21 mar 2011
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Manuel Campos é funcionário político do IG Metall (Sindicato Nacional dos Metalúrgicos na Alemanha) desde 1974 e foi destacado para o Brasil a serviço da FITIM (Federação Internacional dos Trabalhadores Metalúrgicos) para coordenar o trabalho de redes sindicais que, segundo ele, são um “ótimo meio político-sindical para o fortalecimento da solidariedade, dos direitos da classe trabalhadora e do diálogo social, com uma finalidade central de ampliar o poder sindical em níveis nacional, regional e global”. Confira suas opiniões sobre este tema e sobre a realidade sindical e trabalhista no Brasil e na Alemanha na seguinte entrevista concecida à redação CNTM:
CNTM – Como o senhor avalia a parceria entre os movimentos sindicais brasileiro e alemão?
Manuel Campos – As parcerias entre o movimento sindical da Alemanha e do Brasil já são de longa data, mas ainda bem restritas. As suas diferentes estruturas – um sindicato metalúrgico e uma central sindical na Alemanha, com relação a milhares de sindicatos e a uma dezena de centrais no Brasil – dificultam certamente uma aproximação maior. Sustento, porém, que, nos dias de hoje, não podemos nos dar mais ao luxo de exclusividades. Mas também é verdade que há a necessidade premente de todos os sindicatos – seja de que lado forem – levarem apenas a bandeira dos direitos dos trabalhadores e não a bandeira partidária. Penso que é sobretudo isto que nos tem dividido, separado e impedido maiores conquistas.
CNTM – Qual o papel que o senhor desenvolve atualmente em parceria com a CNTM-Força Sindical?
Manuel Campos – Como funcionário do IG Metall, encontro-me em São Paulo, acolhido solidariamente pela Força Sindical e pela CNTM a serviço da FITIM. Meu papel é coordenar em determinadas empresas Multilatinas (multinacionais de origem latino-americano) e Internacionais a criação de novas redes sindicais, em colaboração com os Sindicatos responsáveis nestes países onde se encontram estas empresas, na América Latina, mas acompanhando também outras redes bilaterais (Alemanha-Brasil) já existentes.
CNTM – Qual a importância deste intercâmbio para o desenvolvimento da classe trabalhadora metalúrgica no Brasil, na Alemanha e nos demais países do mundo?
Manuel Campos – Alguns números e dados sobre a presença alemã no Brasil dão-nos motivos suficientes para alicerçar este intercâmbio. A Alemanha tem no Brasil mais de 1.200 empresas (algumas há mais de 100 anos) e o número vai aumentando. São Paulo é considerada a cidade de maior produção da indústria alemã no mundo. A contribuição destas empresas para o PIB do Brasil e o número de postos de trabalho, por elas criado, são muito significativos. Lembro ainda que, na Europa, as relações Capital/Trabalho se regem por sistemas de muita independência e autonomia entre as partes (por exemplo, a negociação coletiva é feita sem intervenção estatal) e por normas legais que concedem, aos trabalhadores nas empresas e aos seus Sindicatos, uma série de direitos (por exemplo, a representação no local de trabalho, a Cogestão, etc) que os colocam numa posição muito melhor do que no Brasil.
Através das redes sindicais e de empresa, procuramos trazer para as filiais de empresas alemãs no Brasil estes direitos e estas vantagens, não esquecendo que as centrais na Alemanha e as diretorias no Brasil nem sempre apoiam isto. Mas afirmo também que nem todos os Sindicatos estão ainda preparados para esse diálogo. Ele exige do Sindicalista formação, autoconvicção, firmeza e capacidade de negociação. A minha experiência mostra que nas empresas onde isto está sendo praticado o relacionamento entre a Empresa e Sindicato melhorou muito, o respeito mútuo e o diálogo social avançaram, com vantagens para ambas as partes. São estas experiências da Alemanha do Brasil que eu procuro mostrar e multiplicar.
CNTM – O que é uma rede sindical internacional e qual a importância deste instrumento para a organização sindical, a mobilização da classe trabalhadora e as conquistas sociais, econômicas e políticas dos trabalhadores?
Manuel Campos – As redes são um ótimo meio político-sindical para – no contexto da Globalização, da produção industrial à escala internacional e sobretudo em tempos e momentos de crises internacionais e também nacionais – se fortalecer a solidariedade, impedir o jogo dos trabalhadores uns contra os outros e de organizar ou melhorar as informações bilaterais sobre a situação, as chances e os perigos existentes.
