Brasileiros têm sido os primeiros nas listas de dispensa das empresas
Eduardo Nunomura
Para quem procura um trabalho de dekassegui no Japão, a resposta das agências de emprego na Liberdade é a mesma: “A situação está feia por lá, os brasileiros não estão indo, só voltando.” Há opção? “Que tal lixar navios? Ganha 1.100 ienes (US$ 11) por hora.” Feitas as contas, sobrariam uns US$ 1.300 por mês. “Mas… a lixadeira pesa mais de 3 quilos e tem de raspar o casco todo. Trabalha cinco dias, folga dois.” Algo mais leve? “Tem bento-ya (fábricas de preparo de comida) por 1.000 ienes. Mas esse é para mulheres ou casais.” E nas indústrias de carros ou eletroeletrônicos? “Elas estão demitindo.”
No outro lado do planeta, a recessão se confirmou. O ex-jogador de futebol e hoje operário Jeferson Minohara, de 30 anos, já sabia. Ele é um órfão da Toyota. Licenciado por um acidente numa fábrica terceirizada da montadora, Minohara recebeu há poucas semanas a notícia de que seu contrato não seria renovado. “Com a crise, qualquer motivo já basta para mandarem embora.” O brasileiro já procurou recolocação, mas as empreiteiras de mão-de-obra sugeriram procurar em março ou abril. Nem a mulher, Michelle Okada, pode ajudar. Ela também está desempregada e para cuidar do filho Jeferson, de 3 anos, e de Julia, de 5 meses, ensina japonês para dekasseguis. Mas dos sete alunos que chegou a ter só resta um.
Um dos motores da economia e empregadoras de dekasseguis, as montadoras japonesas amargam perdas substanciais com a crise mundial. Exportadora de sucesso de automóveis de luxo para os Estados Unidos, a Toyota perdeu competitividade com o iene valorizado diante do dólar. Precisou demitir 10% da mão-de-obra. Outras seis das oito fábricas de carros estão desidratando. E o mercado interno não colabora. As vendas de veículos para os japoneses em outubro caíram 13,1% em relação a 2007 – o menor índice dos últimos 40 anos.
Escaldados por uma década de crise, nos anos 1990, os japoneses poupam mais do que o governo gostaria na hora do aperto. É cultural, atávico desde que o país saiu arrasado da Segunda Guerra Mundial. Sem poder contar com o consumo interno, o Japão sobreviveu à última recessão prolongada exportando mais carros e eletroeletrônicos para os Estados Unidos e a Europa. Para isso, os japoneses aprenderam a aumentar a produtividade e reduzir os custos. Sobrou para os dekasseguis.
Na década passada, com salários em torno de US$ 4 mil, os brasileiros mostravam-se empenhados em manter as máquinas em funcionamento. Horas-extras nunca eram dispensadas. A migração do Brasil para o Japão ocorreu em saltos. Em 1990, eram 56 mil; em 1998, 222 mil; e no ano passado, 317 mil.
O que se vê agora é um desfile de velhas empresas conhecidas dos dekasseguis – Sony, Canon, NEC, Panasonic, Sanyo, Honda, Nissan e Yamaha – registrando queda nas exportações. A pergunta já não é mais se o Japão está em recessão, mas quanto tempo vai permanecer com ela. O índice de confiança do japonês vive agora o menor pico da história.
Os cortes dos trabalhadores estrangeiros é um dos recursos para conter as crises. Na dos anos 1990, os salários pagos aos brasileiros já haviam sofrido quedas brutais, de até 40%. Desta vez, as horas-extras foram canceladas, mal se fala em férias coletivas, as listas de cortes são inevitáveis. Chineses, filipinos e indonésios são contratados como trainees, custam 60% menos que os brasileiros e têm mais chance de permanecer. Já o japonês, chamado de shain, só há pouco tempo passou a ser desligado, mas sempre como o último da fila.
“Não será o fim do trabalho dekassegui, mas certamente haverá uma nova dispersão, sobretudo para as vagas menos rentáveis”, alerta o cientista social Naoto Higuchi, da Universidade de Tokushima. Entre os novos empregos possíveis, Higuchi identifica o mesmo bento-ya oferecido pelas agências de recrutamento brasileiras.
Em Toyota City, moram 4 mil brasileiros nos 60 prédios do conjunto residencial Homi Danchi. No pequeno enclave verde-e-amarelo, Welton Noboru Yoshioka é um ex-operário que virou sócio de uma academia de ginástica. Para manter o negócio de pé, precisaria contar com 400 alunos. Agora são 240. “Só vamos agüentar algum tempo no vermelho, porque temos funcionários que dependem de nós.” Outros negócios voltados para o público brasileiro, como supermercados, restaurantes e escolas enfrentam dificuldades semelhantes.
“A situação é grave”, resume o padre católico Evaristo Higa, que vive há 15 anos no Japão. Nas últimas semanas, notou a presença de “três ou quatro” brasileiros na fila do sopão em Hamamatsu. Uma família tentou, em vão, abrigo na igreja. Ele já tem visto dekasseguis virarem sem-teto, como já havia ocorrido na crise dos 1990.