Autuações foram aplicadas em razão de alojamentos precários, jornadas extenuantes e falta de equipamentos de proteção
Usinas de açúcar e álcool, que estão instaladas no interior de Goiás, dizem que buscaram se readequar às normas trabalhistas
EDUARDO SCOLESE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Relatórios do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) cruzados com dados do Ministério do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho revelam que, no ano passado, o banco desembolsou R$ 1,1 bilhão para três usinas de açúcar e álcool multadas pela situação degradante de trabalhadores -duas das multas foram aplicadas antes da liberação dos recursos.
Segundo os documentos, as multas foram aplicadas em 2008, totalizam R$ 540 mil e têm como justificativa a contratação de trabalhadores por meio de “gatos” (como são chamados os aliciadores desse tipo de mão-de-obra), alojamentos precários, jornadas extenuantes, transporte irregular e falta de equipamentos de proteção.
O BNDES, cuja propaganda institucional fala em “cláusulas socioambientais” nos contratos desde dezembro de 2007, declara não ter competência legal para julgar empresas sob investigação, mas, diante de uma eventual condenação, poderá suspender ou revisar os contratos (leia texto ao lado).
As três usinas estão instaladas no interior de Goiás. Nenhuma delas, porém, aparece na “lista suja” do Ministério do Trabalho, em que estão as empresas que tenham sido flagradas com trabalhadores em condição análoga à de escravos.
Apesar da situação degradante relatada, não foi detectada a “servidão por dívida”, quando os funcionários são forçados a ficar nas propriedades até saldarem débitos contraídos com os empregadores na “compra” de alimentos, roupas e equipamentos de trabalho.
Contratos e flagrantes
A Usina São João Açúcar e Álcool, por exemplo, recebeu R$ 456,6 milhões do BNDES para ampliar duas usinas no interior de Goiás. Uma delas, a Agropecuária Campo Alto, em Quirinópolis (294 km de Goiânia), teve no ano passado 24 autos de infração, com 421 encontrados em situação degradante, com más condições de alojamento e falta de equipamentos de proteção individual, segundo o Ministério do Trabalho. A fiscalização ocorreu em maio (multa de R$ 176,6 mil), e o contrato foi assinado em junho.
A Rio Claro Agroindustrial recebeu R$ 419,5 milhões para implantar três unidades de processamento de cana. Numa delas, em Caçu (340 km de Goiânia), foram encontradas más condições de alojamento e falta de equipamentos de proteção. O Ministério Público do Trabalho fala em “situação de degradância” na localização dos trabalhadores. A fiscalização ocorreu em fevereiro (com multa de R$ 234,6 mil), e o contrato com o BNDES foi fechado em dezembro.
A Usina Porto das Águas recebeu R$ 278,9 milhões para uma unidade em Chapadão do Céu (595 km de Goiânia). Nessa unidade, além de denúncias de trabalhadores aliciados por “gatos” e submetidos a trabalho degradante, foram encontradas más condições de alojamento e falta de equipamento. O contrato foi assinado em maio, e a fiscalização ocorreu em junho, com multa de R$ 128,6 mil.
As empresas dizem que buscaram se readequar às normas trabalhistas.
outro lado
Banco diz que pode rescindir contratos
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O BNDES disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que “não tem competência legal e não poderia prejulgar empresas sob investigação” e que, caso algum processo instaurado pelo Ministério Público gere condenação judicial, poderá rescindir por justa causa o contrato.
“O BNDES só contrata um financiamento após cumpridas todas as regras previstas pela lei e pelo seu regulamento, inclusive a checagem do cadastro do Ministério do Trabalho que lista empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas ao trabalho escravo. Os [três] clientes em questão, no momento da contratação dos respectivos financiamentos, não se encontravam na referida lista”, afirma o banco.
O BNDES diz, porém, que tais desembolsos podem ser suspensos em meio ao contrato, caso as empresas sejam incluídas na “lista suja” do governo federal.
O banco afirma que “cláusulas socioambientais” foram incorporadas em todos os contratos a partir de dezembro de 2007, mas que, até hoje, não houve nenhuma suspensão de financiamento por conta disso. “Contudo o BNDES está atento e atuará sempre que receber denúncias que possam, do ponto de vista jurídico, autorizar a suspensão e/ou a rescisão contratual.”
Usinas
Procuradas pela Folha, a Rio Claro Agroindustrial e a Usina Porto das Águas disseram que, após as visitas dos fiscais e das consequentes multas, buscaram se readequar às normas trabalhistas.
A Rio Claro Agroindustrial, por exemplo, firmou no início deste mês um TAC (termo de ajustamento de conduta) com o Ministério Público do Trabalho em que se comprometeu a regularizar e manter os direitos trabalhistas e de segurança dos seus funcionários.
Já a Usina Porto das Águas afirma que as condições de trabalho foram ajustadas e ainda negocia com o Ministério Público do Trabalho a assinatura de um TAC, o que, segundo a empresa, deve ocorrer nas próximas semanas. A empresa diz que o flagrante na usina ocorreu antes de qualquer tipo de alerta dos fiscais do trabalho.
Também procurada pela reportagem, a Agropecuária Campo Alto, braço da Usina São João, limitou-se a dizer que “a questão continua pendente de decisão judicial definitiva”.