18 jan 2016
Economia
Para tanto, segundo o ministro, seria preciso elevar outro tributo para compensar
Foto de Jorge William / Agência O Globo
Entrevista com o ministro da Fazenda, Joaquim Barbosa
POR MARTHA BECK / BÁRBARA NASCIMENTO / ELIANE OLIVEIRA
O Globo
BRASÍLIA – Se depender do ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, os trabalhadores podem esquecer uma correção da tabela do Imposto de Renda (IR) em 2016. Em entrevista ao GLOBO, ele afirmou que não há espaço no Orçamento para a medida. Para dar esse benefício, explicou Barbosa, seria preciso elevar outro tributo para compensar. Ás vésperas de embarcar para os Alpes Suíços para participar do Fórum Econômico Mundial de Davos, Barbosa disse que está comprometido com a meta fiscal de 2016, mas, pela primeira vez desde que assumiu o cargo, falou abertamente sobre o plano que tanto criou desavenças entre ele e seu antecessor, Joaquim Levy: a adoção de uma meta fiscal flexível e a fixação de um teto para os gastos públicos. Segundo o ministro, esse é um debate que vale ser posto e representa uma reforma fiscal de longo prazo.
O GLOBO – O setor produtivo voltou a bater à porta da Fazenda. O que o governo pode oferecer aos empresários se não há mais espaço para subsídios e desonerações?
NELSON BARBOSA – O que pode ser feito e é consistente com a nossa estratégia macroeconômica, é melhorar o foco e as condições de algumas linhas de crédito direcionado sem requerer equalização de taxas de juros por parte da União. Há uma liquidez maior no sistema financeiro, nos bancos públicos e no FGTS que pode e deve ser canalizada para atender às demandas mais urgentes, que hoje são muito mais de capital de giro. Subsídios setoriais e adicionais para produtos e setores não são possíveis e nem adequados nesse momento. Temos que trabalhar mais em medidas regulatórias que não têm impacto fiscal.
O GLOBO – O setor siderúrgico, por exemplo, vem pedindo que o governo eleve a alíquota de importação do aço para proteger a indústria nacional. Essa é uma medida possível?
BARBOSA – Houve um grupo de trabalho (no governo) que analisou essa demanda e a recomendação foi de não adotar um aumento de tarifa de importação nesse momento. Nós já temos uma tarifa média superior ao que é verificado em outros países. As ações devem se concentrar mais em defesa comercial do que numa elevação de tarifa de importação.
O GLOBO – Como o dinheiro injetado nos bancos públicos pelo pagamento das pedaladas vai ser usado para estimular a economia?
BARBOSA – O Banco do Brasil, por exemplo, pode alocar mais recursos para o crédito agrícola. No caso do FGTS, o aumento da liquidez pode ser direcionado, seja via FI-FGTS, seja via próprio FGTS, para linhas em que ele já atua, como de infraestrutura e financiamento habitacional. No BNDES, há possibilidade de adaptar ou melhorar as linhas existentes para atender demandas de capital de giro, de comércio exterior e é isso que eles estão analisando. Em nenhum caso desses você tem necessidade de equalização por parte da União.
O GLOBO – Aumentar a oferta de crédito na economia não vai na contramão do esforço do Banco Central para combater a inflação?
BARBOSA – Eu não acho que uma melhora no foco e na eficiência do crédito direcionado seja contraditório com o combate à inflação, principalmente se isso é direcionado para o financiamento da produção e do investimento. No ano passado, houve uma queda na oferta de crédito direcionado, então, o que nós estamos fazendo é basicamente uma estabilização da oferta. Isso ajuda a recuperação da economia via investimento e é consistente com o aumento da produtividade e controle da inflação.
O GLOBO – Há espaço para uma correção na tabela do Imposto de Renda (IR), como vem pedindo o PT?
BARBOSA – Não há previsão no Orçamento para a correção da tabela do IR em 2016. Essa correção, por qualquer percentual, teria que ser compensada por uma elevação de receitas em outras áreas, o que eu não acho que seja adequado nesse momento. O nosso foco não é nessa medida nesse momento. Ele está em aprovar as medidas tributárias e de controle de gasto que ainda estão no Congresso Nacional, especialmente a CPMF, a DRU (Desvinculação de Receitas da União) e as demais medidas que foram encaminhadas no ano passado, mas que ainda não foram aprovadas.
O GLOBO – O PT também defende ações como usar reservas para estimular a economia, tributar grandes fortunas e acabar com a isenção de IR sobre lucros e dividendos. Alguma delas poderia ser acolhida?
BARBOSA – É natural que os partidos apresentem propostas e que o Executivo avalie e apresente o que entendemos ser a melhor sequência de ações no momento. O melhor agora é completar o ajuste fiscal e evoluir para a reforma fiscal, com controle do crescimento do gasto obrigatório da União. Podemos evoluir para outras propostas, mas nessa questão específica de tributação, temos tempo para discutir, amadurecer e eventualmente adotar alguma medida, se for o caso, somente para 2017.
O GLOBO – E que medidas o senhor acha que poderiam ser adotadas?
