“Surpreendi uma discussão entre um fundamentalista religioso e um dirigente sindical. Quero destacar que o religioso nem mesmo distingue César de Deus, porque, para ele, feliz é a nação cujo Deus é o senhor.
A discussão, é óbvio, era sobre direitos, quem os tem e quais os seus alcances. O religioso afirmava os direitos mais que pétreos da Bíblia, direitos que seriam apenas a contrapartida de deveres impostos pela queda. Nisto ele se assemelhava a um RH de empresa medíocre, aquele que fala colaborador em lugar de empregado, mas regateia benefícios.
O dirigente sindical, terreno, procurava apoiar-se na Constituição e na CLT. Levou um banho de água fria.
– Como comparar a Bíblia a estes dois papeluchos? A Constituição, embora escrita “sob a proteção de Deus”, é obra humana, imperfeita e falível. Já foi modificada 90 vezes por meio de emendas. Deus, que fez o homem, ao refazê-lo, usou apenas um dilúvio quase definitivo. Quanto à CLT, obra humana por excelência (e o que é pior, obra humana que diz respeito ao trabalho e aos interesses materiais e que colhe as nozes e não vê a nogueira) como pode ser comparada à Bíblia? O que são os seus 70 anos comparados aos milênios bíblicos? Como comparar Deus, seu autor, a um suicida como Getúlio Vargas?
Depois desta atordoante cascata de religiosidade o dirigente sindical – cujo comportamento, diga-se de passagem, era de um verdadeiro ativista sindical – fez o que qualquer dirigente experimentado faria: buscou ainda alguma vantagem, procurou negociar alguma coisa.
– Então, levando-se em conta os seus fundamentos, as férias deveriam ser de, no mínimo, 50 dias por ano, porque Deus trabalhou seis dias e descansou no sétimo.
– Profano e impertinente! refutou o religioso: Quem como Deus?”
João Guilherme, consultor sindical