Com apoio do Centro de Memória Sindical, a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) iniciou a organização de seu acervo histórico. Nesta entrevista ao Vermelho, Carolina Maria Ruy, coordenadora do Centro de Memória Sindical, fala sobre a história e o funcionamento do arquivo e ressalta a importância de suas parcerias do CMS com entidades sindicais.
Por Val Gomes (*)
CMS
João Carlos Gonçalves e Carolina Maria Ruy na abertura da
exposição dos 50 anos do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, em 2013
O Centro de Memória Sindical (CMS) fica na Rua do Carmo, no antigo prédio do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, atual Sindicato Nacional dos Aposentados. O que é feito naquele espaço?
Atualmente estamos em processo de reorganização do acervo. Temos materiais como jornais, atas de sindicatos, revistas e também um grande conjunto (mais de mil horas) de depoimentos. Como parte destes depoimentos foram realizados entre 1978 e 1991, estão em laudas, datilografadas, ou em fitas cassete. Estamos nos dedicando a converter as fitas cassete para mp3. O Felipe Cunha, estagiário do CMS, é quem está fazendo isso, usando um aparelho especial que faz essa conversão. Os depoimentos em laudas também estão sendo transcritos.
Também contratamos uma especialista em restauração, a Isabel Garcia, para restaurar os jornais. Seu trabalho é minucioso e artesanal. Além de limpar os jornais ela devolve a, vamos dizer assim, mobilidade das folhas através de um processo de hidratação do papel. Aí ela cria pastas para cada exemplar com papel offset costurado com linhas. É demorado, mas vale a pena.
Isso tudo fora o trabalho cotidiano de organizar o acervo e as caixas com documentos. Também recebemos doações, o que demanda mais trabalho de separação e organização. Recentemente recebemos doações da Federação dos Metalúrgicos do Estado de São Paulo, da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações, da Secretaria da Mulher da Força Sindical e, falando de pessoas físicas, do Arnaldo Gonçalves e do João Guilherme Vargas Neto. Estas foram doações grandes, mas nunca deixamos de receber material, como os jornais dos sindicatos, por exemplo.
Tais ações fundamentais propiciam atividades como: debates, artigos sobre cultura e memória sindical e a realização de projetos de resgate histórico de sindicatos ou entidades sindicais.
Neste momento estamos trabalhando em um projeto sobre a história do Sindicato dos Têxteis de São Paulo.
Após ser fundado em 1980, o CMS funcionou (como um arquivo e também fazendo publicações, cursos de formação, etc.) até o início da década de 1990. O que ocorreu após este período? Fale um pouco sobre o resgate do Centro.
Quando foi criado, em 1980, a ideia era que o Centro de Memória Sindical funcionasse como uma instituição intersindical, que prestasse serviços para os Sindicatos e fosse mantida por eles, como o Dieese e o Diesat. Isso funcionou bem até o início da década de 1990. Mas, entre meados de 1990 e 2010, o Centro viveu uma fase de esquecimento, mantendo-se com um investimento mínimo. É importante ressaltar que, mesmo neste período, alguns sindicatos, como o dos Metalúrgicos de Osasco, Metalúrgicos de Guarulhos, Telefônicos de São Paulo (Sintetel) e os Têxteis de São Paulo continuaram contribuindo. Até que em 2010, as pessoas que se preocupam em preservar a história, entre as quais destaco o Milton Cavalo, que é o presidente atual do CMS e tesoureiro do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, e o João Carlos Gonçalves, o Juruna, Secretário Geral da Força Sindical, investiram na recuperação do Centro.
Fizemos a mudança e temos feito um trabalho de recuperação do acervo e promoção de atividades. Embora a Força Sindical tenha ajudado muito em sua recuperação, o Centro é uma entidade independente, intersindical. Estamos abertos à filiações de sindicatos de todas as centrais. Temos sindicatos filiados que são da UGT, os Comerciários de São Paulo e os Telefônicos de São Paulo.
Estamos também cooperando com os companheiros da CTB para organizar o arquivo deles, na sede da Liberdade, em São Paulo.