As redes são uma tarefa exclusivamente sindical, mas que pode contar com o apoio de outras organizações. Elas são constituídas em níveis nacional e internacional, bilateral ou multilateral, binacional ou multinacional, conforme as situações. A sua criação deve ser iniciada pelos trabalhadores de uma Empresa/Consórcio e pelas estruturas sindicais responsáveis, com o objetivo de facilitar o caminho para a conquista, a defesa e o fortalecimento dos direitos dos trabalhadores e do diálogo social. Isto é necessário, enquanto os direitos fundamentais e dos trabalhadores não estiverem alicerçados em Leis, ou através de Normas internacionais reconhecidas e em vigor.
CNTM – Podemos então dizer que as redes são um meio para atingir um fim?
Manuel Campos – Sim! Os objetivos finais são a melhoria das condições gerais de trabalho e da posição de negociação, a imposição dos Direitos Humanos, Sindicais e Laborais, válidos para todos e universais, a criação de estruturas de representação no local de trabalho, a conquista do Respeito e do Diálogo face a Sindicatos e Trabalhadores, a discussão de temas de interesse comum, elaboração de posições e de estratégias sobre estes temas, a preparação de ações e atividades comuns (bilaterais, regionais ou internacionais), a troca de informações, o apoio recíproco em caso de problemas (negociações coletivas, greves, comportamento antissindical de diretorias, etc), o desenvolvimento de órgãos de consulta e de negociação, tais como representantes de trabalhadores e Sindicatos, face às Diretorias, a introdução e implementação da Cogestão e até a institucionalização das próprias redes, como saída para melhores formas de representação.
A finalidade central da rede é fortalecer o poder sindical nacional, regional e global.
CNTM – O senhor contribui para a formação das redes sindicais em setores e empresas. Quais são os principais desafios destas redes?
Manuel Campos – É sabido que os sindicatos são estruturas primariamente nacionais e por isto voltadas mais para dentro. O internacionalismo é ainda mais discurso do que abdicação em favor de outros. Por isto, na formação de redes, torna-se necessário um longo trabalho de convicção sobre os benefícios daí advenientes. Verifico que isto é mais fácil com os trabalhadores da base (chão de fábrica, vindos da mesma empresa, mas em situações muito diferentes) do que muitas vezes com as diretorias sindicais. Parece que estas temem uma perda de poder, quando é o contrário: as redes vão fortalecer os conhecimentos e o poder de atuação dos próprios sindicatos. Por isto é que elas devem obter um mandato político do Sindicato, para serem criadas. O sindicato do país de origem da empresa detém a maior responsabilidade. O fato de a rede dever ser um órgão sindical independente tem causado certa confusão. Isto não significa que ela assume um papel paralelo e independente do sindicato. Aliás, este tem que dar o seu aval para a sua criação e decide sobre a participação própria na rede e sobre o representante da empresa, a ser enviado à rede. E esta deve considerar que o seu papel não é preocupar-se apenas com os filiados de um Sindicato, mas sim com os interesses de todos os trabalhadores, de todos os sindicatos e centrais, presentes nesta empresa ou consórcio. A rede deve ser independente (não subordinada) da empresa, mas colaboradora. As atribuições específicas do Sindicato, estas mantêm-se e não podem ser assumidas pela rede, como por exemplo a negociação coletiva.
O primeiro desafio para que a rede funcione é a sua estruturação. Torna-se condição essencial que nela todos cooperem e se faça a elaboração de um Plano de Ação, contendo os Fins, Temas, Estruturas, Formas de comunicação, papel do Coordenador, Encontros, Meios eletrónicos etc.
O segundo desafio é o da informação. O responsável e os membros da rede têm que estar informados e têm que informar. Saber é poder! Por isto as informações têm que ser partilhadas, por todos e entre todos. Verifico ainda que, por vezes, os membros das redes estão muito bem informados sobre estruturas, direções e locais de produção da empresa, mas não sobre os mesmos conteúdos correspondentes aos seus sindicatos. Não se conhecem, e, por isto, se estranham. É condição essencial fazer quanto antes o levantamento referente aos Sindicatos que fazem parte das redes e trocar estas informações.
O terceiro desafio é o da formação. Os membros da rede devem ser preparados sobre o tema, os meios, os fins, o conteúdo, os métodos e os problemas do trabalho em rede e sobre as respostas adequadas e caminhos certos para obter resultados.
O quarto é o da atuação. Causa dor verificar por vezes que tudo está montado para dar certo, mas que nada se mexe. Daí a necessidade de todos os membros cobrarem uns dos outros e também dos próprios Sindicatos.
CNTM – Como o senhor avalia a organização sindical nos locais de trabalho no Brasil?
