26 jan 2011
Notícias
Matéria publicada em 23.1.2011
Governos e entidades de classe do exterior contatam empresários no país para tentar enviar trabalhadores qualificados
Desenvolvimento faz intermediação de alguns encontros; vinda de profissionais esbarra em custo e burocracia
SHEILA D´AMORIM
DE BRASÍLIA
Com a falta de mão de obra qualificada no Brasil e o excesso de profissionais sem emprego nos países ricos em razão da crise, governos e entidades de classe do exterior têm contatado empresários e associações de engenheiros e arquitetos nacionais para oferecer trabalhadores.
O MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) faz a intermediação de alguns desses encontros, como aconteceu em novembro, com representantes dos Estados Unidos. Outros estão sendo feitos diretamente.
Reunidos na Embaixada dos Estados Unidos em Brasília, a convite do MDIC, empresários assistiram a uma exposição por videoconferência sobre o perfil e a qualificação das empresas americanas na área de arquitetura e engenharia.
“Eles mostraram que têm ociosidade e capacidade para trazer profissionais e empresas para trabalhar aqui”, disse José Carlos Martins, vice-presidente da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), que participou do encontro.
CRISE
“Em razão da crise lá fora, há interesse brutal desses profissionais em vir para cá”, afirmou Marcos Túlio de Melo, presidente do Confea (Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia), também presente ao encontro.
Dos brasileiros os estrangeiros ouviram detalhamento dos investimentos previstos nas áreas de energia, transporte, habitação e saneamento, além do passo a passo de um longo e caro processo para validar diplomas e obter autorização para trabalhar no país.
O tempo pode chegar a oitos meses, e o custo, passar de R$ 15 mil.
A fila de espera para entrada no país inclui engenheiros e arquitetos americanos, espanhóis, italianos, portugueses e ingleses, além de chilenos e argentinos.
CONTRAPARTIDAS
Para o Brasil, encurtar esse processo depende de contrapartidas. Representantes dos trabalhadores querem aproveitar o interesse e abrir oportunidades para brasileiros nesses países ricos.
“Eles tiveram seu momento de expansão e não flexibilizaram [regras] para a gente. Pode ser feito um acordo bilateral de longo prazo. Hoje, a gente não consegue entrar no mercado europeu”, disse Melo, que já se reuniu com representantes dos EUA, da Espanha, do Chile e de Portugal e aguarda um encontro formal com o Reino Unido.
“Queremos contrapartidas e aguardamos manifestação deles”, disse. Segundo ele, o número de pedidos de registro de estrangeiros triplicou em 2010.
Procurado por representantes da Itália, da Espanha e da Argentina, o presidente do Crea (Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia) do Paraná, Álvaro Cabrini, disse que todos ficaram de formalizar os pedidos, “mas até agora não chegou nada”.
“Tenho recebido pedidos para validar diplomas de engenheiros, mas do Mercosul, principalmente, da Argentina.”
Em novembro do ano passado, ele se reuniu com o cônsul argentino para negociar um acordo bilateral que simplifique o processo de entrada no Brasil.
“O Confea exige tradução do diploma, o que tem um custo de R$ 8.000 a R$ 15 mil. Podemos abrir mão disso, já que, no processo, uma universidade já validou o diploma. Isso facilita o trânsito.”
Mas diz que “há resistências da Argentina em receber profissionais brasileiros”.
ANÁLISE TRABALHO
Sem projeto, país vive apagão de talentos
Profissionais são despreparados para a nova empresa, que exige trabalhador que pense com liberdade e autonomia
Tarefa de capacitar gestores que saibam enfrentar os desafios impostos por novas formas de produção de valor deve ser uma ação de continuidade
MARCO TULIO ZANINI
ESPECIAL PARA A FOLHA
Aparentemente, o fato de o governo buscar facilitar a entrada do capital intelectual estrangeiro para atender as demandas internas do país pode nos parecer que se trata somente de um sinal do vigor atual da nossa economia.
Isso procederia, não fosse pelo fato de essa necessidade sinalizar muito mais a falta histórica de um projeto de país que tenha considerado a educação como fator-chave para a formação de especialistas em várias áreas do conhecimento, que hoje são tão necessários.
Primeiramente, devemos nos questionar se, de fato, estamos capturando os melhores cérebros lá fora.
Economias mais competitivas promovem a caça dos cérebros mais brilhantes para alavancar a inovação. Sabemos que, geralmente, não é esse o processo que está acontecendo no Brasil.