O projeto foi proposto pela Secretária de Formação e Cultura da CTB, Celina Areas, e pelo presidente Adilson Araújo; seu nome será “Memória Viva”, e está em andamento.
Há muita documentação espalhada pelos sindicatos, em posse de diretores que gostam do tema e guardam documentos e nas imprensas sindicais. O Centro de Memória Sindical seria o destino mais adequado para todo este conteúdo?
Nós recebemos doações, como já disse, mas procuramos incentivar que cada entidade abra um espaço em sua sede para organizar seu arquivo, como a CTB está fazendo. Nós do CMS podemos realizamos projetos como este e também disponibilizamos instruções de organização no site. Queremos incentivar a formação de uma rede de arquivos da qual o CMS é o núcleo.
Fizemos um projeto de organização do arquivo do Sindicato dos Metalúrgicos de Piracicaba. Foi uma ótima iniciativa deles proporem essa ação. O Sindicato tinha muitos documentos, já que tiveram o cuidado de guardar quase todos os registros que produziam desde a fundação em 1947. Esses materiais estavam dispersos e nós conseguimos em um ano criar uma linha de organização e arquivar boa parte deste material.
O que falta, enfim, para o CMS conquistar mais “mentes e corações” e ampliar a prestação de serviços para mais entidades sindicais?
Existem muitas pessoas interessadas na história do Brasil e do movimento sindical. Jornalistas, pesquisadores e estudantes. Um arquivo tem seu público e sua dinâmica própria, que é diferente, por exemplo, de sindicatos ou de jornais que tem um dia a dia de acontecimentos. Nós trabalhamos com grandes projetos, muitas vezes longos e minuciosos, para preservar informações, registros e histórias ao longo de muitos anos. Tudo isso para, além de preservar a memória sindical, apoiar pesquisadores que precisem dessa informação, de uma forma completa e acessível.
Também produzimos, a partir deste trabalho com o acervo e da pesquisa teórica e histórica, um canal no Youtube dedicado a músicas, que comentamos à luz do mundo do trabalho e das questões sociais.
Procuramos não ser panfletários na escolha das músicas. Ou seja, ela não precisa falar diretamente do assunto, como “Construção”, do Chico Buarque, ou “Para não dizer que não falei das flores”, do Geraldo Vandré. Estas são importantes, pela carga política e ideológica e, sobretudo, porque marcaram época.
Mas o mais interessante que procuramos fazer é buscar o inusitado, quando se tangencia a questão, sem enfrenta-la. Colocamos por exemplo “Café da manhã”, do Roberto Carlos. Porque ao prestar atenção naqueles versos aparentemente tão banais, concluímos que a personagem da história é um trabalhador, que sonha em estar naquela situação proposta pela música. Isso fica claro quando ele diz: “Pensando bem, amanhã eu nem vou trabalhar, além do mais, temos tantas razões pra ficar”. Toda a cadencia da música é de uma lógica forjada no cotidiano do trabalho, a desconstrução do dia, o anoitecer, o amanhecer. Um cotidiano comum dos trabalhadores. Enfim, o canal é bem diversificado, com informações rápidas e interessantes. Estou citando isso porque é uma ação que podemos fazer, e fazemos, com mais frequência e agilidade, e que atrai mais pessoas, que não estão necessariamente realizando uma pesquisa histórica. Também neste sentido produzimos uma coluna sobre filmes e o mundo do trabalho, com esse mesmo tom de pensar filmes a partir de uma interpretação social. Notamos que através da inserção nas redes sociais, no Facebook, Twitter e agora o Tumblr o Centro de Memória ficou mais conhecido e tem sido mais procurado.
Entre os sindicalistas eu sinto que o Centro de Memória se torna mais atraente quando percebem o realismo do trabalho, quando veem que situações das quais participaram ou que tem conhecimento, são tratadas com cuidado, com profundidade, e através da visão de mundo do trabalhador.
(*) Val Gomes – jornalista, assessor de Comunicação da Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos – CNTM