Cibelle Bouças, de São Paulo
Na semana em que a maioria das indústrias retoma a produção, a preocupação com o risco do desemprego cresce entre trabalhadores e empresários, que negociam alternativas para evitar uma enxurrada de demissões. Os dados de produção, vendas, margem líquida e financiamentos revelam que o risco é iminente, mas é possível identificar as áreas mais afetadas e aquelas que ainda podem atravessar o primeiro trimestre sem muitas dispensas.
Indústrias de bens de consumo duráveis (como eletroeletrônicos e eletrodomésticos), construção civil, papel, celulose, couro, madeira e agroindústrias apresentam demanda e caixa já comprometidos pela crise, fatores que podem obrigá-las a reduzir a força de trabalho. Também participam do “grupo de risco” as montadoras, as indústrias siderúrgicas, de autopeças e de máquinas e equipamentos, que já indicavam um quadro de agravamento no fim do ano passado. “Não existe setor que sairá ileso da crise, mas certamente os que dependem do crédito e já apresentam redução da demanda estarão mais propensos a fazer demissões neste início de ano”, avalia o economista e professor da Unicamp Júlio Sérgio Gomes de Almeida.
Já setores ligados a serviços essenciais e produtos básicos, como alimentação, saúde, educação, água e esgotos e energia, apresentam mais chances de encerrar o primeiro trimestre com o nível de emprego inalterado. Apesar das perspectivas pouco favoráveis para a construção, Almeida acredita que os setores de cimento e outros insumos podem ter desempenho razoável. Embora as vendas de imóveis tenha caído, as construtoras continuam as obras, diz ele.
Um estudo da consultoria Economática com base nos balanços de 250 empresas listadas na Bovespa revela que a margem líquida (indicador de eficiência) de alguns setores já havia apresentado crescimento menor antes mesmo do agravamento da crise. De janeiro a novembro, houve redução nas margens dos setores de software e dados, alimentos e bebidas, transporte e serviços, construção, máquinas industriais, siderurgia e metalurgia, química e papel e celulose .
Dados do IBGE compilados pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) indicam que parte desses setores já tiveram queda na produção de janeiro a novembro, como eletrodomésticos linha marrom (7,7%), embalagens de madeira (10,2%) e moagem de trigo (11,8%).
A redução do crédito também fica evidente no último levantamento do BNDES, que aponta redução nas aprovações para os setores de bebidas (25,7%), coque, petróleo e combustível (6,41%), farmoquímico e farmacêutico (43,86%), eletricidade e gás (9,4%), fumo (95,35%), madeira (28,32%), máquinas e aparelhos elétricos (48,38%), outros equipamentos de transporte (69,95%), transporte aéreo (31,88%), transporte aquaviário (72,28%), transporte terrestre (2,6%) e saúde (53,47%) no acumulado de janeiro a novembro sobre igual período de 2007.
As indústrias têm de lidar ainda com a desaceleração da demanda. O Santander projeta para novembro queda de 1,2% nas vendas de novembro em relação a outubro, com ajuste sazonal. O dado oficial sai na sexta-feira. “As indústrias não trabalham como o Tio Patinhas. Elas estavam embaladas e reinvestiram os lucros. De repente, o crédito ficou escasso, os consumidores deixaram de comprar e elas ficaram em uma condição sensível”, disse o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf.
Em novembro, o indicador da Fiesp do emprego apontou o fechamento de 34 mil postos, e tudo indica que dezembro teve resultado pior, afirmou Skaf. No Brasil, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), a indústria de transformação já havia iniciado ajustes em seus quadros de trabalhadores em novembro. As maiores quedas ocorreram nos setores de calçados (2,92%), material de transporte (2,21%), borracha, fumo e couros (1,81%), metalurgia (1,43%) e material elétrico e de comunicação (1,45%).
Em janeiro, os setores metalúrgico realizaram demissões ou propuseram redução da jornada de trabalho e a suspensão temporária dos contratos de trabalho. Na sexta, a General Motors anunciou o quinto pedido de férias coletivas. A empresa concedeu férias a 600 dos 1,1 mil metalúrgicos de São José dos Campos, de 26 de janeiro a 24 de fevereiro. O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, Miguel Torres, informou que pelo menos duas empresas devem fechar acordos de suspensão temporária do contrato, a Armco e a Indebrás. A presidente do Sindicato das Costureiras de São Paulo e Osasco, Eunice Cabral, disse que ainda não foi procurada para acordos do tipo. O total de demissões chega a 3% dos 80 mil trabalhadores da base, e uma onda de demissões a preocupa.
Em Pernambuco, segundo o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Metalúrgica, Mecânica e de Materiais Elétricos do Estado (Sindmetal), houve mais de 300 desligamentos em dezembro. O presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil de São Paulo (Sintracon-SP), Antonio de Sousa Ramalho, informou que houve 13.563 homologações de carteira em 2008, 24% mais que em 2007. “Mas o total é muito maior, porque o número de contratados com carteira assinada há mais de um ano representa 20% do setor.”
Na sexta, sindicatos pediram à Fiesp que convença as indústrias a evitar cortes. Para isso, entidades filiadas à Força Sindical mostraram-se dispostas a aceitar medidas como redução da jornada com diminuição de salário e suspensão temporária do contrato de trabalho. “Se conseguirmos um acordo em São Paulo, o modelo poderá ser estendido para o país”, afirmou o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva. Skaf disse que buscará acordo com indústrias e outras centrais.