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Juízes preveem enxurrada de ações se STF restringir liberdade para demitir


Supremo analisa possibilidade de país voltar a seguir convenção da OIT.
Acordo internacional exige que empresas justifiquem todas as dispensas.

Mariana Oliveira Do G1, em São Paulo

Foto: Lucas Lacaz Ruiz / Agência Estado
Foto: Lucas Lacaz Ruiz / Agência Estado

Manifestantes protestam contra demissões na Embraer; ao julgar processo sobre os cortes, tribunal considerou convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (Foto: Lucas Lacaz Ruiz / Agência Estado)

Uma ação em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF) pode fazer vigorar novamente uma convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que gera polêmica no direito trabalhista: determina que as empresas percam o direito de demitir sem motivo.

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Atualmente, as empresas têm liberdade para dispensar os empregados sem motivo aparente desde que paguem uma indenização, que é a multa de 40% sobre o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) do empregado.

A outra possibilidade para demissão é a justa causa; nessas circunstâncias, o trabalhador perde quase todos os direitos da rescisão.

A convenção 158 da OIT estabelece que as empresas só podem demitir por justa causa e quando houver dificuldade financeira, mudanças tecnológicas ou comprovação de que o trabalhador não está executando adequadamente a função. A convenção visa proibir demissões por questões pessoais ou por rebaixamento de salário, por exemplo.

Em janeiro de 1996, a convenção 158 entrou em vigor no Brasil após aprovação do Congresso Nacional. No fim do mesmo ano, o presidente Fernando Henrique Cardoso “denunciou a convenção” por meio de um decreto presidencial, o que significou, na linguagem jurídica, que o governo brasileiro não mais adotaria a medida.

No ano seguinte, centrais sindicais protocolaram a Ação Direta de Insconstitucionalidade (ADI) 1625 contra a atitude do presidente FHC. As entidades argumentaram que, uma vez que o Congresso aprovou a adoção da medida, deveria também aprovar a saída do país do acordo.

Desde então, o caso tramita no Supremo Tribunal Federal sendo paralisado algumas vezes por pedido de vista, ou seja, para análise do processo.

No fim do mês passado, o caso voltou a ser discutido no plenário do STF. O ministro Joaquim Barbosa apresentou voto para que fosse declarado inconstitucional o decreto presidencial e a convenção voltasse a vigorar. Houve novo pedido de vista, e não há prazo para o julgamento ser retomado.

Na avaliação de magistrados e advogados, a retomada da convenção é positiva, mas pode provocar uma enxurrada de processos trabalhistas, uma vez que todas as justificativas das demissões podem ser questionadas na Justiça.

Outro ponto é se a decisão do STF vai considerar legítimas as demissões sem motivo no período em que a convenção deixou de vigorar.

Divergência

O desembargador José Antonio Pancotti, do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, em Campinas (SP), afirma que os juízes estão voltando a considerar na análise de processos trabalhistas que o ato que derrubou a convenção da OIT foi inconstitucional, mesmo antes de o STF tomar uma decisão.

“O entendimento está começando a surgir e está sendo muito debatido. Eu não tive a ousadia de utilizá-lo porque acho que não está pacificado”, afirmou.

Para Pancotti, a convenção deveria ser aplicada no país. “Acho que a dispensa sem justa causa é um ato de violência contra o trabalhador.”

Segundo o desembargador, porém, a discussão não pode ser uma disputa política “entre a esquerda e a direita”. “Tem que ser conduzida uma discussão transparente e não ideológica.”

O juiz Cláudio Antônio Freitas Delli Zotti, de Belo Horizonte, considera “inegável” que, se a convenção for retomada, vai aumentar a quantidade de processos trabalhistas para questionar o motivo das demissões. “Acredito que durante algum tempo o número de ações na Justiça do trabalho poderá crescer.”

Delli Zotti concorda com a retomada da convenção, mas defende um prazo para que as empresas se adaptem.

O juiz do Distrito Federal Rogério Neiva afirmou que a grande dificuldade com a retomada da convenção seriam os casos retroativos. Ele avalia que se o Supremo analisar o caso, deve também indicar o que fará com os casos entre a renúncia da convenção e a eventual retomada.

“Na verdade eu acho que vamos ter problemas daqui para frente e daqui para trás. É preciso analisar que a decisão judicial trará uma consequência. (…) O que me preocupa são os efeitos jurídicos dessa conversa principalmente sobre o que já aconteceu, o que preocupa é a segurança jurídica.”

Já o advogado trabalhista Sérgio Batalha considera o texto da convenção “genérico” e diz não crer em grandes mudanças. Para ele, a legislação brasileira já coíbe a demissão arbitrária com a aplicação da multa de 40% sobre o FGTS.

No entanto, Batalha destaca que a multa de 40% é uma medida transitória da Constituição e que carece de regulamentação. “Regulamentar é uma discussão muito mais interessante do que voltar a aderir à convenção.”

Procurado pelo G1, o Tribunal Superior do Trabalho informou que não pode se posicionar sobre a convenção da OIT, uma vez que a caso está “sub judice” no Supremo.

Além disso, informou a assessoria de imprensa, o tribunal vai analisar o processo sobre as mais de 4 mil demissões na Embraer, no qual o TRT considerou a convenção 158 ao cancelar liminarmente as demissões.

Em decisão final, o tribunal decidiu depois manter as demissões, mas as julgou “arbitrárias” e estipulou indenização superior aos 40% do FGTS. O caso vai a análise do TST no próximo dia 10 de agosto.

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Contra a convenção

Diversas entidades empresariais se posicionaram contra a volta da convenção.

Para a Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio), as regras da convenção “afrontam os princípios da livre iniciativa”

“Constituem-se como um mecanismo de ingerência na administração das empresas e representando, ainda, obstáculo ao investimento estrangeiro no país”.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) considera ainda a convenção como “motivo de preocupação”.

“A Convenção 158 da OIT, que trata do término da relação de trabalho por iniciativa do empregador, a chamada demissão imotivada, é motivo de preocupação no meio empresarial por causa dos prejuízos que a adoção dessas normas acarretará às empresas brasileiras, à competitividade do país e também, aos trabalhadores em geral”, diz a confederação.

Economia

Especialista na convenção 158, Carlindo Rodrigues, técnico do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a retomada do acordo pode favorecer a economia brasileira. 

“A adoção da convenção seria um mecanismo eficiente para reduzir a rotatividade da mão de obra e, com isso, evitar a contenção da massa salarial, uma vez que os empresários demitem para contratar novos trabalhadores com menores salários. Além do aspecto da dignidade ao trabalhador, para que tenha mais segurança no emprego”, afirma.

Congresso

No ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentou ao Congresso uma proposta para retomada da convenção. O texto foi arquivado em uma comissão da Câmara dos Deputados.