Valor Econômico
O descolamento das trajetórias do salário real e da produtividade do trabalho no Brasil tem sido uma constante no tempo. De maneira geral, os salários não acompanham os ganhos de produtividade, salvo raras e honrosas exceções.
Tanto assim que a participação do rendimento do trabalho na renda nacional apresentou uma rota de queda significativa, mesmo nos anos de forte crescimento econômico. Por meio século, o rendimento do trabalho, que chegou a representar quase 56% do Produto Interno Bruto (PIB) na década de 1950, decaiu continuamente até o início do século XXI, alcançando o patamar abaixo de 40% do PIB.
Vários motivos contribuíram para isso, como a política salarial de arrocho e o autoritarismo que tolheu a livre negociação coletiva de trabalho entre patrões e trabalhadores durante a ditadura militar (1964-1985). Também durante o regime democrático a partir de 1985, com a fase de superinflação e oscilação no comportamento econômico, tornou desfavorável aos ocupados a negociação coletiva de trabalho.
Brasil segue destoando dos países ricos e não aceita velha receita de empurrar a conta da crise aos trabalhadores
Com a estabilidade monetária iniciada em 1994, o salário médio real seguiu descolado da evolução dos ganhos de produtividade do trabalho. A adoção de política antilaboral na década neoliberal dos anos 1990, em meio ao contexto de baixo dinamismo econômico e explosão do desemprego, forçou a queda do salário médio real no país.
Mesmo com a mudança de orientação nas políticas econômica e laboral após 2003, o salário médio real só recuperou seu poder aquisitivo a partir de 2005. Contribuiu para isso, a volta do crescimento econômico que permitiu a queda na taxa de desemprego e a elevação do valor real do salário mínimo, ambos favoráveis ao avanço das negociações coletivas de trabalho.
No período de 2004 a 2010 o salário médio recuperou o seu poder aquisitivo em 17,6%. Com isso, o rendimento médio dos trabalhadores passou a ser 1,6% maior do que o recebido em 1995. Na contrapartida, a produtividade do trabalho entre os anos de 2004 e 2010 cresceu 11%. Assim, a produtividade do trabalho de 2010 foi 13,6% maior que a do ano de 1995.
Entre os anos de 1995 e 2004 o salário médio real dos ocupados perdeu 13,6% do seu poder aquisitivo. No mesmo período, a produtividade do trabalho aumentou um pouco, 2,3%.
Em 15 anos de estabilização monetária, o salário real médio do trabalhador foi somente duas vezes (1996 e 2010) superior ao do ano de 1995. Já em relação aos ganhos de produtividade observa-se que eles nunca se apresentaram inferiores ao do ano de 1995.
Não obstante a recuperação real do salário médio dos trabalhadores a partir de 2004, os ganhos de produtividade seguem ainda bem à frente. Entre 1995 e 2004, registra-se que o ganho de 1% na produtividade do trabalho foi acompanhado da queda em 6% do poder aquisitivo do salário médio dos ocupados.
No período de 2004 e 2010 nota-se que para a elevação de 1% na produtividade do trabalho, o salário médio real subiu 1,6%. Em se mantendo essa mesma relação para os próximos anos, somente em 2022 o Brasil teria equilibrado o ganho de produtividade com o salário médio real vigente no ano de 1995.
Nesse sentido, percebe-se que o salário médio pode crescer acima da produtividade, caso exista o objetivo de que o rendimento do trabalho não siga descolado dos ganhos de produtividade no país. Ao mesmo tempo poderia retornar gradualmente ao patamar observado no início da estabilização monetária.
Nos países desenvolvidos, a trajetória do salário médio real não se deu desassociada dos ganhos de produtividade. Pela experiência do segundo pós-guerra, o salário médio dos trabalhadores acompanhou os ganhos de produtividade, permitindo a elevação na participação do rendimento do trabalho até próximo de 80% do PIB.
Mas isso deixou de ser uma verdade durante as duas últimas décadas, quando a adoção generalizada das políticas neoliberais terminou por desviar a evolução real dos salários dos ganhos de produtividade. O descolamento da produtividade tornou decrescente a parcela salarial no PIB, fazendo com que os países ricos voltassem à situação da desigualdade de renda somente comparável à década de 1920, como no caso dos Estados Unidos e Inglaterra.
Na crise do capitalismo global, o Brasil segue destoando da orientação dos países ricos. Não aceita mais a velha receita neoliberal de empurrar a conta da crise para os trabalhadores.
O salário mínimo apresenta ganhos reais, as aposentadorias têm seus valores reais mantidos e as negociações coletivas de trabalho mostram-se favoráveis à evolução do salário médio real dos trabalhadores. Tudo isso no contexto de expansão econômica acompanhada da redução do desemprego, da desigualdade de renda e da pobreza.
Marcio Pochmann é presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Unicamp. Escreve mensalmente às quintas-feiras.