Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos

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Na luta

Reportagem de Raquel Secco
 

Apesar das divergências iniciais, e habituais, da CUT e da Força Sindical sobre a redução da jornada de trabalho e dos salários as duas maiores centrais sindicais, juntas, pouparam muitas vagas de emprego Brasil afora e mostraram que os sindicatos ainda têm algum vigor na luta pela manutenção da força de trabalho e de seus direitos. E que este é o momento de serem repensados conceitos e ações.

 

Pois a informalidade que o mercado de trabalho exerce desde os anos 90, e o atraso nas reformas sindical, fiscal e trabalhista prometidas no começo do atual governo, são algumas das questões geradoras do enfraquecimento do movimento sindical e devem ser enfrentadas.

 

Espaços ganhos. Valter Sanches, secretário geral da Confederação Nacional dos Metalúrgicos, CNM, único representante brasileiro no conselho de administração da Mercedes-Benz, não acredita que o movimento sindical esteja enfraquecido. Para ele a crise tem revelado sindicatos menores e menos representativos conquistando espaço via luta pela garantia de direitos e conquistas: suspensão de contratos temporários, adoção de bancos de horas, redução da jornada e de salários e complementação nominal dos salários com o vale compra.

 

Sanches acredita, de maneira geral, que o sindicalismo avançou na comparação com 2002: recuperou 750 mil postos de trabalho, obteve reduções da jornada e aumento real dos salários no acumulado nos últimos cinco anos.

 

Sérgio Nobre, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, confirma que os sindicatos com poder de negociação conseguiram intervir, evitar demissões e fazer acordos mas adverte que o que se tem visto é a repetição de jogo de força do qual saem perdendo os trabalhadores. O caminho seria o fortalecimento do sindicalismo: aposta no fim do imposto sindical e do monopólio de representação e na regulamentação da representação sindical nos locais de trabalho.

 

“Um sindicato forte é independente do imposto sindical. Sua força está baseada no total de trabalhadores que representa e na sua atuação dentro das empresas.”

 

Arnaldo Mazzei Nogueira, professor das faculdades de Economia, Administração e Ciências Contábeis da USP e da PUC SP, tem visão mais ampla. Acredita que quando o governo iniciou a cooptação sindical provocou seu fortalecimento burocrático e institucional e a consequente desorganização das bases. O recurso financeiro garantido provoca a acomodação dos sindicatos:

 

“O sindicato de luta, forte e organizado, é aquele com respaldo das bases e que responde aos anseios e às expectativas dos trabalhadores. Não existe sindicato forte se não houver organização nas fábricas”.

 

Miguel Torres e João Carlos Gonçalves, o Juruna, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e secretário geral da Força Sindical, apoiam a efetivação da representação sindical nas empresas como forma de fortalecer os sindicatos, melhorar as negociações e, desta maneira, assegurar empregos e direitos.

 

Nogueira, da USP e da PUC, sabe que “a presença do sindicato junto aos trabalhadores faz a diferença”, e calcula que, no Brasil, “só 3% dos sindicatos conseguem dar respostas necessárias às suas bases e são os da indústria automotiva e dos bancos”.

 

Torres e Gonçalves consideram imperativo que o governo adote medidas, imediatas, que garantam a representação sindical nas fábricas e a manutenção da força de trabalho, com dispositivos que restrinjam e dificultem as demissões.

 

Das empresas automotivas Nogueira cita a Mercedes-Benz como paradigma avançado nas relações de trabalho no Brasil, pois controla os processos internos com transparência nas relações e excelente grau de negociação diante dos problemas.

 

Ruy Braga, professor da FFLCH, da USP, e especialista em sociologia do trabalho, assegura ser este o momento de o governo exercer o papel de garantidor do emprego, com medidas efetivas para coibir as demissões. A adoção da Convenção 158 da OIT, Organização Internacional do Trabalho, que dificulta as demissões imotivadas, associada a políticas de estímulo ao emprego formal, seriam atitudes esperadas e cabíveis do Estado.

 

Nogueira concorda em parte: a interferência do Estado só valeria se fossem adotadas políticas contra a desvalorização do trabalho.

 

Miguel Jorge, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, discorda. E adverte não ser seguro rever relações em momentos de turbulência, preferindo que novas posturas sejam discutidas sempre em situação de normalidade, evitando futuros efeitos negativos.

