Para entidade empresarial, pacote do governo não deve proteger demais a indústria nem desampará-la
DENYSE GODOY
DA REPORTAGEM LOCAL
GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA
Paulo Godoy, 54, desde junho de 2004 presidente da Abdib (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base), defende o pacote de socorro à manufatura nacional de máquinas que a administração Luiz Inácio Lula da Silva deve lançar nesta semana, mas ressalta que a entidade é contra “artificialismos” na economia. Na sua opinião, o governo federal precisa separar as dificuldades momentâneas de falhas congênitas para pensar em políticas setoriais específicas. Leia a seguir trechos da entrevista concedida por Godoy à Folha na sede da entidade, em São Paulo.
FOLHA – Desde sempre ouvimos o setor de máquinas reclamar da produção baixa e da concorrência com os importados, pedir incentivos e proteção ao governo. Essas demandas não escondem um problema de eficiência da indústria?
PAULO GODOY – A Abdib não defende nenhum tipo de “artificialismo” na economia, mas achamos que são preocupantes os casos específicos em que a importação de equipamentos contribui para destruir um parque nacional instalado. É de interesse nacional ter um equilíbrio no mercado. Não se pode simplesmente proteger segmentos desfavorecendo a atualização tecnológica. Entretanto, também não é correto que alguns países pratiquem determinadas políticas de exportação que resultem em concorrência desleal. É preciso analisar o que prejudica a competitividade dos produtos nacionais, analisar o que é conjuntural e o que é estrutural, e pensar em políticas setoriais.
FOLHA – Como esse pacote que o governo deve anunciar vai ajudar a indústria de máquinas?
GODOY – A primeira coisa que o empresário faz no limiar de uma crise é suspender os investimentos. Isso levaria a uma grande demissão no setor. Além da desaceleração da atividade econômica, o segmento também teve que enfrentar a concorrência chinesa. O governo, então, está decidindo promover algum tipo de intervenção para evitar a piora desse cenário. O que defendemos é o equilíbrio de que falei anteriormente. Querem mexer um pouco no crédito, o que é positivo. Baixar os juros do cartão do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que é usado pelas micro e pequenas empresas, é uma medida possível, bem como ampliar o seu limite. Esse é o tipo de coisa que não significa um favorecimento [indevido], trata-se apenas de corrigir uma distorção, que é o descasamento dos juros básicos das taxas aplicadas nos financiamentos.
FOLHA – O financiamento para as empresas de infraestrutura está se normalizando?
GODOY – Quase todas as medidas que defendemos de combate à crise dizem respeito ao financiamento. Está aí a chave para resolver o problema. Um dos pontos fundamentais é garantir fundos para o BNDES. Também começamos a nos debruçar sobre os fundos de investimento especializados em infraestrutura, que ainda estão engatinhando no Brasil. Precisamos criar mais estruturas para captar poupança interna e mecanismos que atraiam investidores estrangeiros. Se conseguirmos provar que possuímos um marco regulatório razoavelmente desenvolvido, acho que teremos êxito.
FOLHA – Que tipo de investidor poderia se interessar?
GODOY – Os institucionais, de longo prazo, como os fundos de pensão. Para os investidores locais, criam-se fundos de participação e vendem-se quotas. Quando começarem a pagar os dividendos e ficar claro que os projetos são rentáveis, fica pavimentado o caminho para o mercado secundário. Os bancos de varejo os incluirão na lista de fundos que oferecem aos seus clientes [pessoa física]. Chegando nesse ponto, acabou o problema.
FOLHA – E no longo prazo, como o país pode desenvolver a sua infraestrutura?
GODOY – Temos duas frentes importantes. Uma é a que diz respeito aos investimentos do poder público. A outra trata dos investimentos que são realizados por concessões e, eventualmente, parcerias, um modelo que está ainda engatinhando. Para restabelecer a capacidade do poder público de investir é preciso trabalhar na gestão dos recursos. No outro campo, é necessário defender o ambiente de negócios. É questão de ter marcos regulatórios estáveis, agências de regulação que funcionem com eficiência, modelos de concessão que contribuam para o desenvolvimento das atividades, legislação e tributos adequados.
FOLHA – Qual é a situação hoje?
GODOY – A nossa infraestrutura deficitária é um grande desafio. Só em energia o Brasil vai ter que investir perto de R$ 100 bilhões por ano. São mais R$ 23 bilhões na área de logística. Na área de saneamento, o Brasil não pode prescindir de elevar o nível de investimento de R$ 5 bilhões a R$ 6 bilhões por ano para R$ 13 bilhões a R$ 14 bilhões por ano.