Cibelle Bouças, de São Paulo
O número de trabalhadores que requereram ou obtiveram o seguro-desemprego diminuiu nos últimos meses, embora o total de dispensas com carteira assinada sem justa causa tenha aumentado significativamente. Uma das principais causas para esse resultado aparentemente contraditório é o aumento da rotatividade no mercado de trabalho. Aposentadorias, espera pelo novo salário mínimo e demora na entrada dos pedidos por conta do aviso prévio também ajudam a explicar o descolamento entre demissões e pedidos para obtenção do benefício.
Por causa da alta rotatividade do mercado de trabalho, parcela expressiva dos trabalhadores demitidos não ficou seis meses no último emprego e, por isso, não tem direito ao seguro-desemprego.
Em janeiro, de acordo com o Ministério do Trabalho, foram registrados 563,6 mil pedidos de seguro-desemprego, resultado inferior aos 621,4 mil pedidos de dezembro, que por sua vez foram inferiores aos 630 mil efetuados em novembro. Na comparação com janeiro de 2008, o incremento foi mínimo, de 0,26%. Em dezembro, os registros foram 0,86% inferiores ao registrado no mesmo mês do ano anterior. Em novembro, os pedidos subiram 10%, sinalizando os efeitos do agravamento da crise sobre o mercado de trabalho.
As variações foram bem mais intensas no total de dispensas. O Ministério do Trabalho não divulgou o número de dispensas sem justa causa efetuadas em janeiro, mas, em média, 63% das demissões registradas no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) entram nessa categoria. O total de desligamentos em janeiro (incluindo demissões com e sem justa causa, a pedido, aposentadorias, mortos e término de contratos de trabalho) foi de 1,318 milhão, 13,1% acima do registrado em igual mês de 2008. Em dezembro, as dispensas sem justa causa aumentaram 26,4% em relação ao mesmo mês do ano anterior e, em novembro, a alta foi de 33,7%.
Em proporção, os trabalhadores que solicitaram o seguro-desemprego representaram 59,48% do total de demitidos sem justa causa; em novembro, eles representaram 72,44% do total e, nos meses anteriores, variou entre 74% e 82%. Em dezembro de 2007, o índice era de 80,2%.
A principal causa está no aumento da rotatividade no mercado de trabalho. De acordo com dados do Caged, do total de trabalhadores dispensados sem justa causa em dezembro, 23,4% permaneceram por menos de seis meses no último emprego, o que automaticamente os impede de acessar o benefício. Em novembro, o índice era de 25,82%. Em dezembro de 2007, o percentual era de 22,43%. Em números absolutos, o número de demitidos com menos de seis meses de casa foi de 220.684 em dezembro de 2008, contra 158.272 em igual mês do ano anterior.
Além disso, observa o diretor do Departamento de Emprego e Salário do Ministério do Trabalho, Rodolfo Torelly, o seguro-desemprego só pode ser requerido uma vez a cada 16 meses. “No Brasil, o nível de rotatividade é alto. Todo mês 1,2 milhão de pessoas saem do emprego e um número semelhante é contratado. Uma parte se realoca, outra é substituída. Em 2008, de um quadro de 14 milhões de demissões, houve 6,3 milhões de pedidos do benefício”, afirma.
O diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Ganz Lucio, também considera que a rotatividade alta limita o acesso ao seguro-desemprego. “Muitos trabalhadores perderam o emprego rapidamente em pouco tempo para ter direito de novo ao benefício”, avalia Lucio.
Para Torelly, outros fatores também explicam o resultado. Parte dos trabalhadores demitidos consegue outro emprego antes de entrar com o pedido. Os feriados de fim de ano também contribuem para atrasar as requisições. Ele observa que o benefício só é solicitado após a conclusão do aviso prévio e, após a homologação da carteira, o trabalhador possui de 7 a 120 dias para solicitar o benefício, após a data da demissão. “Normalmente os trabalhadores pedem 15 ou 20 dias após a demissão”, afirma.
Mas, o que explica menos trabalhadores recorrerem ao benefício em dezembro e janeiro? O presidente do Instituto Brasileiro de Relações de Emprego e Salário (Ibret) e professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, Hélio Zylberstajn, acredita que a resposta também está no salário mínimo. “O benefício é reajustado pelo salário mínimo. É provável que trabalhadores que podem esperar um ou dois meses, utilizando a verba rescisória, para depois usufruir de um seguro-desemprego maior, tenham decidido esperar para pedir o benefício em fevereiro”, diz. Zylberstajn prevê aumento no número de pedidos de seguro-desemprego no mês de fevereiro, compensando parte da redução observada nos meses anteriores. Torelly, do Ministério, acredita que a maior parte dos pedidos já foi feito e, se houver aumento, será mínimo.
O número de trabalhadores que obtiveram o benefício pela primeira vez também diminuiu em proporção ao total de demitidos sem justa causa, para 57,65% em dezembro. Em novembro, o índice era de 70,68% e variou entre 72% e 80% ao longo do ano. Em dezembro de 2007, estava em 78,34%. Um indicativo, segundo Lucio, de que mais trabalhadores precisaram recorrer por mais tempo ao benefício devido à dificuldade de obter novo emprego. Em janeiro, de acordo com dados do ministério, o número de benefícios concedidos ficou em 539.372, abaixo das 599.590 concessões em janeiro de 2008 e pouco inferior ao número de dezembro (593.503).
A redução, porém, não implicou queda no valor do benefício concedido. O desembolso no mês foi de R$ 1,513 bilhão, 58,5% superior ao total de janeiro de 2008. O valor também supera em 31,8% o desembolso efetuado em dezembro.
Esse aumento ocorre, diz Torelly, porque há mais beneficiários usufruindo do benefício – considerando os trabalhadores que já haviam recebido a primeira parcela nos meses anteriores. Conforme dados do Caged, do total de trabalhadores que receberam o seguro-desemprego em dezembro, 32,45% estavam recebendo a primeira parcela. Nos meses anteriores, a proporção de trabalhadores recebendo pela primeira vez o seguro-desemprego era maior. Em novembro, os novos contemplados representavam 83,57% do total e, nos meses anteriores, a participação sobre o total sempre foi superior a 90%.
O reajuste do salário mínimo também explica a diferença. “As emissões do seguro-desemprego são feitas para os bancos no fim da semana. Em janeiro tivemos cinco fins de semana e o último lote, referente ao seguro de fevereiro, já saiu com o novo mínimo”, diz o diretor do ministério.
Na avaliação de Torelly, o número de trabalhadores demitidos tem se mantido relativamente constante e, por isso, a tendência é que o total de concessões do seguro-desemprego fique próximo ao registrado em 2008. Se o número de pedidos for semelhante ao do ano passado, os gastos do governo com o seguro-desemprego já aumentariam 12% sobre os R$ 14,1 bilhões gastos no ano passado, chegando perto de R$ 16 bilhões, considerando apenas o reajuste do salário mínimo.