 

Expectador de considerável parcela das crises econômicas pelas quais o País passou Almir Pazzianotto, ex-ministro do Trabalho e do TST, ainda não se julga preparado para dimensionar a real extensão desta crise. Mas é categórico ao afirmar que neste momento todos os envolvidos terão que aceitar perder: empregadores, empregados e, principalmente, o governo.

 

“O importante, em situações como esta, é a sobrevivência das companhias e a manutenção do maior número possível de empregos, ainda que parte da força de trabalho tenha que ser sacrificada.”

 

Uma das maneiras de minimizar os danos seria a aplicação da Lei 4 923/65, conhecida como Lei de Crise, que prevê a redução temporária dos salários para evitar demissões coletivas. A norma tem sido adotada em diversas negociações mas enfrenta a resistência de algumas centrais sindicais.

 

“As empresas não conseguem controlar a demanda, as taxas de juros e os impostos, e a saída é adequar a força de trabalho. Isto prioritariamente tem que incluir os altos executivos, pois a área administrativa muitas vezes é a concentradora da gordura.”

 

A questão a ser avaliada, lembra o ex-ministro, é o histórico papel dos trabalhadores como principal fator de ajuste contábil das empresas diante das variações das demandas. Este é contrasenso bilateral que ignora o peso dos impostos e das contribuições da força de trabalho como uma das fontes dos recursos captados pelo FAT, Fundo de Amparo ao Trabalhador, e que compõem, de maneira substancial, o caixa do BNDES, muito utilizado pelo governo para financiar medidas anticrise.

 

Outro aspecto a ser ponderado: empresas que consideram exclusivamente a manutenção das taxas de lucro e optam por demitir provocam quebra no ciclo do consumo, fazem baixar a arrecadação do Estado e os dividendos para os acionistas.

 

Do ponto de vista do professor Mazzei Nogueira o capitalismo neoliberal desorganizou o próprio capitalismo e levou os Estados Unidos e a Europa a adotarem medidas intervencionistas ao término da era das relações trabalhistas flexíveis e diante de possível retrocesso das idéias econômicas de Keynes e das ações de Roosevelt. Porém alerta que este retorno não pode acontecer na questão trabalho: “É necessário rever o papel do trabalho e de sua desvalorização para que seja dado um passo à frente”.

 

Ressalva não condenar as empresas ao prejuízo mas, sim, tornar possível o diagnóstico dos fatores prejudiciais ao processo. Cita como exemplo o uso da redução das margens de lucro e das taxas de acumulação para garantir algum fôlego em vez de levar empregos à ara de sacrifícios: “Como analista vejo que a época da flexibilidade acabou. Estamos na era da proteção do trabalho mas não do assistencialismo”.

 

Esta tese tem sido apoiada por economistas e especialistas da área do trabalho: a volta da maior participação dos governos nas economias. Medidas desta natureza estão sendo adotadas, aos poucos, nos Estados Unidos e Europa.

 

Os Estados Unidos, berço da economia neoliberal, começaram a adotar política intervencionista com o objetivo de proteger a ordem do consumo e da demanda. Richard Layard, criador e diretor do Centro de Desempenho da Economia da Escola de Economia de Londres, em artigo recente no jornal inglês Financial Times, assegura que dentre outras coisas é necessária a adoção de um modelo mais humano de capitalismo.

 

Aqui as decisões do governo precisam ser mais incisivas e exigem o fortalecimento dos sindicatos e a valorização da força de trabalho.

 

Defensor da redução das taxas de juros e da carga tributária como parte das medidas a serem adotadas pelo governo antes do término do segundo trimestre, para garantir condições de recuperação em junho, julho, o ex-ministro Pazzianotto acredita ser o momento de o Estado dar sua cota de sacrifício por meio de ações de desoneração sobre atividades produtivas, físicas e jurídicas.

 

“As mudanças necessárias para o equilíbrio da economia precisam ser realizadas agora, pelo governo, como o fortalecimento da força de trabalho e a presença dos sindicatos dentro das empresas. E o sacrifício maior não pode ser mais o do trabalhador: o Estado tem usado verbas do FAT para socorrer alguns setores sem cobrar contrapartidas.”

