BRASÍLIA – A participação dos negros no mercado de trabalho brasileiro aumentou desde a segunda metade da década de 90. No entanto, as condições de trabalho e de renda ainda continuam muito aquém das registradas pela população branca.
De acordo com o Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil 2007-2008, elaborado pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 20,6 milhões de pessoas ingressaram no mercado de trabalho de 1995 a 2006. Desse número, apenas 7,7 milhões eram brancos. O restante, 12,6 milhões de pessoas, eram pardas e pretas.
No entanto, ao observar o rendimento mensal real do trabalho, a desigualdade de raça e a de gênero prevalecem. O vencimento médio dos homens brancos em todo país equivalia, em 2006, a R$1.164,00, valor 53% maior do que a remuneração obtida pelas mulheres brancas, que era de R$ 744,71. O rendimento dos homens brancos era ainda 98,5% superior ao dos homens negros e pardos, que era de R$ 586,26. Era ainda 200% superior ao rendimento das mulheres negras.
Para o pesquisador do Departamento Intersindical de Estatística e de Estudos Socioeconômicos (Dieese) Clemente Ganz Lúcio, que também integra grupo de trabalho do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) sobre políticas de eqüidade, a diminuição da desigualdade no mercado de trabalho depende de vários fatores, mas especialmente do acesso da população negra à educação de qualidade.
“Os avanços que podem ser conquistados dependem de vários fatores, entre eles, do crescimento econômico, do processo de desenvolvimento, dos ganhos políticos, da democracia. No caso específico dos negros, um dos fatores que contribuem para essa desigualdade é educação, ou seja o acesso à educação de qualidade. Enquanto os negros não chegaram no mesmo ritmo ao ensino universitário, ao ensino técnico, aos postos de trabalho de qualidade, a diferenciação de renda não vai cair.”
O aumento da participação da população negra nos últimos anos no Brasil na população economicamente ativa, na opinião de Clemente Ganz Lúcio, já pode ser reflexo da adoção do sistema de cotas nas universidades a partir de 2003.
“As cotas, em certa medida, geram a oportunidade para a população negra ocupar um espaço cujo acesso exclusivamente meritório, ou seja, pela capacidade, acabava excluindo esses alunos. O que a experiência tem mostrado é que essas pessoas estão tendo um desempenho equivalente ao dos demais estudantes e, portanto, um investimento continuado poderia propiciar essa mudança. As cotas são um remédio doído para a sociedade porque significam reconhecer uma discriminação, mas podem fazer diferença lá na frente. É evidente que, no futuro, se essa situação for superada, a própria política de cotas desaparece”, avaliou.
O diretor de Cooperação e Desenvolvimento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Mário Theodoro, aponta as razões históricas para a desigualdade, mas ressalta, na publicação Desigualdades Raciais, Racismo e Políticas Públicas 120 Anos após a Abolição, o dilema vivido pelo Brasil moderno que “convive e vive da desigualdade”. “No país que convive e vive da desigualdade, o negro, ao perder o lugar central no mundo do trabalho, não deixou de exercer um papel social como o núcleo maior dos pobres, prestadores de serviços aos quais as classes médias recorrem ostensiva e sistematicamente”, destaca.
Para Clemente Ganz Lúcio, é importante destacar o reconhecimento da existência da desigualdade e sua redução ao longo dos últimos anos, um avanço a ser comemorado. “O que nós temos que observar é o fato de que temos uma redução da desigualdade. Ainda é grande, mas até pouco tempo não era nem reconhecida. À medida que se reconhece que a desigualdade é um problema estrutural, ou seja, ele não é momentâneo, faz parte da nossa história e da constituição da organização econômica e social do país, observarmos a mudança no sentido de que a desigualdade é um resultado a ser comemorado”, destacou.
“Deve ser comemorado no sentido de que caminhamos no sentido da redução dessa desigualdade. Deve nos preocupar, deve ser um alerta, deve ser um indicativo de que a gente deve estar o tempo todo combatendo, mas também identificando se as ações que estão sendo implementadas estão contribuindo para que ocorra uma diminuição dessa desigualdade”, acrescentou.
Ele lembrou que a luta contra a discriminação é recente no Brasil e que ainda há muito caminho a ser percorrido para eliminar o problema. “A história nos mostra que os processos sociais que levam a essa mudança não são imediatos, ou seja, é uma construção social que leva tempo. Mais ou menos o tempo de quanto as políticas publicas, os movimentos sociais e a organização da sociedade estão dispostas a promover a transformação daquela realidade. Mas, de todo modo, levam-se anos, gerações para que ocorram mudanças substantivas nesse aspecto. A própria questão da discriminação racial é uma luta dos últimos 100 anos. Pegando a história da humanidade, é uma luta de pouco tempo, assim como a luta pela igualdade entre homens e mulheres. São conquistas que não são pequenas”, avaliou.
Pesquisa divulgada nesta semana pelo Dieese e pela Fundação Seade mostra que os salários pagos na região metropolitana de São Paulo a profissionais não-negros ainda representam o dobro dos rendimentos dos negros. Em 2007, de acordo com a pesquisa, o rendimento médio por hora dos negros era de R$ 4,36, contra R$ 7,98 dos não-negros.