Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos

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8 de Março: uma data que exige reflexão

“O 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, que este ano coincide com a terça-feira de carnaval, é uma data que merece de todo nós a mais profunda reflexão sobre a luta das mulheres na sociedade em defesa dos seus direitos e por justiça social. Considere-se, pois, que a data em questão refere-se a uma ação de mulheres trabalhadoras americanas que, em 1857, ao reinvidicarem mudanças nas relações de trabalho e melhoria das suas condições de vida, foram agredidas publicamente pelos patrões e pela polícia e 129 delas queimadas vivas como castigo por sua ousadia em sonhar com a liberdade, com uma sociedade menos desigual do ponto de vista sócio-econômico e, porque não dizer, politicamente diferente.

Passados exatamente 154 anos das lutas das mulheres operárias de Nova Iorque é comum ainda hoje se obter informações sobre a permanência das desigualdades entre gêneros  em quase todos os campos da atividade humana, sem contar as denúncias de maus-tratos e violência contra pessoas do sexo feminino que nos últimos anos tem aumentado assustadoramente, apesar das garantias jurídicas inseridas na legislação de vários países, incluindo a brasileira, mas que na prática estamos longe de uma verdadeira igualdade de fato.  Pesquisa recente feita pela Fundação Perseu Abramo mostrou que a cada dois minutos cinco mulheres são agredidas violentamente no Brasil.

Quando falamos de violência não estamos a tratar apenas do seu aspecto físico, que representa um insulto à dignidade humana e que infelizmente é vista por uma parcela da população como uma prática social normal. Enfatizamos também a violência imperceptível relativa à apropriação desigual de bens e conhecimentos característica de uma sociedade machista e autoritária que nada mais é senão um instrumento de dominação e de privilégios para a manutenção das relações atuais.

Daí a necessidade de desenvolvimento de novas frentes de luta, bem como de novas estratégias, por parte das mulheres, uma vez que para a ampliação dos direitos já alcançados a batalha agora diz respeito à disputa por espaço de poder. O que significa dizer que o embate deve se dar primordialmente no campo político, internamente na residência e ainda no local de trabalho.  A vitória em 2010, de Dilma Roussef, presidenta do Brasil, representou um passo importante nessa direção.

Não bastou a Constituição brasileira no seu artigo 5º, inciso I, equiparar os direitos das mulheres aos dos homens, apesar de ter sido um ato de justiça e resultado da participação feminina nos movimentos sociais que pela justeza da sua ação e o reconhecimento social alcançado contribuíram decisivamente para pôr fim a um período de governos autoritários e para a consolidação do processo democrático em nosso país. Analisamos assim deste modo porque na prática a realidade é outra, bem aquém do preconizado pela legislação.

Tomemos por base os dados sobre o mercado de trabalho brasileiro, para percebermos claramente que apesar dos avanços ocorridos, a luta das trabalhadoras têxteis de Nova Iorque não pode ser esquecida, uma vez que o sofrimento por elas vivenciado em meado do século XIX ainda não chegou ao fim. Se um número expressivo de mulheres já alcançou lugar de destaque na sociedade, muito mais da metade delas sente ainda hoje na pele o mesmo sofrimento de outrora. Haja vista a quantidade de mulheres pobres da periferia das grandes cidades brasileiras que, sem perspectiva em relação ao futuro, são em muitos casos obrigadas a aceitar os piores trabalhos e remuneração insignificantes, sem gozar de qualquer direito, além de, aqui e ali, ter de assistir impotentes a morte de seus filhos vitimas da violência praticada pelo crime organizado ou pela ação da polícia.

Em São Paulo, os dados disponíveis indicam que as mulheres já ocupam um nível ligeiramente superior de escolaridade em relação aos homens, especialmente junto ao setor produtivo. Entretanto, persiste o diferencial de remuneração e num grau considerado elevado (76% do rendimento/hora obtido pelos homens para funções semelhantes).

Por outro lado, as mulheres, hoje representando mais de 40% da força de trabalho no Brasil, ocupam na maioria dos casos cargos e funções que geralmente têm a ver com o trabalho realizado no espaço doméstico. O que em muito contribui para limitar o seu desenvolvimento e reduzir substancialmente a sua posição social, vez que do ponto de vista profissional requer menos qualificação formal, traduzindo-se evidentemente em apropriação menor da renda.

A mídia por sua vez tem destinado à mulher o papel de mera consumidora, querendo que acreditemos ser este o seu mais importante atributo para que se torne moderna. Todavia, não se pode esquecer que não é pelo mero consumo que os novos direitos lhe serão garantidos, mas pela continuidade de uma luta sem trégua iniciada bem mais atrás (há exatamente 154 anos) e que o modelo econômico atual se utiliza de todos os meios para impedir que ocorra a associação entre um fato  e outro, tendo em vista dificultar a elevação do seu nível de consciência política.

Por mais que se diga que o presente é o que nos interessa, ou que devemos achar que sempre foi desta maneira, não podemos de modo algum esquecer que os itens da pauta de reivindicações das mulheres apresentadas ao longo de todo o século XX, ou mesmo antes desse período, muitos deles permanecem na ordem do dia, sejam porque ainda não se concretizaram, ou pelo fato de direitos já assegurados estarem sendo sutilmente eliminados, ou mesmo trocados por futilidades consumistas que são  habilmente apresentadas à sociedade como as mais relevantes conquistas obtidas pelas mulheres”.

Por José Raimundo de Oliveira
O autor, formado em Historia e pós-graduado em Sociologia, é pesquisador e ativista sindical.

Artigo publicado no jornal ENFIM que circula quinzenalmente na região do ABC Paulista