 

É Coerente. O ministro Miguel Jorge é favorável à exigência de contrapartidas toda vez que o governo concede benefícios a um setor específico, o que não foi feito até o momento: “Caso a redução do IPI para veículos seja prorrogada é coerente exigir das empresas a manutenção dos empregos à medida que o governo abre mão de receita”.

 

De olho nas eleições presidenciais o governo não deverá tomar medidas mais ousadas, deixando para o futuro a resolução das questões sindical, fiscal e trabalhista. Caberá a próximos governos a solução destas encrencas. As atitudes serão conservadoras como as tomadas até aqui, e na opinião do professor Ruy Braga provocarão aprofundamento e prolongamento da crise no País.

 

Não ao cavalo de pau

 

Ao aceitar o desafio de instituir a primeira representação sindical dentro de uma fábrica no Brasil Luiz Adelar Scheuer, então vice-presidente de RH da Mercedes-Benz, não imaginou as encrencas no caminho e nem os resultados finais, altamente positivos.

 

Hoje tem a certeza de que a saída para a atual crise passa pela relação de confiança das partes. Para Scheuer quando os empregados sentem confiança e seguranças na direção da companhia agem de maneira responsável como conjunto da empresa.

 

“O sistema de representação ativa exige muita disposição dos dirigentes, pois é possível, mais, adotar metódos ultrapassados, da era escravocrata ou do começo do capitalismo.”

 

O início do processo na Mercedes-Benz coincide com a democratização do País e com o ressurgimento do sindicalismo no fim dos 70, quando a empresa anteviu a necessidade de modernizar seu sistema de gestão e abriu canal de comunicação direta com os funcionários, que efetivamente conheciam virtudes e deficiências do processo produtivo.

 

Depois de muitas idas à Europa enfrentou a oposição do sindicato, que temia perder força, e o despreparo das chefias, habituadas ao autoritarismo.

 

Scheuer e a Mercedes-Benz foram criticados no meio empresarial. Mas ele ainda acredita que a capacitação dos trabalhadores e dos sindicalistas é a melhor maneira de ajudar a gerir uma companhia. Organizou viagens com gente do sindicato para a Europa para que conhecessem realidades diferentes e formas mais modernas.

 

A exatidão de sua aposta veio com a rápida qualificação dos representantes da Mercedes-Benz. Hoje fazem parte do conselho administrativo mundial, participam do processo decisório da empresa, o que ajuda a conseguir investimentos produtivos.

 

A abertura, a transparência e a confiança nas relações das quais Scheuer participou ativamente até 2005, quando deixou a empresa, garantiram pioneirismo à Mercedes-Benz: pagamento de salários adicionais nas demissões voluntárias, participação nos lucros.

 

A primeira permitiu a redução de 5 mil postos de trabalho durante a crise dos 90 graças ao apoio sindical. Na época existiam cerca de 3 mil aposentados em atividade na empresa e a própria representação ajudou a mostrar a importância destes profissionais aderirem ao PDV com garantia salarial adicional como maneira de abrir oportunidades para os mais jovens. Já o programa de participação dos lucros foi a solução adotada para reduzir o absenteísmo, garantindo aumento de produtividade real.

 

“São duas rodas sobre dois trilhos, o capital e o trabalho, com o mesmo objetivo: se uma avançar mais do que a outra resultará em cavalo de pau”.

 

Experiência prolongada

 

Algumas empresas já perceberam as vantagens de contar com a representação na fábrica – e não só nos momentos de retração. A primeira a adotá-la foi a Mercedes-Benz na década de 80. Outro exemplo é o da MWM International, que recentemente equiparou o número de representantes sindicais nas plantas de São Paulo e Canoas, RS: agora são cinco em cada uma delas.

 

De acordo com o presidente Waldey Sanchez no momento em que a direção da empresa percebeu a necessidade de reagir aos cortes dos pedidos a ajuda destes interlocutores foi de grande importância e tornou o processo mais rápido e tranquilo.

 

Os acordos assinados em fevereiro reduziram em 20% a jornada de trabalho e em 15,75% os salários, o que evitou a dispensa de 25% do quadro funcional. A reposição salarial ocorrerá de maneira gradual assim que a produção atingir as 10,8 mil unidades/mês.

 

“Vemos o sindicato e seus representantes internos como parceiros que, mesmo com metas de negociações diferentes, têm o objetivo comum de proteger a empresa, os empregados e a inteligência.”

Publicada na Revista AUTODATA, edição 235, de março de 2009

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