Estamos precisando de pessoas com boa formação superior para trabalhar, muitas vezes, em indústrias de baixo valor agregado.
O que mais nos impressiona é que, tantos anos depois de Paulo Freire ter denunciado os ameaçadores defeitos do nosso modelo autoritário de educação, tenhamos feito tão pouco progresso em remover esses entraves.
Somada a nossa contemporânea complacência em relação a uma educação baseada em valores, temos formado profissionais com perfil bastante inadequado para as demandas das empresas contemporâneas.
Salvo honrosas exceções, temos formado legiões de alunos despreparados para o desafio daquilo que se convencionou chamar de Capitalismo do Conhecimento.
Mais do que conteúdos, a nova empresa precisa de profissionais capazes de pensar com liberdade e autonomia.
De se autogerenciar para entregar resultados complexos em cenários imprevisíveis.
A nossa experiência em consultoria nos permite dizer que vivemos algo semelhante a um apagão de talentos.
A falta de um projeto educacional atrelado a um projeto de país que contemple a educação como fator estratégico para o desenvolvimento sustentável da nação nos coloca em forte desvantagem ante outros países, especialmente os asiáticos como a China e a Índia, que estão sabendo colocar na educação o seu projeto de futuro.
Contribuem para essa desvantagem a ausência de valores de produtividade do trabalho e a falta de disseminação da ideia de que a escola precisa ser comunidade de excelência, em que cada indivíduo importa pela capacidade de contribuir com seu talento e fazer a diferença.
A tarefa de capacitar gestores que saibam enfrentar os desafios impostos por novas formas de produção de valor, por meio da aplicação intensiva do conhecimento e de engenheiros e demais profissionais de formação técnica aplicada, deve ser entendida como uma ação de continuidade.
Isso deve ser viabilizado via um projeto educacional que tem o seu início na escola primária, quando os valores que orientam os indivíduos estão sendo sedimentados.
MARCO TULIO ZANINI é consultor de empresas e coordenador do mestrado executivo em Gestão Empresarial da Ebape-FGV.
Espanha vê debandada de engenheiros
LUISA BELCHIOR
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Mergulhada em uma taxa de desemprego duas vezes maior do que a média europeia, a Espanha vê sua mão de obra especializada deixar o país ou buscar trabalho em setores menos qualificados.
O setor da construção, por exemplo, que vivia um de seus melhores momentos antes da crise econômica, é um dos mais atingidos.
Com o estouro da bolha imobiliária, que sustentou o crescimento da Espanha na última década, o número de empregos no setor caiu de 2,697 milhões em 2007 para 2,404 milhões em 2008, ano em que a crise econômica derrubou o ritmo de crescimento do país.
O resultado, além de prédios abandonados em fase de construção por todo o país, é a debandada de mão de obra especializada da Espanha, criando uma nova geração de emigrantes.
Só em 2009, 102.500 espanhóis com alta qualificação deixaram o país, de acordo com o INE (Instituto Nacional de Estatística).
A engenheira Luna Palmis, 25, é uma delas. Desempregada desde fevereiro de 2009, ela decidiu ir a Londres estudar inglês, mas diz que aceitaria uma oferta do governo brasileiro.
“Acho que a situação na Espanha vai melhorar, mas não em um futuro imediato. Sendo otimista, estimaria uns dois ou três anos.”
“Todo mundo está querendo sair daqui. Basta ter uma proposta de trabalho que as pessoas vão, qualquer que seja o país”, disse o arquiteto Javier Alonso, 36, desempregado há sete meses (desde que a construtora onde trabalhava fechou as portas).
“Depois de 2008, todos os meus colegas foram demitidos, aos poucos, à medida que as obras iam acabando. Muitos prédios ficaram pela metade, e as vendas estacionaram”, afirma.
MAIS QUE O DOBRO
Desde de 2009, a taxa de desemprego na Espanha tem oscilado na casa dos 20,6% da população economicamente ativa, mais que o dobro da média da União Europeia, de 9,6%, segundo a Eurostat, agência de estatísticas da União Europeia.
Em números absolutos, são cerca de 4,5 milhões de pessoas desempregadas.
Em valores percentuais, no entanto, dá para ter uma ideia de como a construção perdeu espaço entre a população ativa do país. Em 2004, os empregados do setor (2,463 milhões) representavam 12% dos espanhóis com trabalho. Em 2009, eram 1% da população ativa.
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