Silvia Costanti/Valor |
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Raimundo Silva, prensista: “Não tem sentimento pior que acordar e não ter o que fazer. O benefício bota arroz na panela” |
Depois de 13 anos trabalhando na mesma empresa de autopeças, Raimundo Pereira da Silva foi demitido em dezembro de 2008, no auge da crise mundial eclodida três meses antes. A empresa, Fiel, faliu e colocou Raimundo e todos seus colegas na rua. Instruídos pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, os trabalhadores deram entrada no seguro-desemprego. Coincidentemente, a partir daquele mês começava a valer uma das primeiras medidas anticíclicas do governo: a extensão do seguro-desemprego para dez categorias, entre elas a dos metalúrgicos. Raimundo passou a receber R$ 825 por mês – bem menos do que recebia anteriormente, por volta de R$ 1,5 mil – já em janeiro de 2009. “Passei os sete meses seguintes me segurando com o benefício e procurando emprego”, diz Silva.
Depois que o seguro-desemprego venceu, em agosto, ele ainda passou três meses procurando uma vaga até conseguir, no fim de novembro, um emprego com função semelhante à anterior. “Aquela crise pegou todos de calça curta. Estava todo mundo bem, comprando carro e tudo o mais. Depois, parou tudo. Se não fosse o seguro-desemprego, muitos trabalhadores teriam passado fome.”
Na mesma situação de Raimundo, outros 8.262 metalúrgicos paulistas deram entrada no seguro-desemprego em dezembro de 2008. Mais 9.249 pediram o benefício em janeiro. Segundo dados do Ministério do Trabalho, nos dois meses em que o seguro-desemprego estendido valeu – dezembro de 2008 e janeiro de 2009 – 216,5 mil trabalhadores dos dez setores selecionados (metalurgia, mecânica, alimentos e bebidas, material elétrico, material de transporte, madeira e mobiliário, química, têxtil, extrativa mineral e borracha, fumo e couro) deram entrada no benefício. Desses, 128,9 mil utilizaram o seguro-desemprego estendido até o fim. Segundo informou o ministério, o custo das parcelas adicionais foi de R$ 164,8 milhões, com o valor médio da parcela de R$ 639,42.
A ampliação do seguro-desemprego em duas parcelas, a setores específicos, segue a previsão da Lei 8.900, de 30/6/94. Segundo o dispositivo, o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat), que operacionaliza o benefício, pode ampliar as parcelas mínimas (de duração de três meses) e máximas (cinco meses) em dois meses.
Os dados do Ministério do Trabalho relativos ao seguro-desemprego confirmam o movimento de alta verificado no acirramento das turbulências mundiais e um menor uso nos meses de retomada do emprego. No auge da crise (seis meses entre o quarto trimestre de 2008 e o primeiro do ano passado), o número de trabalhadores que solicitou o seguro-desemprego foi 18,6% maior que em igual período de 2007 para 2008 – ao todo, 682,6 mil pessoas. Nos últimos seis meses (agosto de 2009 a janeiro de 2010, último dado disponível), o total de requerentes já foi 33% menor.
Os gastos com a transferência de dinheiro para amparar os trabalhadores demitidos, contudo, se ampliaram como consequência da crise e continuam crescendo. Numa média móvel de 12 meses construída pelo ValorData a partir de janeiro de 2007, os gastos com benefícios do seguro-desemprego se descolam da evolução mensal vagarosa a partir de janeiro de 2009, se elevando praticamente sem sobressaltos até janeiro de 2010.
Parte da explicação para o fato dos gastos continuarem se ampliando mesmo após a retomada do crescimento é que o valor do benefício transferido pelo governo passou por forte reajuste. O seguro-desemprego, nos últimos dois anos, sofreu correções semelhantes às do salário mínimo. Assim, em 2009, os benefícios ficaram 12% maiores e, neste ano, foram reajustados em mais 9,7%.
Em outra série, que leva em conta os requerentes, segurados (aqueles que tiveram o benefício aprovado) e beneficiários, a média móvel em 12 meses começa a ceder a partir de agosto do ano passado. Em janeiro deste ano, segundo dados do Ministério do Trabalho, o número de trabalhadores que deram entrada no seguro-desemprego, 619,4 mil, foi o menor desde outubro de 2008.
“A pior humilhação para um trabalhador é sair de uma situação em que está tudo bem para o desemprego. Sair batendo de porta em porta à procura de emprego não é fácil”, diz Raimundo. O metalúrgico conta que, nos dez meses em que ficou desempregado – dos quais sete passou recebendo o seguro-desemprego -, ao menos duas vezes por semana fazia a pé o trajeto entre a região do Brás, zona leste de São Paulo, e Santo André, na região metropolitana. “Se fizesse de trem, não passava na porta de nenhuma empresa e ainda gastava com a passagem”, diz.
“Toda ajuda que vier para o trabalhador desempregado significa mais arroz na panela e família mais unida”, afirma Raimundo, que, além de perder o emprego, também estava sem receber o equivalente a sete anos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) devidos pela empresa. “Ainda estou sem receber, mas ao menos passei pouco tempo desempregado”, diz.
Para Roberto Gonzalez, que chefia a Coordenação de Trabalho e Renda do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a principal função do seguro-desemprego é servir de “colchão” para problemas pontuais no mercado de trabalho. “O seguro-desemprego mantém o consumo das famílias constante. Em termos distributivos, a transferência direta, por parte do governo, é dinâmica”, afirma Gonzalez. Para ele, o uso do seguro-desemprego ao longo do ano passado “mostrou que, como medida emergencial de combate à uma grave crise, o benefício foi bem sucedido”. As categorias que tiveram as parcelas do benefício ampliado, diz Gonzalez, pertenciam a setores que, no curto prazo, não voltariam a contratar. “A duração mais longa coincidiu com a retomada da economia”, afirma.
O Produto Interno Bruto (PIB) caiu 3,5% no último trimestre de 2008 e outros 0,9% nos primeiros três meses de 2009 na comparação com o fim do ano anterior. Nos seis meses entre outubro de 2008 e março do ano passado, o mercado de trabalho formal teve saldo líquido negativo de quase 700 mil vagas. No mesmo período, um ano antes, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) apontava saldo positivo de 564,8 mil postos de trabalho.
Nelson Marconi, especialista de contas públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV), avalia que o seguro-desemprego, na crise, agiu como “estabilizador de política fiscal”, garantindo o bom funcionamento da atividade. “Trata-se de um benefício curto, que dura menos de um semestre em sua modalidade normal, e foi bem utilizado para combater a crise.”