Manuel Campos – Verifico que ainda está bem arraigada na mente, sobretudo das empresas, mas também de trabalhadores, que o Capital manda e o Trabalho obedece. Isto já passou à História. Hoje existe, ou deverá existir, a igualdade de valor e de importância entre Capital e Trabalho. É esta até a mensagem da chamada Doutrina social da Igreja, que apenas não é seguida por muitos empresários, que até se dizem Crentes! Mas isto significa também que sem organização no local de trabalho, sem estruturas representativas, eleitas e garantidas por Lei, com o direito de negociar com as diretorias (não a contratação coletiva!), as coisas não mudarão. Este deveria ser de momento o maior objetivo dos Sindicatos no Brasil, até porque existem bons exemplos neste sentido. A legislação brasileira prevê a eleição de representantes em empresas com mais de 200 trabalhadores. Mas por que só a partir de 200? A presidenta Dilma acaba de propor a participação de trabalhadores nos Conselhos de Empresas estatais. Mas por que só nas estatais? E como vão ser escolhidas e preparadas estas pessoas? Que atribuições elas terão? Tudo isto vai ser um desafio sindical urgente, que terá der ser feito em sintonia comum e não em concorrência. Caso contrário, o “outro” é que obterá resultados.
CNTM – Quais as principais diferenças de organização e de salários entre os metalúrgicos do Brasil e da Alemanha?
Manuel Campos – Na Alemanha está prevista a eleição de Conselhos de Empresa (com 4 anos de mandato) a partir da existência de 5 trabalhadores na empresa. Isto se faz com base numa Lei Federal, onde estão regulamentados os direitos e deveres dos representantes e dos trabalhadores, mas também o Direito de Acesso à empresa dos Sindicatos, ali representados, e seus direitos de assessorar a Comissão de trabalhadores. Além disso, a lei fixa e regulamenta os Direitos de Cogestão e de Co-decisão destes membros, eleitos por todos os trabalhadores na empresa. Na minha opinião, a proposta da presidenta Dilma terá que evoluir neste sentido da Cogestão.
CNTM – Como são as negociações e os acordos dos metalúrgicos na Alemanha?
Manuel Campos – As negociações coletivas na Alemanha têm vários tipos e são feitas de várias formas. Tudo o que é de caráter geral (por exemplo: férias, horário de trabalho, horas extras, suplementos, prazos de demissão), bem como os contratos coletivos (sobre grupos de salários, relações recíprocas entre eles, ajustes, etc), são negociados em nível Central/Federal e têm validade por vários anos. Negociações salariais coletivas (são feitas em nível regional, entre o Sindicato e a Associação empresarial correspondente, para as empresas nela filiadas (os empresários não podem utilizar o nome de Sindicato). Há casos em que o Sindicato negocia diretamente com uma empresa, sobretudo quando esta não está filiada numa Associação empresarial (exemplo: Volkswagen). Estes contratos são válidos normalmente por um ano, mas podem ter validade mais longa. Durante este período de validade, não pode haver greve, a não ser que uma das partes “quebre” o que foi negociado. Existem ainda Contratos para Aprendizes (Contratos sobre Curso e condições da Aprendizagem e Emprego por um ano no final do Curso) e Contratos especiais que regulamentam, por exemplo, as somas para formação de patrimônio, garantia de salário para trabalhadores idosos e Subsídio de Natal, também com vários anos de vigência.
CNTM – Um metalúrgico alemão ganha bons salários? Eles são suficientes para enfrentar o custo de vida na Alemanha?
Manuel Campos – O que um brasileiro chama de “bom salário” pode não ser o que o alemão considera como tal. Embora os salários não sejam baixos, a verdade é que no contexto europeu os salários na Alemanha foram os que menos evoluíram nos últimos anos. Foi registrada também uma perda real do poder de compra, porque o Governo, com sua política fiscal, “comeu” aquilo que os Sindicatos conquistaram. Por isto, tudo é relativo. Porém, o objetivo central sindical é incluir no salário todas as componentes pagas pela empresa de forma voluntária, para que isto tenha influência, por exemplo, na aposentadoria.
CNTM – A qualificação profissional do metalúrgico alemão é essencial para o seu desenvolvimento profissional?
Manuel Campos – É condição sine qua non. Aliás, a constelação dos Grupos salariais é feita com base no chamado “Salário central de 100%” que é o correspondente ao que ganha um trabalhador profissionalmente qualificado. Os outros grupos orientam-se por este: para baixo, se não existir qualificação, e para cima, quanto maior for a especialização. Uma das maiores dificuldades, sofridas pelos imigrantes, por exemplo, deve-se ao fato de muitos não terem qualificação profissional, ou de não ser reconhecida oficialmente aquela que eles trouxeram de seus países. Esta é uma reivindicação sindical face à política.
