Concorrência: Empresa deve ser autuada em R$ 12 milhões por usar a Justiça para prejudicar rivais
Juliano Basile, de Brasília
A Siemens VDO deverá ser condenada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) a pagar multa de R$ 12 milhões. Ela é acusada de ter ingressado com ações na Justiça para afastar concorrentes do mercado de tacógrafos – instrumentos utilizados para marcar a velocidade de veículos automotivos. Segundo o Cade, a Siemens possui mais de 85% desse mercado e tentou fazer com que a Justiça derrubasse os tacógrafos de outras empresas, alegando que eles não cumpriam especificações técnicas para um bom funcionamento. A empresa negou as acusações.
O caso vem sendo investigado desde 2005. A Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça concluiu que esse foi o primeiro processo de “sham litigation” no Brasil e recomendou a condenação da empresa. Nos Estados Unidos, “sham litigation” é a prática de utilizar a Justiça para prejudicar concorrentes.
No Cade, o julgamento teve início em dezembro, com o voto do relator, conselheiro Fernando Furlan, contrário à Siemens. Furlan concluiu que a empresa abusou de seu direito de ação no Judiciário para retirar a empresa Seva do mercado. Ao fazê-lo, a Siemens teria sinalizado a concorrentes que seria agressiva no mercado, induzindo-os a não competir.
Após o voto de Furlan, houve pedidos de vista. Ontem, em nova votação, quatro dos sete conselheiros do Cade votaram pela condenação da empresa e dois foram pela absolvição. O presidente do Cade, Arthur Badin, pediu vista do processo. Mas resta apenas um voto e já há um placar majoritário pela condenação. Com isso, a não ser que algum conselheiro mude o seu voto, o que é raro no Cade, a Siemens terá de pagar R$ 11.938.846,42. Esse valor equivale a 1% do faturamento da empresa no ano anterior ao da abertura das investigações. É a multa mínima prevista pela Lei Antitruste (nº 8.884).
Furlan optou por não declarar que a Siemens praticou “sham litigation” por ser algo do direito americano, o que pode levar a empresa a contestar a decisão do Cade no Judiciário. Mas ele enfatizou que a empresa abusou do direito de ação e, com isso, prejudicou concorrentes. “O prejuízo é marcante no caso de emprego de ação judicial para constranger concorrentes”, disse o conselheiro. “Espera-se que empresa com mais de 80% do mercado tenha conduta saudável no âmbito competitivo.”
Furlan foi seguido pelos conselheiros Carlos Ragazzo, Vinícius Carvalho e Ricardo Ruiz. Eles também consideraram que a Siemens atuou perante órgãos públicos, como o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) e o Instituto Nacional de Metrologia e Normalização (Inmetro), com o objetivo de delimitar especificações técnicas para tacógrafos que afastassem concorrentes. “A empresa utilizou um problema regulatório de forma oportunista”, afirmou Ruiz. “Houve a estratégia dela de organizar um mercado não competitivo.”
Já os conselheiros Olavo Chinaglia e César Mattos entenderam que as provas não são suficientes para condenar a empresa. Ambos questionaram as razões de a Siemens, com o domínio do mercado, atuar para prejudicar a Seva, que teria apenas 2% de participação.
Badin estava inclinado a votar pela absolvição da empresa, mas preferiu pedir vista para fundamentar o seu voto. “Não me parece que houve abuso. Quando muito houve um comportamento oportunista propiciado pelo convívio com órgãos públicos para se fazer tumulto no mercado”, disse Badin. Por outro lado, o presidente do Cade advertiu que a atenção deve ser redobrada em casos de uso de ações judiciais por empresa quase monopolista no mercado.
A Siemens argumentou ao Cade que não atuou para limitar o acesso ou dificultar o desenvolvimento de concorrentes. Ela alegou que todas as ações tiveram o objetivo de exigir o cumprimento da legislação por parte da Seva, sua concorrente no mercado de tacógrafos.