RIO – Depois de fazer jogo duro com as siderúrgicas chinesas exigindo um aumento extra de 12% para o minério de ferro ainda em 2008, a Vale teve de recuar ante a forte resistência dos seus maiores consumidores de minério de ferro. Ontem, em conferência para analistas no Vale Day, na Bolsa de Nova York, Roger Agnelli, presidente executivo da companhia, confirmou ter desistido de impor um reajuste adicional aos clientes da China, preferindo adiar a questão para 2009. Ele negou notícia que circulou no mercado que a Vale havia concordado em pagar o frete para alguns clientes chineses.
A revelação da Vale de ter voltado atrás no seu pleito pelo reajuste de preço foi feita por Agnelli algumas horas depois de Xu Lejiang, chairman da gigante chinesa do aço Baosteel ter indicado que a mineradora brasileira mudou sua conduta. O ajuste de 12% negociado pela Vale com seus compradores asiáticos, a partir de agosto, foi aceito por siderúrgicas do Japão e Coréia, o que motivou a empresa a querer dobrar a resistência das chinesas, às quais venderia este ano 100 milhões de toneladas. Até setembro, os chineses responderam por 32% da receita de minério da Vale.
Na avaliação de uma fonte do setor de mineração, este parece ter sido um erro comercial da maior mineradora do mundo com seu maior cliente, ao insistir num aumento de preço do minério num momento em que os preços dos produtos siderúrgicos estão desabando. Um executivo de uma rival da Vale disse que ela tinha destruído seu relacionamento com os mais importantes consumidores de minério da China por nada.
Agnelli, durante a entrevista na NYSE, não demonstrou preocupação de estar sendo retaliado pelos chineses. Ao contrário, chegou a declarar que apesar dos desentendimentos, a Vale ” ama os chineses ” e os chineses ” amam a Vale, sem dúvida ” . ” Eles gostam de desabafar, mas negócios são negócios ” , declarou. Conforme Agnelli, o descontentamento dos chineses não é direcionado à Vale, mas a qualquer mineradora australiana, indiana ou brasileira que forneça minério ao país. ” Tem muita fofoca e muita bagunça, mas não é um momento para sermos agressivos ” , disse.
Ele apontou na entrevista que o maior problema do mercado de minério de ferro hoje é relativo a demanda que a preço. ” Alguns mercados estão completamente parados, sem negócios ” , disse, sem mencionar a China, que em conversas anteriores com jornalistas afirmou que mantinha ” montanhas de minério nos seus portos ” . Agnelli reconheceu, porém, que apesar de não estar no mesmo barco que outras empresas, a Vale está ” no mesmo rio e indo para a mesma direção ” . Para ele, a crise é muito mais grave do que se supunha em julho. ” A percepção e o dia-a-dia do mercado estão mostrando que a crise é muito maior do que se esperava há três meses ” .
Por reconhecer que o cenário está muito mais para urso, do que para touro, Agnelli previu que as negociações de preço do minério para 2009, que normalmente se iniciam em novembro, ficarão para o próximo ano. Ele é a favor da prática do benchmark (entendimento direto entre fornecedores e consumidores) para fixar o aumento de preço anual do minério que vigora nos contratos de longo prazo, mas respondeu que ” a Vale não tem dogmas ” ao ser perguntado sobre a possibilidade de mudanças nas regras deste jogo, como já ocorreu em 2008.
Relatório da Goldman Sachs sobre a Vale, de ontem, manteve a previsão de redução de 15% para o reajuste dos preços em 2009 negociado pelas três gigantes do setor: Vale, BHPBilliton e Rio Tinto. Marcelo Aguiar, analista do banco, estima que em 2009 a Vale terá que fazer um corte expressivo de 43 milhões de toneladas no volume a ser embarcado, porque a indústria do aço deverá reduzir sua produção acima dos 20% anunciados. O corte nas vendas da Vale calculado pelo Goldman Sachs é bem maior do que a redução da produção de 30 milhões de toneladas anunciada pela companhia a ser feita até o final deste ano.
Até agora, as concorrentes da Vale no mercado transoceânico de minério – Rio Tinto e BHP Billiton – não anunciaram nenhum corte na produção de minério de ferro. ” Nós não estamos cortando produção. Estamos olhando o longo prazo e planejando expansões ” , disse um porta-voz da BHPBilliton. A Rio Tinto não comentou nada sobre o assunto, mas já anunciou revisão em seus planos de expansão em commodities focando a desaceleração da economia global.
(Vera Saavedra Durão | Valor Econômico)