ 2,00, ou pelo menos temos de manter a moeda americana o mais perto possível, para não paralisar importações e exportações. Quando não há um valor de referência, ninguém compra e ninguém vende. O terceiro item era a taxa de juros. No Brasil é algo dramático, pois sempre se disse no País que os juros eram instrumento de política monetária, mas há um detalhe adicional: no nosso país, são instrumento de endividamento público, violento. Infelizmente nunca foi tratado com a ênfase necessária. Quando o Banco Central aumenta meio ou um ponto percentual, tem-se uma tremenda alimentação da dívida pública, pois trabalhamos com déficit nominal na dívida pública. É uma grande pressão nas contas públicas. É óbvio que toda vez que se aumentam os juros, tem-se uma pressão para que o setor público não tenha condições de investir. O quarto item da moção é referente ao emprego e ao desemprego. Acredito que esses quatro itens possam nortear os rumos do País. O presidente tem-se posicionado dentro destes parâmetros.
Camila Abud: O desemprego é a grande preocupação?
Antoninho Marmo Trevisan: A crise não pode ser maior do que ela é, até porque é gigante. A Ana Luiza Trajano, herdeira do Magazine Luiza, disse: “Na nossa empresa não haverá demissões. Fiz uma carta alertando os funcionários de que não haverá demissões, desde de que cada um cumpra sua meta”. E esta é a regra: se cada um cumprir sua meta, onde quer que ela esteja, não há demissões. Vejo que o Brasil tem uma condição excelente, pois o que antes nos condenava, hoje nos protege. Antes as pessoas desciam o sarrafo: somos um país muito fechado, de baixo comércio exterior, e chuvas de críticas em cima disto. O outro lado mostra que temos um mercado interno muito aquecido. Apenas 15% são de mercado externo. Vamos tratar a crise do tamanho que ela é. A crise é forte no setor financeiro. Então os desdobramentos deveriam ser tratados neste âmbito. Se garantíssemos irrigação de recursos nestes setores, minimizaríamos a crise. Se mantemos os empregos, garantimos o mercado interno.
Marcia Raposo: Houve a megafusão entre os bancos Itaú e Unibanco. É uma fusão de papéis, pouco dinheiro envolvido, entre outros. Os dois banqueiros diziam ´estamos enfrentando o Santader aqui dentro´, outros bancos argumentam que precisam se unir. A resposta dentro da irrigação de crédito diz que não vai faltar dinheiro para quem tiver uma carteira limpa. Não acredito que os bancos sairão emprestando para o primeiro que pedir, ainda mais se estiver endividado e com problemas graves. Isto nunca foi do feitio do nosso sistema. Não me parece que para os bons clientes falte crédito.
Antoninho Marmo Trevisan: É verdade, pois se zerou uma série de linhas de créditos internacionais, principalmente na linha automobilística, onde 90% das linhas de créditos eram oriundas das sedes das próprias montadoras, e isto secou. É evidente que se tem mais pessoas buscando as mesmas fontes para se financiar. Hoje se diminuiu o número de fontes, mas não o de pessoas. Agora o setor público, os bancos públicos, estão com maior presença por causa de sua capilaridade e aqui é muito interessante. Os bancos de atacado, com poucas agências, tiveram dificuldades; já os que estão espalhados pelo Brasil, uma vez que somos um mercado interno forte, conseguem responder com maior velocidade. Parece que descobrimos o mercado interno. Temos mercado interno no Brasil. E grande. É como a China, que baixou um pacote de US$ 700 bilhões para seu mercado interno. É evidente que vão tentar vender para o Brasil, e nós para eles. É aí que o setor público tem de agir.
Roberto Müller: O setor público tem agido direito?
Antoninho Marmo Trevisan: O que nos engessa é sempre a burocracia. Uma das propostas que o presidente Lula aprovou no Conselho foi a criação de um gabinete da situação geral para se atacarem imediatamente os problemas. Um exemplo: o setor alfandegário está demorando. Vamos em bloco para analisar a questão e resolver. Levamos 152 dias para abrir uma empresa: um empresário que quer abrir uma empresa vai demorar quase 5 meses, em média, para abrir. No resto do mundo, a média cai para uma semana. Pior situação é a de quem tenta fechar uma empresa: em média, 10 anos de burocracia. Esses assuntos as pessoas resolvem pela pressão. Portugal era o país mais burocratizado e há três anos acabou com isso, devido ao mercado comum europeu. A necessidade traz a solução.
Camila Abud: Vou resgatar o tema da BDO Trevisan. Gostaria que o senhor comentasse sobre colocar pessoas especializadas no mercado. Como é esta história?
Antoninho Marmo Trevisan: A BDO Trevisan é uma das cinco maiores empresas de auditoria do País. São cerca de mil pessoas. Somente este ano contratamos 250 trainees, entre 14 mil candidatos. Eles passam 45 dias em sala de aula, com uma carga horária de 8 horas por dia de aula. Já a Trevisan Outsourcing foi inspirada pela necessidade de mercado que precisava dar serenidade aos processos. E como fazê-lo? Contratando uma empresa que o faça em nome de uma corporação. Assim crescemos bastante na gestão contábil, administrativa, impostos, em nome de nossos clientes. A diferença é que quando o profissional interno faz parte do apoio – back office – nossa turma de apoio é front office. Logo depois montamos a faculdade Trevisan. Naquela época sentimos a necessidade de formar gestores focados nas soluções, que é a discussão de hoje: pessoas para trabalhar no Brasil ou na lua? Porque o jovem sai da faculdade perguntando ´onde é a cadeira do presidente?´ Ele tem de começar de baixo. Vejo que nossas escolas estão errando demais na formação. Nesse momento a nossa experiência é colocada para a comunidade e também para nossos concorrentes. Hoje são quatro os cursos de graduação: Ciências Contábeis, Administração, Marketing e Relações Internacionais. Temos mais 20 cursos de MBA, em São Paulo e agora, em 9 de dezembro, inauguramos no Rio de Janeiro. Há uma unidade no interior de São Paulo, uma cidade de 10 mil habitantes, que é a cidade de Ribeirão Bonito, e foi um grande sucesso. O curso de pós-graduação é freqüentado por alunos de São Carlos, Brotas, Araraquara, Jaú, Bauru. Acredito que é um bom lugar para o executivo se concentrar e estudar. Foi uma decisão acertada. Na questão da crise, estamos presentes, tanto na questão da Sadia e no Itaú-Unibanco. A empresa de consultoria é muito chamada nestas horas para ajudar e fazer análises às empresas. Não queremos crise, mas certamente nossa comunidade é muito solicitada nesta época.
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