Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos

Notícias

Indústria teme desabastecimento

Interrupção no fornecimento teria efeito imediato nos fabricantes de cerâmica, vidros e produtos químicos

Marianna Aragão e Renée Pereira

Apesar do tom tranqüilizador do governo, o agravamento da crise política na Bolívia e a possibilidade de interrupção no fornecimento de gás natural para o Brasil já preocupam a indústria de cerâmica, vidros e química. No pólo ceramista de Santa Gertrudes (SP), responsável por 65% da produção nacional, a diminuição no abastecimento teria efeitos imediatos para a indústria, já pressionada pelo aumento da demanda interna, dizem os empresários.

“Não há nenhuma possibilidade de as empresas trocarem a matriz energética. Somos reféns do gás natural”, diz o presidente da Associação Paulista das Cerâmicas de Revestimento (Aspacer), Oscar Bergstron Neto. Depois de investir milhões de dólares na conversão de suas fábricas para o gás natural, no fim dos anos 90, o setor ceramista nacional tornou-se quase totalmente dependente do insumo. Em São Paulo, 100% das empresas trabalham apenas com gás natural. O setor consome 10% do gás distribuído pela Comgás, de São Paulo.

“Não existe plano B”, diz o diretor de comércio exterior da cerâmica Villagres, de Santa Gertrudes, Jorge Martins. Há sete anos, a fábrica foi convertida para receber o gás natural, no lugar do gás liquefeito de petróleo (GLP). Segundo ele, caso seja interrompido o fornecimento, a empresa teria de se readaptar ao gás – processo que levaria pelo menos dez dias, período em que ficaria sem produzir. “Teria de alterar fornos, trocar maçaricos e todo o sistema de transporte.” O uso do GLP também provocaria aumento de 20% nos custos da companhia.

A Cerâmica Gyotoku, de Suzano (SP), umas das quatro maiores do setor, também prevê paralisação das atividades e aumento de custo, caso ocorra racionamento ou paralisação do abastecimento. “Temos um plano de contingência, mas além de um custo maior, o GLP não é uma energia tão limpa”, diz o presidente da companhia, Adriano Lima. “A incerteza sobre o fornecimento de insumo como gás é preocupante”, afirma o executivo.

O conflito na Bolívia também tem tirado o sono dos empresários da indústria de vidros, cuja participação do gás natural é de quase 100%.

Nesse setor, a falta do combustível pode provocar prejuízos incalculáveis para os produtores, como a perda dos equipamentos, afirma o superintendente da Associação Técnica Brasileira das Indústrias Automáticas de Vidro (Abividro), Lucien Belmonte. “Quatro horas sem gás natural para essa indústria significa perder não apenas o vidro, mas também o forno, que custa milhões de reais.”

Ao contrário de outros setores, a indústria de vidro não trabalha com a possibilidade de substituir o combustível, já que a mudança causa redução na vida útil dos motores. Para Belmonte, a crise retrata a falta de comando e organização do governo e da própria Petrobrás.

Ele acredita que, se houvesse mais agilidade, vários projetos de exploração de gás natural e ampliação da oferta, o País não estaria passando por esse sufoco. “Um exemplo são os navios de GNL (Gás Natural Liquefeito), que já deveriam estar em operação. O primeiro, no Porto de Pecém (Fortaleza), só deverá começar a funcionar no fim deste mês porque um gasoduto não foi concluído.”

Na opinião do diretor de infra-estrutura da Confederação Nacional da Indústria (CNI), José de Freitas Mascarenhas, neste momento, o governo tem de pôr as “barbas de molho” e finalizar um plano de contingenciamento para o gás natural. Ele explica que, apesar de haver uma base pronta, não se sabe qual a fila de prioridades no fornecimento do insumo.

“A população tem de ficar em primeiro lugar, mas é preciso considerar que algumas indústrias, como a de vidros e a química, não têm alternativas de combustível.” Nos casos de substituição do gás natural, haverá necessidade de estudar formas de compensação do prejuízo para não reduzir a competitividade das companhias. O gás natural é mais barato que o GNL e óleo combustível.

Mascarenhas afirma que os empresários estão bastante tensos com a perspectiva de continuidade do conflito no país vizinho. “Teremos de conviver com o problema e encontrar alternativas para amenizar os possíveis prejuízos de um corte no suprimento. Uma solução só virá com o aumento da oferta.”