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Marta Watanabe e Cibelle Bouças, de São Paulo
O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) começou 2009 com um orçamento de R$ 27,4 bilhões para aplicações em financiamentos nas áreas de habitação, saneamento e infraestrutura. O valor, que já representava 60% mais que os R$ 17, 1 bilhões orçados no ano anterior, foi acrescido em pelo menos R$ 6,4 bilhões a serem aplicados ainda este ano. Com esse valor adicional, o orçamento do FGTS praticamente dobrou em relação ao de 2008 após o lançamentos de programas anticíclicos do governo federal – entre ele, o “Minha Casa, Minha Vida”, uma das bandeiras do governo Lula.
A elevação do orçamento foi possibilitada por um conjunto de fatores que deram fôlego ao FGTS, como a maior formalização do emprego e principalmente as altas taxas de juros pagas em papéis do governo federal, remunerados pela Selic, nos quais o fundo fica aplicado. O estouro da crise financeira, porém, mudou o quadro brasileiro nos últimos meses, resultando em maior desemprego e corte nos juros.
A perspectiva de menor remuneração para o patrimônio e a intenção de elevar os investimentos em infraestrutura provocou mudanças nos rumos das contas do fundo. No lugar das aplicações exclusivas em títulos federais, o FGTS começa a diversificar seus investimentos. O fundo encerrou 2008 com R$ 96,4 bilhões em ativos relacionados a papéis da União e com a aprovação de uma resolução autorizando R$ 3 bilhões em investimentos em papéis privados, como cotas de fundos de investimento imobiliários lastreadas em operações de empresas de construção civil.
Durante o primeiro quadrimestre de 2009, o conselho do FGTS aprovou a destinação de R$ 12 bilhões extras para habitação, para serem usados até 2011. O valor inclui R$ 2,4 bilhões para subsídios, como são chamados os descontos dados aos financiamentos para famílias de baixa renda (até três salários mínimos). Os R$ 2,4 bilhões devem ser aplicados ainda em 2009. O conselho aprovou ainda a destinação de outros R$ 4 bilhões adicionais para as áreas de saneamento e infraestrutura. Apenas estes R$ 2,4 bilhões e os R$ 4 bilhões, somados ao primeiro orçamento de 2009, já fazem os desembolsos previstos serem 100% maiores que os de 2008.
O orçamento adicional foi aprovado mesmo com a mudança na evolução do emprego desde o último trimestre de 2008, o que pode afetar uma das principais entradas de recursos para o fundo. Como ele é alimentado pela contribuição equivalente a 8% do salário mensal dos trabalhadores com emprego formal, a queda de carteiras assinadas deve reduzir a arrecadação. Ao mesmo tempo, com o aumento no volume de demissões, crescem os saques, o que pode reduzir a arrecadação líquida, resultado do recolhimento de contribuições ao FGTS menos os saques.
Foi o que aconteceu em março, quando os valores sacados superaram a arrecadação, dando origem a saldo negativo de R$ 440,3 milhões. Desse valor, R$ 270 milhões referem-se a saídas em decorrência das enchentes de Santa Catarina, informa o vice-presidente de Fundos de Governo e Loterias da Caixa Econômica Federal, Wellington Moreira Franco. “Não fosse isso, o déficit seria menor”, diz. Ele afirma que é comum haver saldos negativos em março devido ao maior número de demissões no fim do ano. No acumulado até abril, porém, o resultado líquido foi positivo em R$ 1,79 bilhão.
A arrecadação líquida negativa de março foi algo pontual, diz Celso Luiz Petrucci, que representa a Confederação Nacional do Comércio (CNC) no conselho do FGTS, órgão tripartite que tem entre suas atribuições estabelecer diretrizes para aplicação de recursos do fundo e aprovar orçamento de investimentos. Segundo ele, o fundo está saneado e tem recursos disponíveis para cumprir os valores orçados. O quadro, diz, só mudaria, se houvesse uma “desgraça”, o que corresponderia a uma taxa de desemprego próxima a 20%.
Para outro conselheiro representante de empresa que não quis ser identificado, o fundo poderia orçar até mesmo R$ 70 bilhões em financiamentos para 2009, sem comprometer seu patrimônio.
Embora concordem com o fôlego atual do FGTS, conselheiros que representam os trabalhadores são mais cautelosos. Jacy Afonso de Mello, que participa do conselho como representante da Central Única dos Trabalhadores (CUT), afirmou que o fundo pode encerrar o ano com saldo líquido negativo nas arrecadações. Mesmo assim, acredita, o resultado não comprometeria as expectativas futuras do fundo.
Jair Francisco Mafra, que participa do conselho como representante da Força Sindical, diz que a aprovação de recursos deve continuar a ser criteriosa. “O conselho já liberou o uso de uma parte do recurso previsto para o Minha Casa, Minha Vida. Os outros programas ainda não passaram pela análise do conselho”, afirmou. Segundo Mafra, nem todos os projetos anunciados pelo governo serão aprovados para obter recursos do FGTS neste ano. “Houve uma certa euforia do governo nos anúncios, mas o conselho é muito sério ao definir a liberação de recursos. O fundo não pode ser usado para fins políticos.”
“O fundo tem fôlego por enquanto”, concorda Rosane Maia, assessora da direção técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Para ela, o que favoreceu o FGTS foi uma reunião de fatores conjunturais favoráveis. “O fundo passou por um círculo virtuoso nos últimos anos.”
Segundo os balanços do FGTS, a arrecadação líquida do fundo, negativa no fim da década de noventa, apresenta saldos anuais positivos desde 2000. Isso foi um dos fatores que permitiram elevar o volume da carteira de títulos mantida pelo fundo, onde são aplicados os recursos geridos pelo FGTS. O crescimento da carteira trouxe um volume maior com rendas de títulos e valores mobiliários, que saltaram de R$ 4,8 bilhões em 2002 para R$ 11,35 bilhões em 2008. A participação desses rendimentos evoluiu no período de 37,17% para 51,58% das receitas operacionais.
Isso, esclarece Rosane, deixa bem claro que ao lado do bom desempenho do emprego, as taxas de juros relativamente altas beneficiaram o FGTS nos últimos anos.
Para a assessora do Dieese, o alerta não é para a destinação imediata dos recursos, mas para o futuro. Além da mudança no quadro do emprego nos últimos meses, há também a reversão na política de juros mais elevados. “É necessário que o fundo passe a focar não apenas os títulos públicos, mas também investimentos no setor produtivo”, diz. O Fundo de Investimentos do FGTS (FI-FGTS), diz, segue essa concepção.