16 mar 2011
Notícias
Por Maria Maeno*
Foi-me solicitado um texto pela FETEC-SP sobre Lesões por Esforços Repetitivos/ Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (LER/DORT).
Diante da emergência de transtornos psíquicos em vários ramos econômicos muitas pessoas têm se perguntado se as LER/DORT estariam superadas, se seriam um problema do século passado.
Tomemos o setor financeiro que presumivelmente sempre teve muitos trabalhadores acometidos por LER/DORT como um caso a ser analisado.
Uma unanimidade em nosso país é o fato de que esse setor passou por uma profunda reestruturação. Para alguns, as transformações significaram dinamização do setor, informatização, eficiência, qualidade total, flexibilização organizacional e das relações trabalhistas, e têm um significado muito positivo, relacionado a um senso comum de que expressam a modernidade, e tudo o que é moderno é bom. Para outros, as mudanças, sobretudo a partir dos anos 80 e 90, têm significados diversos e negativos, como segmentação da clientela por faixas de renda, diminuição de postos de trabalho, intensificação do trabalho, sobrecarga física e psíquica, pressão para cumprimento de metas inatingíveis, especialização em vendas de produtos independentemente das necessidades reais dos clientes, terceirização e precarização do trabalho. 1, 2, 3, 4
Como em outros segmentos de trabalhadores, a saúde e as doenças que acometem de forma significativa os bancários refletem suas condições de trabalho e suas lutas.
Na primeira metade do século XX, os bancários eram acometidos por tuberculose e por transtornos psíquicos denominados na época “psiconeurose bancária”, que fundamentou a redução de jornada do bancário para 6 horas diárias. Na década de 80, em decorrência sobretudo da automação do sistema, da fragmentação das tarefas, da sobrecarga de trabalho e das jornadas prolongadas, começaram a se disseminar entre os trabalhadores bancários, dentre outros, os quadros clínicos de dor do sistema musculoesquelético. Inicialmente diagnosticados como tendinites e tenossinovites, a partir de 1986 passaram a ser reconhecidos em seu caráter ocupacional pelos órgãos de Estado.
Tanto no órgão segurador como no sistema de saúde, seu reconhecimento como um agravo relacionado ao trabalho foi gradativo e objeto de vários dispositivos normativos e legais, inicialmente pelo então Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) e posteriormente pelo Sistema Único de Saúde, processo que teve a ativa participação de profissionais da saúde, particularmente os dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador e do movimento sindical5.
Atualmente, as LER/DORT, abrangem dezenas de diagnósticos além das tendinites e tenossinovites, entre os quais, as síndromes do túnel do carpo, as síndromes miofasciais, as fibromialgias, as cervicobraquialgias. Constam das listas de agravos ocupacionais do Ministério da Saúde e do Ministério da Previdência Social, dispostas respectivamente na Portaria/MS 1.339/996 e no Decreto 3.048/997, fazem parte do Manual de Procedimentos para os Serviços de Saúde do Ministério da Saúde8, são objeto de protocolo do Ministério da Saúde9, são de notificação compulsória ao Sistema Nacional de Agravos de Notificação (SINAN)10, o mesmo sistema de notificação dos tétanos e das dengues, dentre outras ocorrências previstas em dispositivo legal.
Motivaram , juntamente com os transtornos psíquicos, o Ministério do Trabalho e Emprego a elaborar dois anexos da Norma Regulamentadora 17, da Ergonomia, especificamente para os trabalhadores caixas de supermercados11 e de teleatendimento12. Ao longo desses anos, foram objeto de discussão em congressos científicos especializados, como os de dor e fisiatria, de reumatologia, de recursos diagnósticos por imagem, de acupuntura, de ortopedia, de psicologia, de cirurgia de mão, de fisioterapia, em outros tempos alheios às doenças que atingiam os trabalhadores. Inúmeros de seus aspectos foram estudados em pesquisas acadêmicas, de serviços, em dissertações de mestrado e teses de doutorado.
Passaram a figurar nas estatísticas da Previdência Social como aqueles agravos ocupacionais que mais motivavam afastamentos prolongados do trabalho e essa situação se mantém, a despeito da conhecida subnotificação desses dados. A categoria bancária particularmente desponta como uma das mais atingidas.
Segundo a Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD) de 2008, suplemento saúde, há uma estimativa de que no país, 69.192 trabalhadores ocupados no momento da pesquisa, do setor financeiro, entre os quais os bancários (aproximadamente 8,2% do total desses trabalhadores) tenham tido diagnóstico de tendinite ou tenossinovite feito por um médico ou profissional de saúde. Do ponto de vista do risco, esses trabalhadores do ramo financeiro apresentam maior possibilidade de terem tendinite ou tenossinovite do que o conjunto de trabalhadores ocupados de outros ramos de atividade. É preciso lembrar que as tendinites e tenossinovites são apenas duas das expressões clínicas de afecções do sistema musculoesquelético relacionadas ao trabalho.
