Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos

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2º Seminário Internacional sobre Pesquisas de Uso do Tempo

Nos dias 09 e 10 de Setembro de 2010 aconteceu, na sede do IBGE na cidade do Rio de Janeiro, o “II Seminário Internacional sobre Pesquisas de Uso do Tempo – Aspectos Metodológicos e Experiências Internacionais”, promovido pelas seguintes organizações:

  • IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), representado pelo seu Presidente, Eduardo Nunes
  • OIT-Brasil (Organização Internacional do Trabalho), representada por Márcia Vasconcelos
  • IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), representado pelo Diretor de Estudos e Políticas Sociais, Jorge Abrahão
  • UNIFEM (Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher), representado por Rebecca Tavares
  • SPM (Secretaria de Políticas para as Mulheres), representada pela Ministra Nilcéa Freire.

O Seminário teve como objetivo discutir a questão do uso do tempo, procurando enfatizar aspectos relativos à noção de tempo nos dias atuais. Com esse pano de fundo, foram abordadas as seguintes questões:

(1) entender as desigualdades sociais (especialmente as de gênero e étnicas) a partir de pesquisas sobre o assunto;  

(2) identificar como funcionam as atividades do dia-a-dia que normalmente não são abordadas em pesquisas, como a dinâmica familiar, as relações de gênero, as formas de trabalho não-remuneradas, chamando a atenção para as categorias de trabalho produtivo e trabalho reprodutivo, as atividades de lazer e esportivas, tempo de deslocamentos, acessibilidade, etc.

Obs.: trabalho produtivo é aquele que é desenvolvido em troca de uma recompensa, geralmente salário. Ou seja, na sociedade moderna capitalista, a contrapartida é monetária, uma vez que os salários são pagos em dinheiro. O trabalho reprodutivo, por sua vez, “não é remunerado, não há contrapartida salarial. São serviços realizados, majoritariamente, por mulheres e, por não gerar renda, pois não há remuneração para ele, tem contribuído para reforçar a subestimação das atividades por elas realizadas na sociedade. Toda mulher, independente de seu nível de escolaridade ou até mesmo da renda, tem uma carga pesada na execução desses trabalhos”, que tratam dos afazeres domésticos, dos cuidados com os filhos, com os idosos da família etc.

(3) subsidiar informações para futuras políticas públicas que ofereçam melhores condições de trabalho, saúde e bem-estar social.

Uma pesquisa-piloto sobre o uso do tempo no Brasil está sendo realizada pelo IBGE, utilizando dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD. Essa pesquisa orientou a pauta principal que conduziu as discussões sobre as novas abordagens metodológicas, alertando para os desafios que é entender como se usa o tempo nas sociedades contemporâneas, nas perspectivas familiar, do mercado de trabalho, do lazer, da saúde, educação, etc.

Conferência de Abertura:  O Tempo nas Sociedades Modernas   

Palestrante: Maria Angeles Durán, professora de Pesquisa do Instituto de Economia, Geografia e Demografia do Centro de Ciências Humanas e Sociais – Espanha

A palestra procurou salientar a necessidade de se utilizar novas formas de abordagens metodológicas acerca da noção de tempo. Para Maria Angeles Durán o tempo não deve ser pensado e utilizado apenas em sua forma mais comum – a cronológica, como uma simples sucessão de acontecimentos. Deve ser pensado na forma de tempo vivido, ou seja, como se utiliza o tempo das mais diversas maneiras no cotidiano das sociedades contemporâneas.

Mas, o que são as sociedades contemporâneas? São as que estão localizadas num mesmo tempo histórico ou as que vivem com o mesmo sentido de tempo? O tempo moderno e urbano, apesar de predominante na contemporaneidade, não é a única forma de vivência dos indivíduos. As diversas configurações regionais do Brasil, com suas desigualdades e diversidades tanto econômicas quanto culturais, ilustram muito bem como a questão da percepção do tempo e sua utilização acompanham essas diferenças. Durán afirma que é preciso atentar ao tempo e seus usos como formas de revelação social, uma vez que é possível entender certos comportamentos sociais a partir do conhecimento de como determinada sociedade percebe e utiliza o tempo.

