Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos

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Operário alemão teme que corte de salário não baste

De Berlim

Marcos de Moura e Souza
 


Fendt, funcionário da Mercedes em sua casa em Berlim:
400 euros a menos por mês


Após 40 anos de Mercedes Benz, Detlef Fendt recebeu no começo do ano uma boa e uma má notícia. A boa notícia era que apesar da crise e da retração da demanda mundial, apesar dos cortes na produção da fábrica da montadora em Berlim, seu emprego estava garantido. A Mercedes assumia o compromisso de não demitir nenhum funcionário até meados de 2010.

 

A má notícia: em troca de manter a mão de obra em tempos difíceis, a empresa iria reduzir a jornada de trabalho e os salários. Fendt, que divide as contas de casa com a mulher, teve um corte de quase um quarto do sua renda. Descontados impostos e contribuições, esse berlinense de 57 anos levava antes para casa ? 1.700 por mês. Mas desde janeiro, seus vencimentos foram enxugados em cerca de ?400.

 

Fendt entrou, assim, para um exército 1,25 milhão de trabalhadores alemães que vivem hoje sob o sistema chamado de kurzarbeit (curto trabalho, literalmente, que implica menos horas de trabalho). Além da Mercedes, Audi, Ford, VW e BMW estão no sistema. Muitas das empresas que fornecem peças para indústria automobilística também aderiram. A Deutsche Bahn, empresa de transporte ferroviário adotou o esquema na sua divisão de transporte de cargas.

 

O sistema é simples: o governo federal isenta, por certo período, as empresas de pagar ao Estado a contribuição referente ao sistema de saúde, aposentadoria e seguro-desemprego. O Estado assume a conta. Em contrapartida, a empresa se compromete a não demitir funcionários no período do benefício, mas está livre para reduzir a jornada de trabalho e os salários. Para o governo, a saída evita uma explosão na taxa de desemprego – hoje em 8,1%, ou 3,4 milhões de pessoas – e contém os gastos com seguro-desemprego. Para as empresas, é uma forma de manter seu quadro e não precisar correr para contratar novos funcionários quando a economia começar a dar sinais de reaquecimento.

 

O sindicato de Fendt, o poderoso IG Metall – o que reúne os metalúrgicos da Alemanha – não teve outra alternativa se não topar o corte salarial de cerca de 90% dos funcionários da fábrica da Mercedes Benz em Berlim. Fendt é o representante sindical na fábrica.

 

“O sindicato teve de fazer concessões, aceitando, por exemplo, salários mais baixos”, disse Fendt ao Valor no início de junho, quando recebeu a reportagem em seu apartamento no segundo andar de um conjunto de prédios baixos na Parchimer Alle, rua tranquila e plana na antiga Berlim Ocidental.

 

Fendt trabalha no setor de ferramentaria da fábrica. Sua jornada semanal era de 37,5 horas. Agora é de 35 horas. O corte salarial foi desproporcional à redução das horas trabalhadas. Durante as negociações que antecederam o início do período de kurzarbeit na Mercedes, em janeiro, o sindicato tentou forçar a empresa a pagar um soma extra de ?900 como compensação para o período de enxugamento salarial. Não colou. Mas a empresa aceitou pagar o valor com 5% de juros em julho de 2010, quando promete voltar ao ritmo normal.

 

“Se não tivessem feito esse esquema de kurzarbeit, teriam de ter cortado 30% dos trabalhadores. Mas com as negociações mantiveram os funcionários e ficamos com o crédito de 900 euros.” Mas seu otimismo dura pouco. “Essa situação de agora era previsível. E a minha previsão e a dos meus colegas é que esse é o começo do fim .Todos estamos conscientes de que depois de 2010 haverá corte de vagas.”

 

Essa é a segunda vez que Fendt se vê nessa situação de trabalhar e ganhar menos. A primeira foi em 1996. Mas, segundo diz, o corte atual é bem mais severo. Se a redução salarial pesou no fim do mês? “Com 400 euros a menos, não tive como não fazer cortes em casa. Foi uma redução significativa.”

 

O sistema de kurzarbeit não é novo na Alemanha. Em crises anteriores, a receita já tinha sido usada. E, no começo dos anos 90, quando muitas empresas da recém-extinta Alemanha Oriental fecharam, o governo criou o esquema de kurzsarbeit-null (algo como redução total de trabalho) no qual bancou por um período os salários dos trabalhadores sem emprego.

 

A diferença é que agora a crise mundial levou o governo da premiê conservadora Angela Merkel a encorajar mais as empresas do país a aderir ao programa. O governo, que no ano passado se propunha a subsidiar por seis meses o sistema de kurzarbeit, ampliou em junho esse prazo para dois anos.

 

Do ponto de vista dos trabalhadores, a vantagem óbvia é a garantia de emprego. A desvantagem, ou o risco, diz Fendt, é que “depois da crise, eles cheguem à conclusão que podem continuar produzindo com menos gente e continuem assim, com menos funcionários.”

 

No começo do ano, a Agência Federal do Trabalho alemã estimou que o custo para manter o esquema este ano seria de ? 1,5 bilhão. O valor certamente será maior devido ao crescente número de trabalhadores e empresas que estão aderindo ao modelo. A mesma agência calcula que o governo gasta aproximadamente ? 500 milhões para cada 100 mil trabalhadores no esquema de kurzarbeit.

 

Para uma economia que deve encolher algo perto de 6% este ano e que registra uma sucessiva queda na arrecadação, a conta dos trabalhadores com jornada reduzida é um peso a mais no Orçamento.

 

Mas o cobertor do kurzarbeit deve render dividendos políticos a Merkel nas eleições parlamentares de setembro. Fendt, um marxista convicto, acredita – e lamenta – que, apesar da crise, muitos trabalhadores que de algum modo estão sendo beneficiados vão votar para a coalizão governista. “Eles têm confiança no governo, acham que o governo adotou algumas medidas erradas, mas que vai superar os problemas.”(MMS)