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Mudança não freia saída de fundos

Especialistas dizem que medidas do governo transformaram aplicação mais simples na mais complexa

Aplicadores de classe média de grandes fundos podem migrar para a poupança, diz analista; para economistas, mudança foi razoável

Alan Marques/Folha Imagem

Mantega, Meirelles (BC) e Appy (assessor da Fazenda, atrás)

TONI SCIARRETTA
DA REPORTAGEM LOCAL
DENYSE GODOY
DA REPORTAGEM LOCAL
VERENA FORNETTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A mudança na poupança foi recebida ontem com perplexidade por consultores, tributaristas e gestores de fundos, que, sem entender o impacto das medidas, lembraram os pacotes econômicos heterodoxos dos anos 1980. De mais simples, a poupança passará a ter a mais complexa estrutura tributária das aplicações.

O mais grave é que não deve resolver o problema da migração de recursos dos fundos de investimento, mesmo se o governo confirmar a redução da tributação da renda fixa.
“Pode ter uma migração dos investidores que têm menos de R$ 50 mil nos fundos”, disse Fabio Colombo, administrador de investimentos.

Todos reconhecem que foram preservados os ganhos de pequenos investidores, mas serão punidos os aplicadores da classe média, que têm mais de R$ 50 mil e não conseguem barganhar taxas de administração baixas nos fundos. “O grande investidor, que tem R$ 1 milhão, está diversificado e paga taxa de 0,5%. Vão perder os grandes fundos de varejo, que têm milhares de cotistas com R$ 10 mil”, disse Alexandre Jorge Chaia, professor do Insper (ex-Ibmec-SP).

“É um absurdo mexer em uma coisa que funciona, é eficiente, simples, não tem imposto. A pessoa ganhava na Mega Sena e colocava na poupança. Uma vez que tirou a simplicidade, morreu. Recebi muitas ligações de pessoas perguntando se tinha de tirar o dinheiro da poupança. Agora, as pessoas vão ter de fazer conta”, disse Roberto Troster, da consultoria Integral Trust.

Segundo José Dutra, especialista em matemática financeira, mudará pouca coisa para os investidores com pouco mais de R$ 50 mil na poupança se a Selic não ficar abaixo de 8,75% ao ano.

Para Dutra, o governo empurrou mais uma vez a decisão para a frente. “Ganhou tempo.”
“Uma coisa que me preocupa é que ninguém olhou o lado do devedor da poupança. A tributação tenta equalizar o rendimento líquido da poupança com o de outros investimentos. Do outro lado do poupador, tem o tomador de crédito imobiliário, que está pagando a conta. Se ele não tiver uma redução nos juros, vai sair perdendo”, disse a consultora de investimentos Marcia Dessen.

Para o advogado tributarista Regis Braga, apesar de ter feito tudo para evitar a comparação com o confisco da poupança pelo Plano Collor, em março de 1990, até o valor de corte da isenção foi o mesmo. “O número [50 mil] foi muito infeliz. É o mesmo do confisco. Vai ser um prato cheio para a oposição.”

O economista Miguel Daoud disse que o governo se precipitou ao anunciar as medidas. “O Congresso vai querer pôr o dedo e a proposta vai virar um “Frankenstein”. O governo deveria esperar mais e mudar definitivamente [a poupança], na hora em que caíssem os juros”, diz o economista, para quem a proximidade das eleições e os temores criados em relação às mudanças na caderneta precipitaram o anúncio.

Medida “razoável”
Começar a cobrar Imposto de Renda de aplicações na caderneta de poupança foi uma solução “razoável”, mas não a melhor possível para o problema que o governo Lula tinha, diz Ricardo Carneiro, professor da Unicamp.

Na sua opinião, a fim de impedir que grandes investidores abandonassem os títulos públicos -prejudicando, dessa forma, a rolagem da dívida federal- e rumassem em peso para a poupança, o ideal seria diminuir a liquidez da aplicação popular. Isso significaria mudar o seu rendimento de diário, como acontece hoje, para trimestral. Quem tirasse o dinheiro antes perderia todos os ganhos do período.

“Já foi assim antigamente e é assim em todos os outros países. Essa é uma estrutura que tem sucesso em impedir a especulação”, explica Carneiro. “Dessa maneira ainda se aproveitaria a oportunidade para aprimorar a organização do sistema financeiro, recompensando quem deixa o dinheiro na aplicação por mais tempo.”

Tecnicamente superior, essa opção não foi escolhida, avalia o acadêmico, pelo desgaste político que poderia causar. “A oposição irresponsavelmente falou que as alterações na poupança levariam a um confisco como o realizado por Fernando Collor na década de 1990. Uma regra para desencorajar saques em períodos curtos poderia, portanto, ser distorcida e apresentada por esses políticos como uma tentativa de apropriação por parte do governo.”

O economista Luiz Gonzaga Belluzzo também classifica a medida anunciada ontem como “razoável”. “Acho que o governo foi muito sensato, pois é preciso ter cuidado com as aplicações de valor pequeno, as mais frágeis”, afirma.

A Força Sindical aprovou a resolução. “O governo cumpriu o que havia combinado conosco de garantir até R$ 50 mil. Estamos preocupados, porém, com a tributação para montantes acima desse teto, que é bastante alta. Vamos trabalhar para mexer nisso, impedindo que os especuladores vão para a poupança”, disse Paulo Pereira da Silva, presidente da central.
Para a Anbid (Associação Nacional dos Bancos de Investimentos), “as mudanças anunciadas são um primeiro passo no sentido de adequar o mercado financeiro aos novos níveis de taxas de juros da economia”, segundo comunicado distribuído à imprensa. “Essa discussão só foi possível em decorrência do avanço da economia brasileira nos últimos anos.”

Colaborou a Folha Online