Distintas Aplicações das Pesquisas de Uso do Tempo   

Saúde

Estela Aquino, da Universidade Federal da Bahia – UFBA, apresentou algumas questões relacionadas ao uso do tempo na área da Saúde. Coordenadora do Programa Integrado em Gênero e Saúde (MUSA) da UFBA, Aquino salientou a necessidade de se pensar a relação do tempo despendido no trabalho e seus reflexos na condição geral de saúde dos indivíduos. As longas jornadas e o estresse decorrido desse processo levam a diversos problemas de saúde. Ela acrescenta que, apesar desse fato ser evidente, quase nunca percebe-se que, quando surgem problemas de saúde, há uma medicalização muitas vezes excessiva e desnecessária dos indivíduos,  apenas compensatória – a raiz da questão está no fato de que as pessoas gastam muito tempo trabalhando e pouco tempo realizando atividades de lazer, saúde mental e bem-estar. Aquino defende o ponto de vista de que se deve atentar para a medicalização exagerada e enganosa na questão dos efeitos do trabalho na saúde mental dos indivíduos.

Trabalho  –  Empregadas domésticas

Maria Betânia Ávila (SOS Corpo – Pernambuco) trouxe a temática do tempo do trabalho das empregadas domésticas. A maior categoria de trabalhadoras (es) vem, há anos, lutando, não apenas por uma redução da jornada de trabalho mas, também, pela própria regulamentação da mesma, já que essa questão é pouco definida e discutida na maioria dos empregos desta área. Este tipo de emprego, quase que na totalidade desempenhado por mulheres, possui uma dinâmica muito distinta. Para Maria Betânia, a jornada de trabalho das domésticas é “longa, intensiva, extensiva e intermitente”. Em especial quando certas empregadas dormem em seus empregos, a relação de disponibilidade para com seus patrões é quase permanente – são desapropriadas do uso de seu próprio tempo (numa lógica em que o trabalho reprodutivo, o realizado em suas casas, acaba por ser submetido às lógicas e ao tempo do trabalho produtivo, o realizado na casas do (a) patrão/patroa), pois possuem uma jornada difusa e, em geral, com horários pouco regulamentados oficialmente. As próprias atividades de lazer – e esta situação é análoga a outras formas de emprego – acabam sendo associadas às dinâmicas do trabalho produtivo, pois o lazer acaba sendo o mero descanso de “retomar as energias” para o próximo dia de trabalho.

Desigualdade de gênero                                                 

Neuma Aguiar, da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG,  realizou uma pesquisa sobre o uso do tempo em Belo Horizonte, relacionando esta questão com a divisão sexual do trabalho, destacando os problemas que acercam a mulher casada. A principal preocupação da pesquisa, diante do crescente aumento do número de mulheres no mercado de trabalho, foi investigar como se distribui o tempo entre as atividades produtivas  reprodutivas (trabalho doméstico).  Na esteira dessa primeira questão, outras se seguiram: Há uma participação maior dos homens? Há a presença de outros membros da família auxiliando nesta tarefa? De que forma a estratificação social afeta a vida de homens e mulheres entre o trabalho remunerado e o não-remunerado (doméstico)?

 A conclusão que chega Neuma Aguiar é que o trabalho não-remunerado, ou seja, o doméstico e de cuidados em geral, acaba totalmente destituído de valor, e se torna de certa forma “invisível” nas sociedades capitalistas. Desse processo decorre uma profunda desigualdade de gênero, pois as mulheres, principais responsáveis por este trabalho não-remunerado, encontram pouco espaço nos modelos comuns de estratificação social, que só levam em conta as formas de trabalho enquanto produção para o mercado.

