19 jan 2009
Notícias
Para professor de Cambridge e crítico da globalização, país sucumbe ao trauma da inflação e se atrasa voluntariamente
ESTA É a hora de deixar de lado a cartilha neoliberal e adotar o pragmatismo, defende o economista Ha-Joon Chang, considerado o mais efetivo crítico da globalização. Ele não está pregando um grande e radical rompimento ideológico: quer só que o Brasil copie as medidas que no passado foram tomadas pelas nações desenvolvidas para crescer e hoje são rejeitadas por esses mesmos países, como a proteção da indústria nacional.
DENYSE GODOY
DA REPORTAGEM LOCAL
O sistema de comércio internacional também precisa ser reformado, na visão de Ha-Joon Chang, a fim de aplicar um tipo de protecionismo assimétrico. Permitindo que, de acordo com o seu grau de desenvolvimento individual, cada país mais pobre coloque determinadas barreiras tarifárias, o que daria a todos condições justas de competição.
Leia abaixo trechos da entrevista que o estudioso sul-coreano concedeu à Folha durante viagem ao Brasil para participar do Laporde (Programa Latino-Americano Avançado de Reavaliação de Macroeconomia e Desenvolvimento), sediado pela Escola de Economia de São Paulo, da FGV (Fundação Getulio Vargas).
FOLHA – A Coreia do Sul sempre é apontada como modelo entre as nações ditas “em desenvolvimento”. Como o país conseguiu sobressair?
HA-JOON CHANG – O Brasil lidera a América Latina, e seu progresso recente não deve ser desprezado. Porém a Coreia realmente cresceu mais rápido com uma estratégia basicamente de proteger a indústria local.
FOLHA – Isso é considerado um pecado capital pelo pensamento econômico dominante…
CHANG – Do mesmo jeito que as crianças são mandadas à escola antes de procurar um emprego, é preciso que sejam dadas condições para que a indústria acumule capacidade tecnológica e seja capaz de competir com as empresas dos países ricos. O Brasil teve que subsidiar a Embraer no princípio -se ela tivesse sido abandonada na competição com a Bombardier e a Fokker, não teria sobrevivido. O problema é que em alguns países se dá a proteção e nunca se retira, o que deixa as empresas preguiçosas.
FOLHA – Embora o Brasil tenha progredido bastante nas últimas décadas, acredita-se que poderia ir mais longe do que efetivamente tem conseguido. O que o detém?
CHANG – Existem países na África e em algumas partes da Ásia que realmente não sabem o que fazer, mas o Brasil não é uma nação pequena e pobre que não tem recursos. O Brasil construiu uma base industrial gigante, tem empresas de porte global em setores como o aeroespacial, o de álcool, o de petróleo, o de engenharia civil. O maior problema do país tem sido do lado da demanda, uma dificuldade criada pela política monetária excessivamente conservadora, com elevada taxa de juros e enorme superávit primário. Entendo o porquê de ela ter sido adotada no começo.
Havia a hiperinflação, e o espaço para decisões econômicas racionais era pouco. Mas o país está fazendo isso tudo há tempo demais. O fato de uma política ter sido correta em 1996 não significa que ainda é em 2009.
FOLHA – A inflação é um trauma para a população, os empresários e os políticos.
CHANG – Quem sofreu com a hiperinflação depois se torna excessivamente cauteloso, é compreensível. A Alemanha e Taiwan tiveram tal experiência. Mas o Brasil levou essa política longe demais. Se a taxa de juros de um país é alta demais, ninguém quer empreender, pois ter um negócio significa lidar com questões trabalhistas, de distribuição… É mais fácil comprar um título público. Então, as empresas se tornam conservadoras, não tomam nenhum empréstimo para investir, para incrementar sua atividade. As companhias brasileiras são as menos alavancadas do mundo -não que o endividamento seja necessariamente bom, mas ser a última em tomada de crédito mostra que tem algo errado. Na realidade, o Brasil não criou empresas novas nos últimos 10 ou 20 anos, enquanto os demais países seguem avançando rápido.
Dez anos atrás, a China não era nada. Era grande, mas nem chegava perto do Brasil. Agora, compete com o país em muitos mercados. [Exaltado] Eu fico realmente com raiva, porque o Brasil está desperdiçando o grande potencial que possui. É de cortar o coração que esteja voluntariamente se atrasando. Do jeito que é feito, o controle da inflação mata o crescimento.