BARBOSA – Não estamos focados nessa discussão imediatamente. Nosso objetivo é completar as medidas que precisam ser aprovadas no Congresso e eventualmente inserir essas discussões (propostas pelo PT), sejam de tributação e de controle de gastos, no âmbito de uma reforma fiscal. Há uma diferença entre reforma fiscal e ajuste fiscal.
O GLOBO – Qual é a diferença?
BARBOSA – O ajuste inclui medidas de curto prazo para produzir um resultado de curto prazo. Elas não produzem resultado por dois ou três anos. A reforma fiscal produz um resultado duradouro. A questão da previdência, por exemplo, é uma medida de reforma fiscal. Ela tem impacto muito pequeno no curto prazo e vai crescendo ao longo do tempo.
O GLOBO – O senhor é defensor de um regime de metas fiscais flexíveis e do estabelecimento de um teto para os gastos públicos. Essa é a reforma fiscal que o senhor propõe?
BARBOSA – É importante ter uma discussão aberta. Existe um consenso crescente de que é preciso evoluir para uma regra que tenha maior controle sobre o crescimento do gasto. Em certa medida, é o que estamos tentando fazer com gastos discricionários através do contingenciamento, e com gastos obrigatórios, através de reformas no abono salarial, seguro-desemprego e pensão por morte. O caminho é combinar metas de gasto, com metas de resultado (primário). Aí você consegue ter o controle mais efetivo sobre a situação fiscal.
O GLOBO – Quando esse debate pode ser colocado?
BARBOSA – Ao longo desse ano. A meta de 2016 está colocada. Agora, a discussão continua para os outros anos. Em abril, vamos enviar nossas propostas para 2017. A ideia geral é ter regras que permitam que a economia lide com flutuações macroeconômicas, principalmente se isso vem de flutuações de receitas decorrentes de mudanças abruptas na economia nacional e mundial. Um princípio básico da economia é que os agentes têm muito mais controle sobre o que gastam do que sobre o que eles recebem. Por isso, as regras fiscais têm que evoluir mais para o controle do gasto, combinado meta de resultado, que pode ser mais flexível.
O GLOBO – Como está a sua relação com o mercado? O senhor acha que há uma má vontade em relação a sua posição à frente da economia?
BARBOSA – Acho que minhas conversas com o mercado têm sido positivas. Nessas questões práticas o mercado também é muito prático. Então as pessoas evitam a personalização das questões. Nós estamos atravessando uma fase ainda de turbulência. Há uma expectativa de redução da inflação, mas na questão fiscal ainda há uma incerteza e é natural que nesse período de incerteza o mercado se torne mais volátil ou mais apreensivo. É nosso trabalho diminuir isso. Dar mais e mais previsibilidade mesmo nesse contexto de turbulência. À medida que nossas ações comecem a produzir resultados esperados, essa confiança é restaurada.
O GLOBO – O senhor não acha que o debate sobre bandas da meta fiscal, de reforma fiscal, pode ser visto como uma coisa perigosa pelos mais ortodoxos?
BARBOSA – A meta de 2016 está dada. Vamos tomar as medidas necessárias para elevar o (resultado) primário ao valor programado pelo Congresso. E o compromisso com o equilíbrio fiscal continua, tanto que nossa discussão está cada vez mais centrada no controle do gasto obrigatório. Controlando o crescimento do gasto, você atinge o equilíbrio fiscal de forma duradoura.
O GLOBO – O governo vai conseguir cumprir a meta fiscal de 0,5% do PIB proposta para 2016?
BARBOSA – Vamos perseguir essa meta tomando todas as medidas necessárias para cumpri-la. Isso envolve não só ações administrativas de controle de gastos de custeio, mas continuar num esforço de melhora da arrecadação e também a aprovação de medidas legislativas. A meta de 0,5% inclui, dentre outras coisas, aaprovação da CPMF até maio, de modo que ela possa gerar receita a partir de setembro. Vamos seguir a sequência natural da política fiscal. Fazer revisões e publicar o primeiro decreto de programação orçamentária, que deve conter um contingenciamento necessário para cumprir a meta. Vamos nos empenhar em cumprir a meta, que depende da colaboração do Congresso.
O GLOBO – Que arma o governo tem para aprovar a CPMF?
BARBOSA – Há entendimento crescente de que a CPMF é uma poupança necessária nesse momento de maior restrição fiscal. É um tributo temporário, necessário para promover o reequilíbrio fiscal, enquanto construímos propostas de longo prazo.
O GLOBO – E se a CPMF não for aprovada?
BARBOSA – Estamos confiantes de que a CPMF vai ser aprovada e vamos construir um consenso em torno dessa medida.
O GLOBO – Como o governo conseguirá aprovar uma reforma da Previdência num momento de tanta fragilidade política?
BARBOSA – A gente não deve deixar o momento político atrasar ou impedir as discussões das questões relevantes para o país. A questão da previdência é relevante para o país. Já fizemos vários levantamentos das questões previdenciárias. Existem várias alternativas e pretendemos discutir isso no fórum da previdência. Há um consenso crescente em relação às regras de idade, porque a idade média de aposentadoria no Brasil ainda é muito mais baixa do que a verifica em outras economias desenvolvidas e emergentes e é preciso atuar nessa área. Chegou o momento de nós discutirmos a questão da idade. Não há porque interditar o debate sobre idade. Até para preservar a previdência social. Como temos colocado, é preciso reformar para preservar os programas prioritários do governo e isso é uma parte natural de qualquer política econômica.
