Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos

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FGTS pode ser sócio de empresas de saneamento

Samantha Maia, de São Paulo

O Conselho Curador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) quer que o fundo deixe de ser apenas financiador de projetos de saneamento e assuma a posição de investidor direto, seja com participação minoritária em companhias do setor, seja por meio de outros instrumentos de mercado, como debêntures. De acordo com membros do Conselho do FGTS, apenas sete companhias estaduais de saneamento possuem hoje condições de tomar financiamento, distorção que tem empacado os recursos disponibilizados para investimentos no abastecimento de água e esgoto. A intenção do Conselho do FGTS é ampliar esse leque de empresas ao atuar, enquanto acionista, na melhoria de sua gestão.

O início do programa ainda depende da aprovação do texto final do plano pelo Conselho Curador do FGTS, o que deve acontecer no primeiro trimestre de 2009, e o primeiro valor a ser disponibilizado para a iniciativa é de R$ 10 bilhões, volume que pode aumentar de acordo com a demanda. “Vamos discutir com as empresas, com o governo, mas acreditamos que é um instrumento importante para conseguir capitalizar e modernizar as companhias estaduais”, disse André de Souza, membro do grupo de apoio do Conselho Curador do FGTS, um dos gestores que apresentou o plano, ontem, no seminário “Reestruturação do Setor de Saneamento”, organizado pelo Valor.

Desde 2003, o FGTS disponibilizou R$ 18 bilhões ao setor de saneamento, mas conseguiu emprestar apenas R$ 8 bilhões, dos quais foram efetivamente desembolsados R$ 3 bilhões. A grande contradição é que, no mesmo período, o fundo recebeu o pagamento de R$ 17 bilhões como retorno de empréstimos passados. “Não vamos deixar de financiar, mas temos vontade de fazer mais, porque os recursos não estão sendo captados por problemas de gestão das empresas”, diz Souza. Joaquim Lima, superintendente do FGTS da Caixa Econômica Federal, diz que a preocupação não está apenas em conseguir liberar recursos para essas empresas com grande grau de endividamento, mas em garantir a boa gestão dos recursos. “Essas empresas têm dificuldade de gestão, e o FGTS seria um parceiro para solucionar esse problema”, diz.

Os gestores do FGTS estudaram a situação financeira das companhias estaduais pelos dados do Sistema Nacional de Saneamento (Snis), e apenas uma, a Sanepar, do Paraná, foi considerada boa em todos os índices, entre eles a relação entre despesa e faturamento, perdas e números de empregados. As piores situações – entre elas a da Caesa (AP), do Deas (AC) e da Cosama (MA) – são das empresas que menos faturam e que juntas (são 12 no total) possuem uma necessidade de investimento de R$ 30 bilhões até 2020. O cruzamento das receitas com as necessidades de investimento mostrou que não dá para recuperar o setor apenas com recursos de financiamento.

O plano dos gestores do FGTS tem duas frentes. Uma, voltada às empresas financeiramente saudáveis – além de Sanepar, foram citadas Sabesp (SP) e Copasa (MG) -, é fazer aquisição de debêntures e Fundos de Investimento em Direito Creditório (FIDC) das companhias, entre outros instrumentos de mercado. Nesse formato, seria realizada uma emissão privada desses papeís, que seriam integralmente adquiridos pelo FGTS em condições melhores do que as praticadas no mercado, porém não reveladas pelos executivos.

Outra frente é a compra de até 49% das ações de empresas com grandes problemas de gestão e endividamento. Essa aquisição seria feita por meio de uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) formada por um fundo de investimento em participações (FIP) do FGTS (90%) mais um co-investidor (10%), que pode ser público ou privado e teria a função de trazer expertise ao negócio. O FIP seria formado a partir dos recursos do Fundo de Investimento em Infra-Estrutura do FGTS.

A iniciativa abre a possibilidade tanto de empresas públicas ampliarem seus investimentos em outros Estados, como representa uma chance para as empresas privadas aumentarem sua participação no setor de saneamento. As Parcerias Público-Privadas (PPPs), que prometiam ser grandes portas de entrada, não têm se efetivado no ritmo esperado e a concessão do serviço por municípios é um processo lento. “Ter 10% em participação de uma SPE para investir em empresas estaduais é uma oportunidade de crescimento dos negócios e uma forma de contribuirmos levando experiência de eficiência em gestão”, diz Yves Besse, presidente da Abcon, entidade que representa as concessionárias privadas de água e esgoto.

Para efetivar a participação do FGTS como investidor, as empresas precisam aderir ao programa, o que dependerá de autorização da Assembléia Legislativa dos Estados. A partir disso, as empresas devem passar por uma auditoria que avaliará a empresa. O FGTS fará uma projeção sobre qual deve ser a participação do FIP e de qual será o plano de negócios que orientará os investimentos na empresa. Além dos investimentos, o plano abrangerá reestruturação administrativa, reorganização dos negócios, governança e estratégias para futura abertura de capital. “Os recursos não são livres, serão direcionados ao plano de negócios e o FGTS deverá ter participação no controle igual ao do acionista principal”, diz Roberto Madoglio, gestor do Fundo de Investimento do FGTS. Como todo FIP, a idéia é investir na empresa por um determinado período e depois vender as ações valorizadas no mercado.

Segundo os representantes do FGTS, a nova atuação não interfere na função atual, e os recursos para financiamento serão mantidos, assim como o ritmo de crescimento. Para o ano que vem, serão disponibilizados R$ 5,4 bilhões para projetos de saneamento contidos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Hoje, o FGTS tem R$ 210 bilhões em ativos e R$ 23 bilhões de patrimônio líquido.

Estenio Jacob, presidente da Sanepar (PR) e da Aesb, associação que representa as companhias estaduais de saneamento, diz que a iniciativa será importante para a reestruturação das empresas. “O FGTS é um parceiro importante, que entrará para contribuir e não apenas para buscar lucros.” Apesar de a Sanepar não ter tido uma experiência tranqüila de abertura de capital – o Estado recuperou judicialmente em 2003 o controle da empresa, que estava, por acordo, nas mãos dos acionistas privados minoritários – Jacob considera interessante o modelo do acionista que tenha o poder de fiscalizar.

Marcelo Salles, diretor da Sabesp, companhia de saneamento de São Paulo, considera que não há dúvida de que a oportunidade será interessante às companhias que estão em dificuldade. Sobre os instrumentos de mercado a serem disponibilizados, porém, diz que ainda possui poucos detalhes para avaliar se a proposta interessa à empresa. “Temos que ver quais as condições que o FGTS dará”, diz. Jacob, da Abesb, conta que num primeiro contato com o FGTS, as condições apresentadas eram semelhantes às do mercado, mas agora o fundo admite dar melhores taxas e prazos. (Com Murilo Camarotto, do Valor Online)