Considero esse dado bastante relevante. Por outro lado, quanto aos números da Previdência Social, de 2005 a 2008, foram concedidos 1.480 benefícios por incapacidade tendo como causa afecções do sistema músculoesquelético a trabalhadores de 7 grandes bancos, ou seja, Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal, Itaú, Real, Santander e Real. Esse número reflete apenas aqueles que foram incapacitados pelo Instituto Nacional de Seguro Social. Muitos podem ter tentado um afastamento e podem não ter conseguido. E muitos outros devem estar nos ambientes de trabalho apesar de doentes.
Um outro aspecto que tem chamado a atenção dos dirigentes sindicais dentro dos bancos é a inundação dos transtornos psíquicos e o uso de medicações “tarja preta”. Assim como ocorreu com as LER/DORT nos anos 80 e 90, os transtornos psíquicos, que antes acompanhavam os trabalhadores com dores, agora se destacam em “carreira solo”.
E aí, merece atenção nesta breve conversa a interface entre a ocorrência de LER/DORT e os transtornos psíquicos. Ambas os grupos dessas manifestações clínicas são expressões de um processo de desgaste relacionado às exigências do trabalho, que no caso dos bancários, se materializam na existência de metas que sobem de patamar a cada vez que os trabalhadores conseguem atingi-las, nas múltiplas funções que devem exercer, na sobrecarga de trabalho operacional e mental, nos constrangimentos que sofrem ao implorar aos clientes que comprem os produtos, nas humilhações pelas quais passam quando não conseguem ter o desempenho esperado, no isolamento e discriminação por que passam ao se aperceberem de que não conseguem mais manter o ritmo e no medo de passar pelo mesmo por que passaram colegas na mesma situação.
É importante ressaltar é que ambas os grupos de manifestação clínica estão relacionados entre si e não há possibilidades de real controle de sua ocorrência separadamente. É preciso diagnosticar os pilares da organização do trabalho bancário para que sejam modificados, e nesse sentido, me parece acertada a estratégia das entidades de classe que têm centrado suas lutas contra as metas abusivas e contra a violência psicológica no trabalho, sendo uma de suas expressões o assédio moral. No entanto, é preciso que os trabalhadores estejam atentos para o fato de que assim como as LER/DORT, os transtornos psíquicos são manifestações individuais resultantes de um processo de trabalho que atinge o coletivo.
A avaliação individualizada cabe no tocante aos aspectos clínicos para que um programa terapêutico interdisciplinar seja definido, com diversos recursos aplicados de forma individual e/ou grupal. Mas, quando se trata de eliminar ou controlar as condições desencadeantes ou agravantes de dor musculoesquelética ou transtornos psíquicos, é preciso que o foco seja na organização do trabalho. Medidas isoladas e restritas a cada caso dificilmente terão o alcance necessário para a conquista de uma nova forma de trabalhar, que seja promotora da saúde e não fator de desgaste físico e psíquico.
Esta conversa ficaria incompleta se não fizesse alguns breves comentários sobre a atuação que o Estado deveria ter para enfrentar essa situação de sofrimento e desgaste de milhares de trabalhadores e seus familiares. Um indicador de que essa situação é preocupante é o fato da PNAD, em convênio com o Ministério da Saúde, ter incluído no seu suplemento saúde perguntas sobre a existência de diagnóstico de tendinite ou tenossinovite, doença de coluna ou costas e depressão num rol de perguntas sobre 12 doenças.
No entanto, o Sistema Único de Saúde (SUS) ainda não tem conseguido acolher adequadamente os trabalhadores adoecidos por LER/DORT e por manifestações psíquicas, tanto no tocante à agilidade necessária como à qualidade desse acolhimento, que privilegiem a abordagem interdisciplinar, a articulação da assistência e da vigilância à saúde e a identificação do caráter ocupacional com a devida notificação ao SINAN, conforme previsto em dispositivos legais13, 14. A capilaridade que o SUS tem ainda não foi utilizada de forma suficiente para que haja sistemas de referência e contra-referência efetivos. Tampouco os planos de saúde e convênios privados oferecem uma abordagem adequada, sempre de forma fragmentada, desarticulada entre as diversas especialidades e recursos terapêuticos, em geral se limitando aos mais tradicionais, sem efetividade.
Quanto ao acolhimento dos trabalhadores incapacitados para o trabalho e segurados do INSS, inúmeros são os casos que aos olhos da perícia médica daquele órgão estão capacitados para o trabalho e não fazem jus a qualquer benefício por incapacidade temporária ou definitiva. Não têm sido episódicas e isoladas as discrepâncias entre as avaliações de médicos assistentes e especialistas e o corpo pericial do INSS, o que tem gerado conflitos frequentes nas agências da Previdência Social entre os segurados e os peritos, alguns com destaque na mídia. Há que se ressaltar que no caso das LER/DORT e transtornos psíquicos, após a introdução do nexo técnico epidemiológico (NTEp), em 200719, que considera o critério epidemiológico para a concessão de benefício acidentário, o reconhecimento de LER/DORT e de transtornos psíquicos relacionados ao trabalho se deu de maneira expressiva, o que fez com que houvesse um aumento dos benefícios acidentários.