O GLOBO – E reforma trabalhista?
BARBOSA – Há uma tendência de você promover acordos coletivos específicos em algumas áreas, em algumas ocasiões. Nós já fizemos isso no ano passado com o programa de proteção ao emprego (PPE), que é em certa medida uma flexibilização: permite redução de jornada com redução de salário por um tempo definido e com apoio parcial do governo. Nesse âmbito, havia uma discussão, a partir de uma proposta que foi feita por algumas centrais sindicais no passado, de se definir condições nas quais um acordo coletivo pode flexibilizar uma ou outra condição desde que ele respeite algumas regras, como ter 60% da força de trabalho representada por sindicato. Essa é uma proposta que poderia ser a base para um novo aperfeiçoamento. Agora, nesse momento de aumento do desemprego, várias lideranças sindicais manifestaram restrição a esse tipo de discussão. Eu acho que uma coisa não impede a outra, a gente pode discutir essas medidas estruturais e ao mesmo tempo trabalhar para recuperação do crescimento e do emprego.
O GLOBO – Quando vamos conseguir ver alguma reação da economia?
BARBOSA – As previsões iniciais do mercado indicam uma queda no nível de atividade nesse início de ano. O nosso desafio é estabilizar o nível de atividade o mais rápido possível, eu acho que é possível tentar fazer isso até meados desse ano.
O GLOBO – Mas já haverá uma recuperação no fim desse ano?
BARBOSA – Vamos estabilizar o nível de atividade, estamos trabalhando com esse objetivo principal.
O GLOBO – Qual é o grau de preocupação do senhor hoje com essa taxa de desemprego?
BARBOSA – A taxa de desemprego é uma preocupação do governo porque o emprego é a melhor política de inclusão social que existe. Com a geração de emprego é que você dá oportunidade para as pessoas entrarem na economia formal e serem donos do seu próprio destino. Nós estamos atravessando uma fase de retração da atividade econômica, o emprego normalmente reflete as condições de atividade de alguns meses atrás, o que os economistas chamam de indicador defasado. Então, por isso, ao estabilizar o nível de atividade econômica nós também vamos estabilizar a taxa de desemprego e esperamos voltar a gerar mais empregos já no segundo semestre desse ano.
O GLOBO – A Petrobras teve que rever o plano de investimento dela de novo e está com dificuldade de fazer venda de ativos. Nesse cenário, qual é a disposição do governo de ajudar a Petrobras?
BARBOSA – Temos dado todo o apoio que a Petrobras necessita através da reformulação da diretoria da companhia, por meio da indicação do conselho de administração com representantes do setor privado para representar o acionista governo. A Petrobras tem autonomia para gerir sua política de preços e especialmente sua política de investimentos. Pelos informes que a companhia soltou nos últimos dias, eles têm uma programação de liquidez que permite a eles atravessar esse ano e o ano que vem sem ter que recorrer a nenhum financiamento externo. E continuarão com esse projeto de reestruturação. A Petrobras tem a capacidade financeira e administrativa de atravessar esse período turbulento e prosseguir num processo de reprogramação dos seus investimentos para essa nova realidade do mercado de petróleo.
O GLOBO – Mas câmbio e queda do preço do barril de petróleo são imprevisíveis. Existe outra forma de ajudar?
BARBOSA – Nesse momento não estamos considerando reforços de capital até porque a empresa se programou para atravessar esses períodos turbulentos. Ela tem uma programação de caixa para atender a todas as suas obrigações financeiras de curto prazo e ao mesmo tempo está empreendendo uma reestruturação de investimentos, focando naquilo que é mais crucial e obtendo liquidez com a venda de participações que não são cruciais para a companhia.
O GLOBO – Mas na prática ela só conseguiu, até agora, a Gaspetro…
BARBOSA – Mas tem um programa de desinvestimento que chega, pelo anunciado pela companhia, a US$ 15 bilhões ao longo dos próximos meses. A Petrobras, como qualquer companhia, tem que administrar a velocidade dessas vendas de acordo com a evolução do mercado.
O GLOBO – Qual é a mensagem que o senhor vai levar para Davos?
BARBOSA – Vamos ouvir sugestões, críticas, oportunidades que se abrem ao país e passar o que sabemos: o Brasil é democracia avançada, com instituições fortes e lideranças capazes de resolver nossos próprios problemas. O maior desafio é fiscal, a superação depende de nós, da construção de um consenso de uma política de reequilíbrio fiscal com ações de curto e longo prazo. Como envolvem reformas estruturais, não são feitas rapidamente. É importante atuar na direção certa e é o que estamos fazendo. Apesar das flutuações recentes nas notas de crédito, investir em títulos e ativos brasileiros continua sendo bom negócio. Nossos ativos são seguros, com boa rentabilidade, e o Brasil tem tradição de respeitar contratos.