Bradesco terá de indenizar ex-gerente, vítima de assédio moral e de discriminação sexual; instituição vai recorrer
Advogados do demitido dizem que indenização pode chegar a até R$ 1,3 milhão; associação vê valor como “marco” na área trabalhista
Edson Ruiz/Folha Imagem
|
|
O corretor Antônio Ferreira dos Santos, demitido em 2004 e que ganhou indenização na Justiça
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL
A Justiça do Trabalho condenou o Bradesco a pagar indenização que pode ultrapassar R$ 1 milhão ao ex-gerente Antônio Ferreira dos Santos, 47, por ter sofrido assédio moral e discriminação sexual em sua demissão por justa causa.
Na quarta-feira passada, ao rejeitar recurso pedido pelo banco, o TST (Tribunal Superior do Trabalho) manteve a decisão de instância trabalhista anterior, que determinou indenização no valor de R$ 200 mil (sem considerar correção e juros dos últimos cinco anos, quando a ação teve início), além do pagamento de um valor referente ao salário em dobro do ex-gerente desde sua demissão até a ação ser encerrada (a quantia, nesse caso, pode somar R$ 800 mil). O Bradesco já informou que vai recorrer da decisão do TST.
Nos cálculos dos advogados do ex-gerente, a soma das duas indenizações deve ir a R$ 1,3 milhão -o maior valor já pago por assédio moral e discriminação sexual no país, segundo a Abrat (Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas).
Santos foi funcionário do antigo banco Mercantil de 1982 até 1985, quando a instituição foi comprada pelo Bradesco. Em 1985, após prestar concurso público, foi admitido pelo Baneb (Banco do Estado da Bahia). Em 1999, o banco estatal também foi adquirido pelo Bradesco. “Trabalhei de 1999 até 2004 como gerente-geral de uma agência do Bradesco em um bairro de classe média alta em Salvador. E posso afirmar que foram os piores cinco anos de minha vida”, disse Santos.
Nesse período, segundo diz, ele foi vítima de assédio moral na presença de vários colegas e demitido por justa causa em fevereiro de 2004. “Recebi uma carta em que apenas me informavam que infringi o artigo 482 da CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] sem mais explicações. A Justiça do Trabalho baiana questionou durante um ano o banco, e não me explicaram as razões da justa causa”, disse Santos. O artigo 482 lista 12 razões para a dispensa por justa causa: embriaguez, ato de improbidade, mau procedimento, violação de segredo de empresa, entre outros motivos.
Bruno Galiano, um dos advogados de Santos, diz que a 24ª Vara do Trabalho determinou indenização de R$ 916 mil por danos materiais e morais e pagamento de salário em dobro, como determina a lei 9.029, que combate a discriminação.
O TRT da 5ª Região reduziu a indenização para R$ 200 mil e manteve o pagamento do salário em dobro desde a demissão em 2004 até o fim da ação. O Bradesco recorreu ao TST então para rever a decisão.
“É uma decisão importante e representa um marco em termos de valores. O Judiciário tem determinado pagamento de indenizações, em média, de R$ 20 mil a R$ 30 mil por assédio moral”, disse Luiz Salvador, presidente da Abrat.
Luiz Mott, fundador do Grupo Gay da Bahia, diz que a decisão do TST mostra sensibilidade do Judiciário no combate à discriminação. “O Legislativo e Executivo são mais omissos. Em um país que lidera o ranking de assassinatos a homossexuais, uma decisão como esta manda um recado: que a discriminação tem de ser punida, inclusive economicamente.”
Bradesco vai recorrer da decisão
DA REPORTAGEM LOCAL
O Bradesco informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que vai recorrer da decisão do TST (Tribunal Superior do Trabalho) que manteve sentença da Justiça trabalhista da Bahia a qual determinou o pagamento de indenização ao ex-gerente Antônio Ferreira dos Santos por ter sido vítima de assédio moral.
