Foto de André Nojima
A última reunião do Copom elevou os juros básicos da economia em 0,75 pp. De 8,75% aa passou a 9,50% aa. O motivo desse aumento, depois de um longo período de queda, segundo o Bacen, é o excessivo aquecimento da economia e a consequente ameaça à estabilidade dos preços. Mesmo que a meta de inflação comporte intervalos de até 2,0 pp para cima ou para baixo, podendo, no limite superior, atingir 6,5% aa, as autoridades monetárias decidiram não correr riscos, optando, não só pela elevação dos juros, mas indicando que o movimento de alta das taxas deve prosseguir. A avaliação do mercado é a de que o ano se encerre com a Selic pagando juros em torno de 11,75% aa.
A discussão que se colocou logo após essa decisão foi sobre a conveniência ou não de tal medida. O aumento dos juros era realmente necessário? Parte dos analistas diz que sim outra parte diz que não. Os primeiros localizam nos aumentos de preços, ocorridos a partir do início deste ano, uma perigosa ameaça ao equilíbrio. Essa aceleração inflacionária deve-se, essencialmente, a um comportamento da demanda agregada incompatível com a capacidade produtiva do país. Para esses economistas há um descompasso entre a velocidade com que os investimentos acontecem e o aumento do consumo. Assim, a elevação da taxa de juros teria a função de estabilizar essas duas variáveis, consumo e investimento, de modo que o primeiro aumente de acordo com a capacidade produtiva do país, sem provocar pressões nos preços e nas transações correntes.
O segundo grupo de economistas argumenta que os aumentos de preços foram pontuais, devidos a sazonalidades e alterações climáticas, que prejudicaram e reduziram a oferta de alguns produtos agrícolas. Superadas essas dificuldades, os preços retornariam a patamares compatíveis com a meta de inflação. Outra razão contrária ao aumento de juros viria da dificuldade de se estimar o produto potencial da economia e que, portanto, o hiato de produto não seria uma ameaça imediata ao equilíbrio.
Elevações nas taxas de juros reduzem o consumo, mas retraem, também, os investimentos. Nesse sentido, medidas de restrição ao crédito seriam mais adequadas que aumentos de juros. Resta saber se o movimento dos juros visa somente estabilizar os preços ou, também, pretende atrair recursos externos que permitam financiar os déficits em conta corrente quer retornaram a partir de 2008. De outro lado, a abundância de crédito e o aumento da renda da população têm, sem dúvida, provocado expressivo aumento no consumo das famílias, repercutindo na redução, tanto do desemprego quanto da capacidade ociosa das empresas.
Depois de crescer 5,62%, em média, no biênio 2007/08, o PIB recuou 0,20% em 2009. A retomada mais intensa da atividade econômica, já no início deste ano, projeta um crescimento do Produto Interno em torno de 6,0%. A hipótese de esse percentual ser ultrapassado não pode ser descartada. O Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-BR) mostra que o País cresceu 9,85% no primeiro trimestre na comparação com o mesmo período do na o anterior. Essa intensificação da atividade causa preocupação nos responsáveis pela condução da economia, na medida em que a taxa de aumento dos investimentos situa-se abaixo daquela necessária para atender à elevação do consumo. Dois sintomas, decorrentes desse descompasso, aparecem nos preços e nas contas externas. De fato, as taxas de inflação nos primeiros meses de 2010 superaram aquelas ocorridas em 2009, qualquer que seja o período de comparação. De outro lado, o comportamento do setor externo, medido pelos resultados das contas-correntes, enfrenta déficits crescentes desde 2008, com sinais claros de que o volume dos saldos negativos em 2010 seja o dobro do ocorrido em 2009.
Se o aumento no nível geral de preços decorre de elevação de renda incompatível com a capacidade de o país produzir bens que atendam o crescimento da demanda, passa a haver um aumento das importações, que reduz os saldos comerciais, na medida em que as exportações não crescem na mesma proporção. A sobrevalorização cambial e a retração dos mercados internacionais no período pós-crise são as principais causas do encolhimento das exportações. A valorização cambial, que de certa forma, funciona como âncora dos preços internos e aumenta o poder de compra dos salários, é produto, menos dos resultados da Balança Comercial, que da arbitragem entre as taxas de juros internas e externas. Assim, a elevação da taxa Selic provoca retração da atividade econômica, freia o movimento ascendente dos preços e, simultaneamente, atrai capitais externos para aplicação em portfólio, aumentando a oferta interna de divisas estrangeiras que mantém o real valorizado.
No instante em que o COPOM dispara o gatilho dos juros, vários alvos não intencionais são atingidos. É um típico caso de fogo amigo. Embora haja redução na atividade econômica, o real se valoriza devido à maior entrada de capitais estrangeiros. O maior pode aquisitivo dos salários causa impacto positivo no mercado interno que, se aquecendo, compensa as perdas ocorridas no mercado externo. Essa lógica vigorou durante a crise financeira ocorrida a partir do final de 2008 e durante maior parte de 2009.
A valorização dos salários se dá, em primeiro lugar, a partir da manutenção de seu poder de compra (valor real do salário), possível em contextos de baixa inflação, que é o caso brasileiro. Parte de sua valorização é devida à apreciação cambial, que reduz o preço das importações, tanto de insumos quanto de bens de consumo finais. O salário mínimo, recebido por grande contingente de trabalhadores não qualificados e não organizados, se beneficia, também, de uma política exclusiva de reajustes que lhe garante aumentos acima da inflação.
Evidente que o consumo é potencializado por outros fatores, tais como: a facilidade na obtenção de crédito; a política de redistribuição de renda do governo, principalmente a Bolsa Família; o aumento da massa salarial causada pela redução do desemprego e o aumento real dos salários devido à atividade sindical e o aquecimento da economia.
O objetivo final daqueles que dirigem a economia é obter crescimento econômico com estabilidade nos preços, nas contas públicas e no setor externo, tudo isso com baixo desemprego. Esse é o grande desafio. O cenário econômico do Brasil em relação a essas variáveis não deixa de suscitar alguma preocupação. A inflação está aparentemente contida; as contas públicas apresentam relativo equilíbrio, com a relação dívida pública em patamares aceitáveis e independente do câmbio; o crescimento previsto para 2010 situa-se bem acima da média da última década e o desemprego apresenta-se em queda e abaixo da média dos últimos anos. A preocupação se localiza no setor externo.
A valorização cambial e o baixo desempenho de nossas exportações, sobretudo de manufaturados, tem pressionado o setor externo, com crescentes déficits em conta corrente. Por enquanto controlado e pouco expressivo em relação ao PIB, os resultados negativos no saldo em conta- correntes não deixam de ser um sinal importante quanto à saúde da economia. Deve-se considerar que movimentos no câmbio a favor de uma melhoria desses saldos irão impactar outras variáveis da economia, como preços, juros, atividade econômica e emprego.
Por outro lado, eventual desvalorização cambial deve favorecer as exportações e recuperar setores da indústria em dificuldades em decorrência do baixo custo de insumos, componentes e, mesmo, produtos finais importados que seccionam a cadeia produtiva e ´compromete a continuidade de alguns setores da indústria.
Por Airton Gustavo dos Santos
Economista técnico do DIEESE
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