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Nenhuma luta está definida


De São Paulo

O historiador Rachid Khalidi, americano de origem palestina e professor da Universidade Columbia, procura manter uma posição prudente diante dos eventos que agitam os países árabes. Para Khalidi, “nenhuma dessas lutas está definida”, porque os países da África do Norte e do Oriente Médio, apesar de possuírem sociedades complexas e atuantes, sofrem com fortes tendências autoritárias.

Ao mesmo tempo, a ausência de palavras de ordem religiosas demonstra que as demandas dos manifestantes são de fato de natureza democrática e econômica, sem interferência do fundamentalismo islâmico, como temem membros dos governos israelense e americano. Ainda assim, a revolução em série no mundo árabe traria mudanças significativas no equilíbrio geopolítico local.

Valor: Pode-se dizer que a era das ditaduras árabes ficou para trás?

Rachid Khalidi: Na Tunísia, a possibilidade de uma mudança de regime é clara e presente. Sobre o Egito, uma coisa é certa: uma barreira de medo imposta pelo regime foi derrubada definitivamente. O antigo regime de ditaduras ainda tem muito vigor para resistir. O melhor é dizer que nenhuma dessas lutas está definida.

Valor: É justificada a expectativa de que as reformas se espalhem?

Khalidi: Cada país tem sua especificidade. O Líbano, por exemplo, tem um sistema sectário, no qual os cargos são distribuídos segundo a religião de maneira rígida, mas não se pode negar que é uma democracia parlamentar com uma imprensa livre. A Síria é uma ditadura autocrática. A Tunísia é um país dotado de uma classe média vasta, uma sociedade civil ativa e um movimento sindical poderoso. O Iêmen é muito pobre, menos centralizado e organizado. Mas é evidente que existe uma esfera pública árabe onde tem havido uma ressonância significativa dos eventos, das palavras de ordem e dos métodos, de um país para os outros.

Valor: Até que ponto se pode dizer que a internet sustenta o movimento? O que mais está por trás da sublevação dos árabes?

Khalidi: O que está ocorrendo é o resultado de frustrações abafadas há muito tempo, resultado de regimes ditatoriais, o bloqueio de outros vetores de expressão política e a destruição sistemática de movimentos oposicionistas. Novas mídias e a televisão por satélite estão exercendo um papel fundamental, particularmente a internet. Mas um elemento importante são os jovens ativistas, que sabem usar seu domínio técnico politicamente.

Valor: O governo americano demorou a admitir a ideia de uma “transição” de regime no Egito. A ditadura de Mubarak é tão fundamental assim para os interesses americanos?

Khalidi: A queda de Mubarak seria um golpe duro na política externa americana. Os EUA sempre apoiaram regimes repressivos no mundo árabe, incorporando o argumento de que são a única alternativa ao terrorismo islâmico. Só agora vemos como essa aposta estava equivocada. Não apenas se as revoluções se espalharem, mas na verdade se, eventualmente, elas conduzirem ao estabelecimento de regimes democráticos estáveis, que reflitam os desejos da população, certamente podemos esperar mudanças importantes na relação com os EUA e Israel, em comparação com os dias de subserviência de regimes sem nenhum apoio popular ou legitimidade doméstica, muitos dos quais dependiam dos EUA para sua proteção.

Valor: Que tipo de estrutura política pode se estabelecer nesses países?

Khalidi: É impossível saber. Existem aspirações e tradições democráticas, parlamentares e constitucionais profundas em muitos países da região, como o Egito, a Síria, a Tunísia e o Líbano, com raízes que datam do fim do século XIX. Não há como estimar se essas aspirações podem prevalecer contra as tendências autoritárias fortíssimas em todo o Oriente Médio, além das pressões para manter o status quo, vindas de potências externas, como os EUA, a Arábia Saudita e Israel. Devemos manter em mente como essas situações históricas são invariavelmente imprevisíveis.

Valor: A religião parece ausente dos protestos.

Khalidi: Por enquanto, temas religiosos praticamente não têm aparecido. Palavras de ordem religiosas, por exemplo, estão completamente ausentes. Democracia, justiça social, reformas constitucionais e o fim da corrupção são tudo que qualquer um parece pedir, pelo menos a esta altura. (DV)