Empresa teria praticado crimes ambientais na construção de uma ponte para escoamento da produção
Alexandre Rodrigues e Felipe Werneck
Maior investimento do grupo ThyssenKrupp fora da Alemanha ( 4,5 bilhões), a Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), em Santa Cruz, zona oeste do Rio, é alvo de inquérito civil do Ministério Público Federal (MPF), que investiga acusações de crimes ambientais e aponta irregularidades na construção de uma ponte de 3,8 km na Baía de Sepetiba. As obras devem ser visitadas hoje pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Um dos pontos mais ambiciosos do projeto, a ponte ligará a usina ao terminal portuário da empresa para escoar a produção de aço para o exterior. Durante investigação sobre a destruição de pelo menos sete hectares de manguezal, mais do que o triplo do que fora licenciado, o MPF descobriu que a ponte começou a ser construída sem autorização da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), exigência legal por se tratar de terreno de marinha e do mar territorial.
A SPU ainda examinava o pedido da CSA de cessão de uso para o píer e a ponte do terminal, quando verificou, em março de 2008, que quase 70% já estavam prontos. A obra foi embargada, mas a CSA conseguiu suspender a decisão na Justiça, argumentando ter autorização da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). No entanto, o documento condiciona a autorização à manifestação da SPU. “Antes mesmo da apreciação do pedido de cessão, a construção encontrava-se em fase final”, diz relatório da SPU, que sustenta que “a competência da Antaq não se confunde com a prerrogativa de gestão inerente ao proprietário dessas mesmas águas, no caso, a União.”
O diretor de Destinação da SPU, Luciano Roda, confirma que a ponte avançou sem autorização e permanece em situação irregular. Ele admite que, legalmente, a SPU poderia até decidir pela demolição, mas diz que há “todas as condições” para a regularização. Segundo Roda, a decisão depende do fim do processo judicial, que envolve o pagamento de multa de cerca de R$ 2 milhões . “Teoricamente, não poderiam ter construído a ponte. A autorização da Antaq dava a entender que a empresa podia construir, mas uma coisa é a operação do transporte e outra é o direito de uso”, disse.
Para o MPF, o processo na Justiça trata do embargo, e não da cessão. Os procuradores apontam a confusão como mais um exemplo de troca de atribuições no caso da CSA. O principal questionamento é a transferência do licenciamento ambiental do governo federal para o Estado do Rio.
Com 70 volumes, o inquérito reúne laudos e autos de infração. Em relatório do Ibama de 2006, técnicos criticaram a decisão do órgão de delegar o licenciamento ao governo do Rio sem a análise técnica dos estudos de impacto ambiental. Eles apontaram no caso uma “celeridade pouco vista no andamento de processos dessa natureza”.
A subsecretária estadual do Ambiente, Elizabeth Lima, defendeu que o licenciamento seja estadual e argumentou que todo processo precisa de pequenas correções. “Não existe disputa de competência. Até porque o ministro atual (Carlos Minc) saiu da secretaria. Trabalhamos integrados”, disse Elizabeth, para quem os questionamentos do MPF “estão superados”. “Seria ingênuo dizer que não há potencial portuário na região. Vamos compatibilizar e conciliar ao máximo interesses econômicos com preservação do meio ambiente.”
LICENÇAS NECESSÁRIAS
Em nota, a CSA informou que possui todas as licenças das autoridades competentes para a obra. “As obras não estão em situação irregular e contam com as licenças necessárias.” Para a empresa, a autorização da Antaq era suficiente para a construção da ponte. “Decisão judicial concedida dois dias após o embargo confirmou tal interpretação sobre a competência da Antaq, permitindo a retomada das obras”. A empresa admite que excedeu o corte de vegetação licenciado, mas alega que avisou às autoridades e desenvolveu um programa de reflorestamento local e medidas de compensação.
Cronograma já foi revisto duas vezes
Custo total do projeto passou de 3,5 bilhões para 4,5 bilhões
Daniele Carvalho
A Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), que deve receber hoje a segunda visita do presidente Lula, teve o projeto atropelado pelo agravamento da crise internacional. Parceria entre a Vale (10%) e a alemã ThyssenKrupp (90%), o empreendimento teve seu memorando de entendimento assinado no final de 2004. Na época, o setor siderúrgico dava sinais de um ciclo vigoroso de expansão.
O cronograma inicial divulgado pelos sócios da empresa era de que a CSA entraria em operação ainda no primeiro trimestre de 2009. Mesmo antes da piora da do cenário econômico-financeiro internacional, a empresa reviu a data, em maio do ano passado, adiando a inauguração para julho deste ano.
Uma segunda alteração de datas ocorreu em agosto de 2008, quando a empresa reviu para dezembro deste ano o embarque do primeiro lote de placas da CSA. Apesar das duas postergações, a empresa argumenta que a alteração do cronograma não tem relação com a crise. A justificativa é escassez de máquinas e equipamentos durante o período de obras, principalmente no início de 2008, quando o mercado fornecedor estava superaquecido. Um longo período de chuvas no Rio de Janeiro também é apontado como fator de atraso.
Junto com a alteração de datas, houve revisão para cima do orçamento do projeto. Até agosto do ano passado, o custo final era estimado entre 3,5 bilhões e 3,7 bilhões. A mesma dificuldade de encontrar máquinas e equipamentos também é a justificativa da CSA para o encarecimento do projeto, que passou para 4,5 bilhões.
Para o mercado, no entanto, os sócios da siderúrgica tentaram postergar as operações na esperança de que a demanda internacional ficasse um pouco menos deprimida. De acordo com dados do International Iron and Steel Institute (IISI), associação que reúne produtores de aço, o uso da capacidade instalada no primeiro trimestre ficou em apenas 50%. “Se a siderúrgica tivesse entrado em operação nesse período, sem dúvida teria encontrado um cenário de preços muito baixos. Hoje, a expectativa é de que haja uma retomada a partir do final do segundo semestre”, avalia o analista de siderurgia da SLW Corretora, Pedro Galdi.
Com capacidade de produzir 5 milhões de placas de aço por ano, a CSA deve atingir plena carga até o final de 2010. Toda a produção será destinada à exportação, sendo a maior parte embarcada para uma unidade da ThyssenKrupp no Alabama (EUA). “Mesmo que o mercado siderúrgico comece uma retomada, dificilmente a CSA deve usar toda a sua capacidade já no ano que vem ou, até mesmo, em 2011”, acrescenta um analista que não quis de identificar.