Trabalhadores dos portos públicos temem a concorrência dos privados
Segundo Paulinho da Força, líder do movimento, greve nacional pode ocorrer no dia 18 de março
Folha de S.Paulo
AGNALDO BRITO
ENVIADO ESPECIAL A SANTOS
Os trabalhadores avulsos do porto de Santos invadiram, na madrugada de ontem, o convés de um navio de bandeira chinesa. A ação foi liderada pela Força Sindical, em protesto contra mudanças previstas na MP dos Portos, editada pelo governo.
O navio Zhen Hua 10 estava atracado no cais da Embraport, para onde trouxera os primeiros grandes guindastes de contêineres. Odebrecht e Dubai Ports World, donos do terminal, querem iniciar a operação em 2013.
Os terminais privados estão justamente no cerne do protesto dos portuários. A MP permite que eles transportem cargas de terceiros -concorrendo com os públicos-, mas lhes garante o direito de contratar todos os funcionários a partir da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas).
Já os terminais que operam dentro dos portos públicos (como os de Santos, Paranaguá e Rio de Janeiro) são obrigados a contratar mão de obra avulsa para movimentar cargas dentro dos navios.
O temor dos manifestantes é que a diferença nas regras torne os portos privados mais vantajosos que os públicos. Com isso, os trabalhadores avulsos perderiam serviço.
MÁQUINAS X HOMENS
Em Santos, os avulsos -cadastrados no Ogmo (Órgão Gestor da Mão de Obra)- formam uma categoria com exatos 6.408 homens (veja quadro nesta página). No Brasil, eles somam 23 mil.
O novo texto mexe com nove categorias profissionais, que enfraquecem em razão do uso de tecnologia para a movimentação de carga.
Os portuários acusam o governo de por em risco algumas das categorias e de esvaziar os portos públicos.
A Fenop (Federação Nacional dos Operadores Portuários) -organização que representa cem operadores portuários no Brasil- afirma que a MP cria, de fato, “condições não isonômicas” entre terminais instalados dentro ou fora da área geográfica dos portos públicos.
CLIMA PACÍFICO
A invasão ocorreu de forma pacífica. Em meio aos versos do “Hino da Independência”, cantado por um grupo de 40 pessoas, os portuários -a maioria sindicalistas- prometeram uma greve nacional para março, se não houver mudanças na MP.
“A tripulação ficou assustada com a movimentação dos estivadores, mas não houve violência ou depredação do navio”, disse Roberto Myasato, da GPS, empresa responsável pela segurança da embarcação.
Até ontem no início da noite, a Embraport discutia a desocupação do navio com os sindicalistas. Até o fechamento desta edição, os portuários permaneciam dentro da embarcação.
Hoje, os portuários se reúnem em Brasília para discutir uma agenda de mobilização nacional.
“Se não houver avanço, e acho que não haverá, podemos mobilizar os portuários para uma greve nacional lá pelo dia 18 de março”, disse Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força.
Cronograma
Leilões só vão começar no 2º semestre
O diretor da EPL, Bernardo Figueiredo, disse que os estudos para os leilões dos complexos portuários de Santos e do Pará só deverão estar concluídos no segundo semestre. Isso impede as licitações no prazo dado pelo ministro Leônidas Cristino (secretaria de Portos), que afirmou que elas começariam em maio.
Estivador quer filho bem longe de um porto
DE SANTOS
O dedo torto talvez seja a sequela física mais evidente de João Carlos dos Santos, 53, estivador que achou conveniente a invasão do navio chinês.
Na profissão desde 1974, Santos aguarda a aposentadoria, mas acha que devia dar sua contribuição para a sobrevida da estiva, uma categoria que está acabando. “Vamos brigar para os novos que vêm aí.”
Gente nova que não inclui seus descendentes. Entre abocanhadas num lanche de mortadela, ele disse: “Não quero que meu filho nem entre no porto. Ele estudou”.
(AB)