FOLHA – O senhor acha que os bancos centrais devem ser independentes para decidir essas políticas?
CHANG – Não. Trata-se de uma instituição tão importante, precisa prestar contas. Dada a sua natureza, o banco central tende a favorecer o crescimento do sistema financeiro. Os seus executivos não estão deliberadamente aniquilando os outros setores, mas são naturalmente influenciados por outros banqueiros, com os quais se encontram regularmente.
Sou contra a independência; porém, se ela é concedida, é preciso dar também os objetivos corretos. Na prática, tem sido um pouco diferente nos últimos anos, mas o mandato do Fed [Federal Reserve, o banco central dos EUA] diz explicitamente que a instituição deve cuidar da estabilidade de preços no contexto de crescimento e geração de empregos. O Brasil está pagando um preço muito alto pelo trauma da inflação -é como um cidadão que vivia feliz e, depois de ser assaltado na rua, tranca-se em casa e não quer sair mais. Agora é a hora de seguir em frente, especialmente se os outros países estão baixando os juros. Pode-se reduzir o superávit primário para zero. Neste momento de crise, é difícil para as nações ricas apontar o dedo para o Brasil e falar “Oh, essas medidas estão erradas, você é mau”, porque o Brasil se encontra em posição muito melhor que a delas. Esta é a grande chance. Se o país perder a atual oportunidade, quando vai diminuir os juros? Daqui a três ou quatro anos, quando os outros países voltarem a subir suas taxas, será tarde.
Não sou antibanqueiro, é bom deixar claro. Concordo que banqueiros precisem ser mais conservadores que industriais. Para uma sociedade saudável, no entanto, é essencial equilibrar os interesses dos diferentes grupos.
FOLHA – Sobre comércio internacional, o sr. acha possível um entendimento? As negociações da Rodada Doha se mostraram infrutíferas.
CHANG – O atual sistema representado pela OMC (Organização Mundial do Comércio) é totalmente contra os países em desenvolvimento. Deixe-me usar uma figura que sempre emprego para explicar essa ideia: em muitos esportes, existe a separação de classes por peso. No boxe, por exemplo, a divisão nas categorias mais leves é de um quilo -ou seja, avalia-se que é injusto colocar para lutar duas pessoas cuja diferença de peso seja maior que essa. No comércio internacional, entretanto, acha-se que Honduras deve competir no mesmo nível que os EUA.
Forçar os países em desenvolvimento a empregar políticas que não lhes são apropriadas é matar a galinha dos ovos de ouro. Deixando-os crescer no seu ritmo, vão se tornar no longo prazo grandes mercados consumidores para os produtos dos países ricos. A propriedade intelectual, que é pesadamente protegida pela OMC, deveria ser flexibilizada. Quando precisavam de tecnologia, todos os países ricos se permitiam importar o conhecimento alheio.
As cartilhas sempre enumeram regras: livre comércio, desregulação, privatização. Observando os casos de sucesso, entretanto, nota-se que sempre fizeram diferente do que agora defendem como correto. Ora, os países que julgam que não há diferenças de condições de competição deveriam mandar suas crianças para a guerra. É sério. Precisamos mudar radicalmente a nossa forma de encarar o assunto.
FOLHA – Qual é a sua proposta?
CHANG – Um tipo de protecionismo assimétrico. Os países menos desenvolvidos têm mais proteções e, à medida que avançam, as barreiras diminuem até que possam participar do livre comércio em pé de igualdade com os demais. Um comitê técnico definiria as faixas.
Colocar no mesmo jogo países que não têm forças equivalentes não é o único problema, porém. Os países ricos ainda asseguram proteção para as áreas em que são fracos, como a agricultura. Eles são rígidos em exigir que os países em desenvolvimento eliminem completa e indubitavelmente todas as barreiras aos seus produtos industrializados e em troca dizem que talvez, quem sabe, possam pensar em diminuir os subsídios dados aos seus fazendeiros. O Brasil teria que cortar tarifas a um ponto que não se vê desde a época do colonialismo. Não é surpresa, portanto, que as recentes negociações não tenham chegado a lugar nenhum.
FOLHA – A crise levará a um fechamento de fronteiras comerciais?
CHANG – Acho que é um exagero. Eu critico a OMC, mas não estamos na década de 1930, quando não havia um sistema. Hoje, os países fazem de tudo para trapacear, mas pelo menos as regras estão colocadas.
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