No plenário da Câmara Municipal de São Bernardo do Campo, senhores de cabelos acinzentados e suéter aguardavam o início da sessão. Em nada lembravam os operários de macacões e barbas que há 30 anos pararam fábricas do ABC Paulista para reivindicar melhores condições de trabalho e o fim da ditadura. Mas eles voltaram a se reunir nesta terça-feira, 23, no centro de São Bernardo do Campo, agora num período democrático, para finalmente receberem sua anistia política.
A sessão da Comissão de Anistia começou por volta das 9 horas. Presentes, cerca de 200 pessoas entre anistiandos, procuradores, advogados e conselheiros. Na 10ª edição da Caravana da Anistia, que percorre o Brasil realizando julgamentos temáticos, foram analisadas 41 requisições de anistia política de operários prejudicados pela ditadura durante finais dos anos 70 e começo dos anos 80 por terem participado de greves.
Outras categorias tiveram seus casos de perseguição julgados anteriormente. Foi assim com os bancários de São Paulo, os trabalhadores do arsenal da Marinha do Rio de Janeiro e com metade dos pedidos dos metalúrgicos de Camaçari, na Bahia. Na pauta estão ainda os trabalhadores da Cosipa, CSN, Embraer, Correios, Petrobras, Banco do Brasil e metalúrgicos de Osasco. Somados, são 4.200 processos. A Comissão decidiu dedicar as sessões deste segundo semestre para analisar processos dessa natureza.
Berço histórico
Na pequena cerimônia que abriu os trabalhos, estiveram presentes o deputado Vicentinho (PT/SP), Antonio Alencar Ferreira, diretor do Sindipetro de Campinas e o presidente da Associação dos Metalúrgicos Anistiados (AMA-ABC), Manoel Anízio. O logotipo da entidade foi somado aos de outras que compõem a Bandeira das Liberdades Democráticas, simbolizando o comprometimento com a democracia no Brasil.
“O ABC produziu uma das maiores lideranças do sindicalismo brasileiro e um presidente com índices de aprovação inquestionáveis”, disse Paulo Abrão Pires Junior, presidente da Comissão, referindo-se ao presidente Lula, ao falar da importância da resistência daqueles trabalhadores.
Paulo Abrão lembrou que diferentemente das bandeiras de outrora, a sociedade brasileira deve, agora, dedicar-se a novas lutas relacionadas àquele período. E listou os compromissos com a verdade – ressaltando a necessidade de se abrir o quanto antes os arquivos da ditadura; o compromisso com a justiça – reparando as vítimas do regime de exceção e o compromisso com a memória – reconstruindo a história brasileira e esclarecendo aquilo que continua obscurecido.
Em sua fala, o deputado Vicentinho disse que “esta Casa legislativa está cheia de dignidade”. Salientou que a luta dos trabalhadores não foi em vão. “O resultado é que conquistamos a democracia e elegemos o melhor presidente da República de nosso país”. Mas, cobrou celeridade do Estado nos julgamentos. “Não se pode demorar a resolver tais questões. Muitos já têm idade, problemas de saúde e não podem esperar”.
Nota do PCdoB
Em resposta, o conselheiro Egmar José de Oliveira disse que a Comissão tem sido “mais rápida do que o Congresso brasileiro” e que “muitos casos demoram por falta de documentação”. Os requerimentos julgados hoje são datados de 2001 até 2008. Oliveira também aproveitou para ler aos presentes nota da Comissão Política Nacional do PCdoB, que reafirma a defesa do Partido pela abertura dos arquivos, pelo enterro digno aos mortos do regime e pela punição aos torturadores.
A primeira parte da sessão reuniu um bloco de 22 requerimentos, dos quais 21 foram deferidos. Ao todo, foram analisados 41 casos, onde constavam histórias como a de Jaime Vicente da Silva Ferreira. O deferimento de seu pedido foi um dos mais festejados. Reconhecida liderança daqueles tempos, era operário da Volkswagen e sindicalista atuante. Jaiminho, como é chamado pelos antigos colegas de militância política e sindical, diz que “o pior efeito da ditadura é psicológico”. O ex-operário alterna períodos de equilíbrio emocional com os de depressão. Ele foi demitido por ser sindicalista e comunista e foi obrigado a deixar sua atuação política.
O ex-militante do PCdoB e inspetor de qualidade em ferramentaria conta que ficou marcado e o último emprego bom que conseguiu foi em 1983, na Detroit, em Diadema. “Perdi boas oportunidades. Só conseguia ir para empresas pequenas, que não queriam pagar o justo. Então, trabalhava pelo salário que me oferecessem”, recorda.
Vivendo na favela Santa Cruz, passou a ganhar a vida fazendo bicos. “Era percussionista e tocava forró nos bailes para tirar algum dinheiro e também comecei a trabalhar como pintor”, conta. Apesar das dificuldades que passou por participar da luta democrática, diz que não se arrepende. “Queríamos uma sociedade melhor, lutávamos pelo socialismo e valeu a pena porque conseguimos levar um dos nossos para a presidência da República. Lula provou que operário sabe governar”.
Narruden Paulo Valadares, de 69 anos, teve destino pior. Em um dos piquetes ocorridos na Volkswagen no final dos anos 1970, Valadares foi incumbido de impedir que houvesse fura-greves. “De repente, começaram a estourar as bombas e teve aquela correria. Os policiais me pegaram, me bateram muito, principalmente na minha perna, que ficou bem ferida”, lembra.
O ex-operário foi levado para a delegacia e solto apenas depois que sua fiança foi paga. As feridas na perna direita não cicatrizavam definitivamente e aos poucos, foi piorando até que foi obrigado a amputá-la. “Agora, fico feliz de ver o Lula, que nos liderava naquelas greves, na Presidência de meu País”, orgulha-se. (Fonte: Vermelho; intertítulos do Diap)