A Justiça do Trabalho da Bahia reconheceu, desde a decisão da primeira instância, em 2005, que ele foi discriminado pelo fato de ser homossexual. O Bradesco não comenta o caso por estar sub judice. (CR)
entrevista
“Não há valor que pague o meu constrangimento”
DA REPORTAGEM LOCAL
Cinco anos após ser demitido do cargo de gerente-geral do Bradesco em uma agência de Salvador, Antônio Ferreira dos Santos, 47, afirma que “não há valor que pague” o constrangimento pelo qual passou. A declaração é uma referência à decisão do TST (Tribunal Superior do Trabalho), que negou recurso do Bradesco e reconheceu que ele foi vítima de assédio moral e de discriminação por ser homossexual.
Os valores das indenizações determinadas por instâncias anteriores da Justiça baiana -R$ 200 mil por dano moral e material corrigidos e mais uma indenização que prevê o pagamento de seu salário em dobro desde sua demissão até a ação ser encerrada- estão mantidos.
Os advogados de Santos acreditam que o valor possa chegar a R$ 1,3 milhão até a ação ser encerrada e contando com a correção dos valores nos últimos cinco anos.
Demitido por justa causa, sem explicação formal do Bradesco, segundo consta na ação trabalhista, o ex-gerente diz que não conseguiu se recolocar no mercado, foi “privado” de seus direitos e passou por período de depressão ao ter sua reputação profissional “manchada”.
Formado em letras pela Universidade de Salvador e pós-graduado em gestão de negócios pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Santos hoje atua como corretor de seguros.
Leia abaixo trechos da entrevista concedida ontem, por telefone, à Folha. (CR)
FOLHA – O que motivou o sr. a recorrer à Justiça?
ANTÔNIO FERREIRA DOS SANTOS – Mais importante do que minha homossexualidade é meu caráter. Fui discriminado por ser homossexual, mas fui demitido por justa causa sem uma explicação. Mancharam 22 anos de dedicação e de trabalho honesto. Sempre trabalhei com clientes corporativos, atendendo empresas de grande porte. Recebi um prêmio no ano 2000 do [então] presidente do banco [Marcio Cypriano] pela minha atuação. E de um dia para o outro fui demitido.
FOLHA – O que o banco alegou para demiti-lo por justa causa?
SANTOS – Recebi a carta de demissão e ela mencionava justa causa de acordo com o artigo 482 da CLT [Consolidação das Leis do Trabalho]. Esse artigo cita desde ato de improbidade, embriaguez, abandono de emprego, insubordinação e outras oito razões. A Justiça trabalhista questionou durante um ano a empresa e nunca recebeu, assim como eu, uma explicação para a minha demissão.
FOLHA – Na opinião do sr., o que ocorreu?
SANTOS – Fui desligado de forma perversa. A demissão por justa causa serviu para camuflar o preconceito por eu ser homossexual.
FOLHA – Como ocorreram a discriminação e o assédio?
SANTOS – Foram cinco anos de constrangimento. Um gerente regional me fez passar por várias situações [constrangedoras] na frente, até, de colegas de trabalho. Por essa razão, consegui comprovar o fato com o testemunho de várias pessoas. Ele dizia que “o Bradesco era um lugar para homens, e não para bichas e veados”. Em público, não apertava a minha mão, como se a homossexualidade fosse transmitida pelo suor. Quando decorávamos a agência, em alguma comemoração, dizia que era para eu parar com a “veadagem”. Como era meu superior, eu não tinha como nem para quem reclamar. Fui à Justiça quando ele me demitiu ao ocupar o cargo de diretor interinamente.
Frase
“A decisão do Judiciário mostra sensibilidade no combate à discriminação (…) Em um país que lidera o ranking de assassinatos de homossexuais, uma decisão como essa manda um recado: a discriminação tem de ser punida, inclusive economicamente”
LUIZ MOTT
fundador do Grupo Gay da Bahia