Edna Simão, Lucas Marchesini e Juliano Basile
De Brasília
Valor Econômico
O governo federal está travando uma batalha na Justiça para evitar que milhares de ações levem a Caixa Econômica Federal a reajustar em até R$ 160 bilhões os valores depositados nas contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Trata-se de um dos maiores “esqueletos” que já ameaçaram o banco desde a decisão que determinou a correção dos saldos nos planos econômicos, em 2000.
Ao todo, mais de 20 mil ações já foram propostas no Judiciário pedindo que as contas do FGTS sejam corrigidas pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), e não, como é feito, pela Taxa Referencial (TR). Esse movimento foi iniciado por sindicatos e escritórios de advocacia e ganhou força a partir de 13 de março de 2013, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que os precatórios devem ser corrigidos em valores que reponham as perdas da inflação.
Na ocasião, 8 dos 11 ministros do Supremo declararam inconstitucional o sistema de correção monetária de precatórios pelo qual os valores são corrigidos pelo índice da caderneta de poupança. O STF ainda não definiu um novo índice de correção e deverá fazê-lo quando retomar o julgamento sobre o parcelamento de precatórios, que foi interrompido, em outubro passado, por pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso.
Os autores de milhares de ações pedindo a correção das contas do FGTS alegam que o princípio é o mesmo: a necessidade de que as correções sejam feitas em índices que reponham as perdas da inflação. Eles também querem levar a questão ao STF, onde acreditam que são maiores as possibilidades de garantir o direito à atualização a maior das contas do fundo.
“Sabemos que é difícil um juiz de 1ª ou de 2ª instância dar ganho de causa [para o trabalhador], porque o rombo seria gigante”, afirmou Mario Avelino, presidente do Instituto FGTS Fácil, ONG que monitora o fundo. “Só em 2013, o governo deixou de creditar R$ 30 bilhões no FGTS”, estimou. O objetivo da entidade é levar o caso ao STF. Para isso, basta que uma das 20 mil ações chegue ao Supremo.
O FGTS Fácil calculou que a correção de todas as contas do FGTS pode custar até R$ 160 bilhões ao governo federal. Consultado, um técnico da Caixa avaliou que o impacto financeiro dificilmente atingiria esse patamar. Admitiu, no entanto, que o rombo pode ultrapassar facilmente os R$ 40 bilhões pagos parceladamente aos trabalhadores para ressarcimento dos saldos do FGTS pelas perdas inflacionárias causadas nos planos econômicos editados entre as décadas de 80 e 90.
Naquele caso, o STF decidiu, em 2000, que a correção era devida em alguns planos e fez com que a Caixa tivesse que criar um programa de parcelamento para pagar os correntistas do fundo. A cobrança adicional de 10% paga por empresas ao FGTS em demissões sem justa causa foi criada para pagar os R$ 40 bilhões decorrentes daquela decisão do STF.
Agora, a Caixa teme que um rombo semelhante se repita e está acompanhando de perto as decisões do Judiciário. Até aqui, não houve prejuízo à Caixa em 860 ações de um total de 8.000 processos judiciais que foram concluídos sobre o assunto.
Um técnico do banco informou que os juízes que já decidiram a questão concluíram que o entendimento dado pelo STF para a correção dos precatórios não deve ser utilizado nos casos sobre o FGTS por serem “de natureza diferente”. Esse balanço sobre os processos judiciais foi repassado pela Caixa aos representantes do Conselho Curador do FGTS.
O movimento de ações na Justiça foi encabeçado pela Força Sindical, que contesta o uso da TR como corretor das aplicações no FGTS, pois o rendimento é menor do que a inflação. Segundo a Força, já há mais de 600 ações coletivas questionando o uso da TR na correção da FGTS em 1ª e 2ª instância. “A adesão nos processos é grande”, disse ao Valor, o presidente da entidade, Miguel Torres.
Mas a questão não é ponto pacífico entre todas as centrais. A maior entidade sindical do Brasil, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), ligada ao governo federal, repassou a questão para os filiados. De acordo com a assessoria de imprensa da CUT, “a orientação é que cada sindicato faça estudo de sua categoria”.
Além dos sindicatos, escritórios de advocacia estão entrando com milhares de ações coletivas para rever o índice de correção das contas do FGTS. Segundo o advogado previdenciário Guilherme de Carvalho, é possível cobrar o reajuste pelo INPC desde 1999, quando a correção passou a ser feita pela TR.
Segundo Carvalho, quem tinha R$ 1.000 de FGTS, em 1999, hoje tem R$ 1.340,47 na correção pela TR. Já pelo INPC, o saldo seria de R$ 2.586,44. É essa diferença que está sendo cobrada na Justiça e ela seria cabível, segundo o advogado, até para quem sacou os valores do FGTS, assim como os herdeiros de pessoas que morreram e deixaram o saldo do fundo como herança.
A Caixa informou que a correção pela TR está prevista em lei e, por isso, foi aplicada a partir de 1999. “O uso da TR se vale de dado apurado e divulgado pela autoridade monetária, ou seja, pelo Banco Central. Dessa forma, o banco vem conseguindo, na Justiça, ganho de mérito em todas as ações já julgadas que versam sobre o tema em questão”, disse o banco.
Segundo a Caixa, a eventual substituição da TR pelo INPC exigiria uma alteração do valor cobrado junto aos mutuários da casa própria que detêm financiamentos através do FGTS. Ou seja, a taxa de juros incidentes poderia aumentar. “De acordo com o artigo 9º, inciso 2º, da Lei nº 8.036/90, a substituição da TR por outro índice levará automaticamente à atribuição desses mesmos índices aos contratos firmados pelo FGTS, gerando impacto diretamente para as condições contratuais do financiado final da moradia, o mutuário do Sistema Financeiro da Habitação, e nos parâmetros dos encargos devidos pelos empregadores no recolhimento do Fundo de Garantia”, explicou a Caixa.
No caso dos precatórios, o STF derrubou a forma de correção a partir de um voto do ministro Carlos Ayres Britto, já aposentado. Ele calculou que, entre 1996 e 2000, a caderneta de poupança teve reajuste de 55,77% e foi utilizada para corrigir os precatórios. Já o IPCA chegou a 97% no período. A diferença foi criticada por outros integrantes do STF. O ministro Marco Aurélio Mello afirmou que a caderneta não fez a reposição do valor da moeda e Ricardo Lewandowski constatou que essa sistemática de correção está abaixo da inflação.
O STF ainda não definiu uma data para retomar o julgamento sobre qual índice deverá corrigir os precatórios em substituição à poupança. Mas, quando o caso entrar na pauta da Corte, é certo que não apenas empresas e advogados com valores em precatórios a receber estarão interessados na questão. Uma massa de sindicatos e escritórios de advocacia também vai acompanhar o caso para saber se a decisão pode levar a novo entendimento para os saldos nas contas do FGTS.