A conciliação entre trabalho e família é um assunto pouco abordado em pesquisas, e o custo de uma dupla jornada de trabalho para as mulheres (entre trabalho produtivo e trabalho reprodutivo) é bastante alto, conferindo às mulheres pouco progresso social.

Sandra Ribeiro, da Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego – Portugal, também trouxe a questão de se utilizar as pesquisas de uso do tempo para identificar trajetórias de vida e refletir sobre a persistência de desigualdades sociais das vidas de mulheres, dos homens e das famílias. O tempo despendido, quase que exclusivamente pelas mulheres, para o trabalho doméstico continua sendo ignorado pelas estatísticas oficiais e, portanto, não é visualizado como um fator explicativo do porque da posição inferior das mulheres, em relação aos homens, no mercado de trabalho remunerado.

Em uma pesquisa realizada em 1999 pelo INE (Instituto Nacional de Estatística) de Portugal, constatou-se que a participação masculina nas atividades domésticas revela-se sempre inferior, inexistente ou apenas pontual com relação à participação feminina. Apesar de essa pesquisa ser pouco recente, sabe-se que hoje tais condições pouco ou nada mudaram no que concerne à vida familiar cotidiana.

Um dos questionamentos da pesquisa, denominado de “tempo dedicado à vida familiar”, demonstrou nos resultados coletados que, em média, no período de um dia, os homens gastam cerca de 1 hora e 54 minutos em atividades tidas como “da vida familiar”, enquanto que as mulheres gastam cerca de 5 horas nas mesmas atividades. A desigualdade, portanto, é de 3 horas e 06 minutos de trabalho familiar a mais para as mulheres.

Sobre o “acompanhamento das crianças na vida escolar”, em média os homens gastam cerca de 21% do seu tempo com o acompanhamento de seus filhos na vida escolar, enquanto que as mulheres gastam cerca de 79% de  tempo nas mesmas atividades. A desigualdade, portanto, é de 58% de tempo gasto a mais para as mulheres.

Sobre a “ausência de participação (nunca participam) nas tarefas domésticas”, a pesquisa demonstra que, em atividades domésticas comuns, como preparo de refeições, limpeza da casa e tratamento de roupas, os homens têm uma grande ausência de participação ou até mesmo nunca participam de tais atividades (quase metade, 48,9% dos pesquisados, nunca prepararam refeições; 71,5% nunca limparam a casa, e 83,4% nunca trataram as roupas), enquanto que para as mulheres os níveis de “nunca participam” das mesmas atividades relatadas são baixíssimos. A desigualdade, portanto, é evidente e revela que as mulheres continuam sendo, em quase todo o tempo, as únicas responsáveis pelas atividades domésticas.

Jornadas de trabalho e Gênero

Jon Messenger, da Organização Internacional do Trabalho – OIT,  apresentou um estudo que gerou um banco de dados (Database of Conditions of Work and Employment Laws) com informações de mais de 100 países, em todo o mundo, sobre condições de trabalho em geral: jornadas, horas pagas, empregos formais e informais, comparativos de gênero, etc.

O estudo confirma que a jornada de 40 horas é o padrão dominante na maioria dos países pesquisados. Porém, há algumas desigualdades, como é o caso da América Latina e algumas regiões da Ásia, onde a jornada de 48 horas ou mais é dominante. Através de pesquisas realizadas pela OIT em 2004-2005, foi explicitada a situação de alguns países no quesito de trabalhadores remunerados em jornadas excessivamente longas (mais de 48 horas por semana), assim como os de jornadas curtas (menos de 35 horas).

A maior proporção de trabalhadores remunerados que possuem “jornadas de trabalho excessivas”, ou seja, que estão trabalhando mais de 48 horas por semana, encontra-se em países como Peru, Coréia, Tailândia, Paquistão e Etiópia. No Brasil, o percentual de trabalhadores em situação de jornadas excessivamente longas encontra-se próxima dos 20%.

