O mercado automobilístico brasileiro parece estar mesmo “blindado” contra a crise financeira mundial. Enquanto em quase todos os países o que se viu foi queda nas vendas internas de forma violenta, por aqui houve crescimento de 4% no primeiro trimestre do ano. Modesto em números absolutos, mas relativamente gigante. Foram 641.971 automóveis e comerciais leves vendidos de janeiro a março, contra 617.371 unidades nos três primeiros meses de 2008. Só no mês passado foram 260.924 unidades, o que configurou o melhor março da história e o segundo melhor mês de todos os tempos — atrás apenas de julho de 2008, quando foram licenciados 272,9 mil veículos. Também foi o melhor primeiro trimestre. E a reação em relação ao mês anterior foi ainda mais surpreendente, com 36,4% a mais que os 191.335 exemplares de fevereiro.
Nada acontece por acaso. Por trás desse resultado magistral, há um misto de ações promocionais das montadoras e distribuidores, além do “empurrãozinho” do governo federal, com a redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). Concedido em dezembro, o “desconto” na alíquota fez os preços dos carros caírem. Só que o benefício tinha prazo para acabar em 31 de março. E a incerteza da renovação, só oficializada em 1º de abril, contribuiu para alavancar as vendas no mês. “As pessoas anteciparam a compra na incerteza da extensão da medida. Mas não há como mensurar ainda o quanto representou essa antecipação. Abril deve balizar o resultado de março”, avalia Jackson Schneider, presidente da associação nacional de fabricantes.
Incentivo
Agora, com a redução do IPI oficialmente prolongada até o fim de junho, o setor espera que as vendas se estabilizem entre 200 mil e 210 mil unidades mensais. “Se o governo não tivesse feito nada, estaríamos vendendo entre 140 mil e 150 mil carros/mês, o que representaria uma queda violenta em relação aos patamares de 2008”, comemora Sérgio Reze, presidente da federação dos distribuidores. “Talvez em maio ou junho tenhamos uma nova corrida para a compra. Mas esse volume deve se estabilizar mais abaixo nos próximos meses”, opina Júlio Gomes de Almeida, ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda.
Assim, o que deve manter as vendas aquecidas é a soma da redução do IPI com as promoções oferecidas pelas montadoras e concessionários. Em março, foram feirões e descontos convidativos. A Peugeot, por exemplo, deu bônus de R$ 8 mil no 307 sedã. Resultado: o modelo emplacou 1.011 unidades, mais de três vezes além das 326 de fevereiro. “Uma coisa é certa: as margens de lucro das montadoras caíram. E não há como prever até quando isso vai se manter”, pondera Dario Gaspar, consultor da A.T. Kearney. Já o consultor Paulo Garbossa, da ADK Automotive, aponta que “com a redução do IPI foram vendidos modelos mais bem equipados. Ou seja, mais pelo mesmo preço de antes”.
Populares em alta
Mas foram os modelos compactos com motores 1.0 — os isentos da alíquota — que se deram bem com as promoções e, principalmente, com a redução do IPI . O líder Volkswagen Gol somou quase 28 mil emplacamentos, muito mais que as 21.070 unidades de fevereiro. Os Ford Ka e Fiesta também se destacaram, com 6.964 e 7.341 unidades, respectivamente. Com uma política agressiva de promoções e feirões, a GM também fechou março em forte alta. O Chevrolet Celta, que tinha somado 7.588 unidades em janeiro, subiu para 11.370. Já a Meriva saltou das 2.194 unidades de fevereiro para quase 3 mil em março. “As empresas têm dado sequência à estratégia de realizar inúmeras campanhas e feirões para estimular o mercado”, reforça José Carlos Pinheiro Neto, vice-presidente da marca.
Troca
Na luta para manter a liderança, a Fiat também abusou dos feirões. Mas as principais ações foram concentradas no Palio e no Siena. O Palio incorporou o farol de dupla parábola do Siena, enquanto o sedã compacto ganhou nova versão básica EL, com os faróis de parábola simples da antigo do Palio de 2007. Com isso, o Palio reagiu de forma surpreendente, com 19.640 unidades vendidas ante as 12.754 de fevereiro. Já o Siena saltou de 4.828 unidades para 7.413. Só que seu maior rival, o Volkswagen Voyage, também cresceu. Somou 7.402 vendas e ameaça o três volumes da Fiat. Aliás, a própria Volks já tomou da Fiat a liderança entre os automóveis, com 27,4% de participação, contra 25,3% da marca italiana. “A disputa pela liderança será uma constante em 2009. Mas temos as nossas armas para estar sempre à frente na preferência do consumidor”, acredita Lélio Ramos, diretor comercial da Fiat. A briga promete ser boa.
Mercado fechado
O mundo globalizado e a produção em larga escala impedem que uma montadora sobreviva só das vendas em um país. É preciso exportar. Mas como a crise está feia mundo afora, as exportações brasileiras sofreram um baque no primeiro trimestre de 2009. O aumento dos envios para o estrangeiro em 15,5% em março, na comparação com fevereiro — 34,4 mil unidades ante as 29,8 mil –, não foi suficiente nem para repor as perdas. A queda no primeiro trimestre bate os 51,9%. Foram 86 mil unidades exportadas contra os 180,4 mil embarcadas de janeiro a março de 2008. E os resultados negativos devem se estender até o fim do ano. Na projeção da Anfavea, serão 250 mil carros brasileiros a menos rodando lá fora, em relação a 2008.
O tombo acentuado em todos os mercados tem como principal razão a redução nas vendas de veículos nos mercados internacionais, por conta da crise financeira. Um dos maiores destinos dos automóveis nacionais, a Argentina, registrou queda de 13% nas vendas no primeiro trimestre. A Europa, outro tradicional endereço dos modelos brasileiros, sofre ainda mais com a crise. Na Espanha, por exemplo, as vendas de carros novos despencaram 43% em março, enquanto no Reino Unido a queda foi de 30,5%. “Os países estrangeiros que compram os modelos brasileiros estavam com muito estoque. Então, tiveram de cortar drasticamente os pedidos para reduzir os estoques. De modo geral, as exportações só devem se estabilizar no segundo semestre”, acredita Jackson Schneider, presidente da Anfavea.
Fonte: Auto Press