CNTM – Qual a jornada de trabalho da categoria metalúrgica alemã?
Manuel Campos – A jornada de trabalho oficial/legal é de 48 horas por semana. Como existe uma autonomia de negociação – aliás garantida na Constituição – os Sindicatos podem negociar com as empresas o que querem, sem intervenção do Estado, desde que respeitem as leis maiores. Na indústria metalúrgica temos negociada a semana de 35 horas. Conforme os casos, ela pode variar para cima e para baixo. Os Sindicatos têm mostrado aqui muita flexibilidade mas também uma certa fraqueza, que tem sido “abusada” pelas empresas, sobretudo em períodos de crise. Agora que a economia está crescendo forte, este vai ser novamente tema de pauta.
CNTM – Há demissões sem justificativa no setor metalúrgico alemão?
Manuel Campos – Não. Existem demissões abusivas, mas com possibilidade de recurso à Justiça. Nas empresas com Conselhos de Empresa, o Artigo 102 da Lei Constitucional de Empresa afirma que “ninguém pode ser despedido sem o consentimento do Conselho de Empresa” e garante que este órgão deve ser ouvido antes de cada demissão, sendo informado sobre quem, quando e porquê, que deverão ser considerados os aspectos sociais e que as dúvidas sobre demissões normais deverão ser comunicadas por escrito dentro de uma semana e as extraordinárias por escrito dentro de três dias. Em qualquer dos casos, a Justiça laboral define finalmente.
CNTM – Os índices de acidente são altos na base metalúrgica alemã? Quais as principais ações sindicais pela segurança e saúde nas empresas metalúrgicas alemãs?
Manuel Campos – Podemos afirmar de modo geral que os índices são baixos, porque a legislação é dura e o controle apertado. Não existem CIPAS, exclusivas para o controle. Para além dos chamados engenheiros de segurança, o papel de controle e de intervenção co-gestionária é exercido, também aí, pelos Conselhos de Empresa, com base no artigo 87 (7) referente às medidas de proteção contra acidentes e doenças profissionais.
CNTM – Como o senhor avalia a comunicação sindical em ambos os países?
Manuel Campos – Pelo que me é dado saber sobre os meios de comunicação, por exemplo, das duas filiadas na Fitim (a CNM/CUT e a CNTM/Força Sindical), os seus sistemas de comunicação nada têm a perder se comparados com os alemães. Aliás, se considerarmos que a CUT tem um canal de televisão e outros sindicatos usam intensivamente as rádios locais, os brasileiros ganham aos pontos! Parabéns!
Perfil: Manuel Campos nasceu em Portugal, na cidade de Lever, Vila Nova de Gaia. É formado em Filosofia e Teologia. É membro do SPD (Partido Socialdemocrata alemão), do PS (Partido Socialista Português), membro fundador do Conselho Intercultural da Alemanha e membro do Grupo “Pro Asyl”.
Manuel Campos diz que em um “encontro inusitado” com um membro da polícia secreta portuguesa (PIDE) foi aconselhado a deixar Portugal por “motivos de atuação política suave”. Por isto, saiu de Portugal em 21 de dezembro de 1972 rumo à Alemanha.
Entrou oficialmente para o IG Metall em 16 de abril de 1974, uma semana antes da Revolução dos Cravos em Portugal. Primeiro foi secretário político, organizando a filiação sindical dos portugueses, e depois assumiu a Direção do Departamento de Imigração, na central do IG Metall, sendo o primeiro estrangeiro a dirigir um Departamento.
Segundo ele, suas relações com o Brasil começaram com a sua entrada no IG Metall. Nesta altura, viajavam para a Alemanha muitos sindicalistas brasileiros, procurando apoios político-sindicais ou em missão de negociações, por exemplo, com a Volkswagen.
“Tive oportunidade de os conhecer e em parte de os acompanhar. O aprofundamento deu-se porém com a minha vinda para o Brasil, na qualidade de Diplomata Alemão (o primeiro vindo da Emigração), na qualidade de Conselheiro Social da Embaixada da Alemanha para o Brasil (em Brasília) e no Chile (Santiago do Chile), de 2003 a 2007. Nesta altura foram aprofundados os laços políticos, sociais e sindicais. Tive a honra de propor a negociação de um Acordo Bilateral de Segurança Social entre o Brasil e a Alemanha, que foi assinado pelo Presidente Lula e pela Chanceler Merkel no final de 2009 e que deverá ainda ser ratificado pelo Brasil. O aprofundamento dos laços sindicais dão-se agora, com esta minha tarefa a serviço da FITIM”, finaliza Manuel Campos.
Por Val Gomes
jornalista
imprensa@cntm.org.br
www.cntm.org.br
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