Esse importante passo para diminuir a subnotificação, porém, não deve nos obnubilar a visão para um fato preocupante, que é a diminuição dos benefícios em geral, acidentários e previdenciários. Se de 2006 para 2010, o número de benefícios acidentários para afecções do sistema musculoesquelético passou de 19.956 para 88.270 (lembrando que em 2008 houve 117.353 benefícios acidentários e em 2009 houve 98.420), por outro lado o total de benefícios para esse mesmo grupo de doenças passou de 683.829 em 2006 para 448.028 em 2010.20 Houve um decréscimo de aproximadamente 34,5%! A mesma tendência se repetiu para os transtornos psíquicos. Em minha opinião, a análise desse quadro deve passar pela existência da “alta programada”, como é popularmente conhecida a Cobertura Previdenciária Estimada (COPES), cujo objetivo de repassar o ônus de uma prorrogação de benefício ao segurado foi explicitado por um pesquisador do IPEA21 em 2006 e pela elaboração de diretrizes seguidas pelos peritos do INSS nas áreas de ortopedia e psiquiatria, até hoje inacessíveis à sociedade.
É urgente que o acolhimento humanizado seja a tônica a ser perseguida no INSS, sob pena de se aumentar processo crônico de injustiças sociais em nosso país. Para ilustrar com um fato recente, no dia 23 de fevereiro do corrente ano, na cidade de Palhoça, Santa Catarina, uma segurada considerada incapacitada para o trabalho por médicos assistentes, esperou durante 5 meses a realização de perícia, permanecendo todo esse tempo sem salário e sem benefício. Na perícia foi considerada apta para o trabalho, o que significa que não receberá qualquer pagamento referente a esses meses. Desesperada, perdeu o controle de seu comportamento e danificou equipamentos de informática da agência previdenciária. Foi detida pela Polícia Federal e para ser liberada teve que pagar uma fiança. Será processada por ter causado danos patrimoniais à União. E à União, que submeteu uma trabalhadora doente por 5 meses à privação de qualquer provento, o que acontecerá?22
Por fim, encerro esta conversa salientando que temos que perseguir incansavelmente a defesa do trabalhador e de sua saúde pelo Estado brasileiro. Enquanto o crescimento econômico continuar sendo prioritário em detrimento da saúde dos que trabalham, continuaremos apenas acolhendo e recolhendo os mortos e feridos desta guerra em que a maioria da sociedade perde, com os acidentes, as doenças e o sofrimento. Temos que aproveitar as datas como o dia 28 de fevereiro, Dia Internacional de Combate às LER/DORT, para tornar público e chamar a sociedade para que se cumpra a Constituição Federal, que determina o direito à saúde e ao trabalho.
Referências bibliográficas
1. JINKINGS, N. Trabalho e resistência na fonte misteriosa: os bancários no mundo da eletrônica e do dinheiro. Campinas: Editora Unicamp; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2002; 402 p.
2. SEGNINI, L.R.P. Reestruturação nos bancos do Brasil: desemprego, subcontratação e intensificação do trabalho. Educação & Sociedade, ano XX, nº 67, agosto/99.
3. SOBOLL, L.A.P. Violência psicológica e assédio moral no trabalho bancário. USP, 2006. Tese de doutorado – Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, 2006.
4. CARNEIRO, R., MARCOLINO, L.C. Sistema financeiro e desenvolvimento. Do plano real à crise financeira. São Paulo: Publisher, 2010.
5. SELIGMANN-SILVA, E. Desgaste mental no trabalho dominado. Rio de Janeiro: UFRJ; São Paulo: Cortez, 1994.
6. NESPOLI, R.G. Da solidariedade à competitividade: caminhos da privatização. Campinas: UNICAMP, 2004. Dissertação de mestrado – Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, 2004.
7. SELIGMANN-SILVA, E. Trabalho e saúde mental dos bancários. São Paulo: Diesat, 1985 (mimeo).
8. MAENO, M., CARMO, J.C. Saúde do trabalhador no SUS. São Paulo; Editora Hucitec, 2005; 372 p.
9. [MS] Ministério da Saúde. Portaria MS 1.339, de 18 de novembro de 1.999. Disponível em http://dtr2004.saude.gov.br/susdeaz/legislacao/arquivo/Portaria_1339_de_18_11_1999.pdf > Acesso em 23/02/2011.
* Maria Maeno é pesquisadora da Fundacentro – Serviço de Medicina – Coordenação de Saúde e Trabalho. Coordenou a elaboração e é co-autora do Protocolo de LER do Ministério da Saúde
Agradecimentos ao pesquisador Marcos Bussacos , do Serviço de Epidemiologia e Estatística da Fundacentro e à Flávia Virgínia Brandão , estudante de Sociologia da Unifesp, estagiária do Serviço de Medicina da Fundacentro
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