A maior proporção de trabalhadores remunerados que possuem “jornadas de trabalho curtas”, ou seja, que estão trabalhando menos de 35 horas por semana, encontra-se na Holanda (cerca de 40% dos trabalhadores). No Brasil, o percentual de trabalhadores em situação de jornadas curtas encontra-se numa posição intermediária com relação aos outros países pesquisados, próximo dos 15%.

Evidentemente, no quesito trabalho remunerado, se for realizada uma divisão por gênero, os homens predominam em jornadas mais longas de trabalho em todos os países pesquisados, e as mulheres em jornadas mais curtas. Jon Messenger defende que tais ocorrências se explicam justamente pelo fato de as mulheres, geralmente, se responsabilizarem pelo trabalho não-remunerado (doméstico), possuindo pouco tempo para atividades remuneradas.

Na comparação das proporções entre homens e mulheres que têm jornada excessiva de trabalho (acima de 48 horas por semana), somente na Etiópia a proporção de homens e mulheres que trabalham em jornadas excessivamente longas são as mesmas. Nos demais países a proporção de homens que cumprem jornada de trabalho excessiva é maior que a proporção de mulheres. No Brasil, cerca de 23% dos homens contra 18% das mulheres estão nessa condição.

Na avaliação da proporção de homens e mulheres trabalhando em jornadas curtas (menos de 35 por semana) em vários países, a situação é inversa à anterior. Somente na Tailândia as proporções são as mesmas; nos demais países, o percentual de mulheres com jornadas curtas de trabalho é maior que o percentual masculino. No Brasil, aproximadamente 25% das mulheres estão em jornadas curtas contra 8% de homens.

A partir de dados (PNAD/IBGE 2008) sobre o número de horas trabalhadas semanalmente no Brasil, incluindo todas as formas de trabalho, remunerado; não-remunerado, divididos por gênero, pôde-se observar que em média, por semana, os homens trabalham mais do que as mulheres em trabalhos remunerados, e as mulheres, bem mais que os homens em trabalhos não-remunerados. Entretanto, unindo as duas formas de trabalho, as mulheres permanecem em jornadas de trabalho totais mais longas do que os homens. Trata-se, aqui, da conhecida dupla jornada de trabalho feminina, que é a soma da jornada produtiva com a reprodutiva.

Considerações finais

O “2º Seminário Internacional sobre Pesquisas de Uso do Tempo – Aspectos Metodológicos e Experiências Internacionais”, trouxe importantes elementos para as discussões sobre como a noção e a percepção do uso do tempo são importantes para entendermos as configurações da sociedade contemporânea e permitir a criação de alternativas que promovam maior bem-estar e menos desigualdades sociais, incluindo gênero e etnia.

A noção de tempo necessita ser desnaturalizada, isto é, deixar de ter referências apenas em datas e horários, ligada sempre ao conceito cronológico das sociedades urbanas e modernas, submetidas à lógica da produção capitalista. É necessário trazer o tempo como a noção de “tempo social” – uma forma de ordenação da vida, que se modifica de acordo com os sujeitos – que são vários – implicados no processo.

Ao entender o uso do tempo como uma possibilidade de revelação social, é possível abrir um espaço, até hoje pouco enfatizado, para a reflexão de que a noção do trabalho não é apenas como em sua forma capitalista, ou seja, produção para o mercado, mas também, é o trabalho não-remunerado e reprodutivo, que está sempre presente em nosso cotidiano, nas formas de trabalho doméstico e de cuidados pessoais.

Mais do que isso, é preciso desassociar a idéia do trabalho reprodutivo e da utilização do tempo cotidiano como formas submissas às normas do trabalho produtivo característico do sistema capitalista.

Colaboração Airton Gustavo dos Santos
Dieese/Força Sindical