Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos

Notícias

Irritado com a seleção, francês toca a vuvuzela para protestar contra o governo


Daniela Fernandes, para o Valor, de Paris

As vuvuzelas, as cornetas sempre presentes nos estádios da África do Sul, apareceram ontem nas ruas de várias cidades na França. Mas não foi para comemorar a chegada, sob fortíssimo esquema de segurança, dos jogadores da seleção francesa de futebol, após o fiasco do time na Copa do Mundo. O zunido de abelhas da corneta barulhenta foi usado ontem por sindicatos e pelo Partido Socialista nos protestos contra a reforma que aumenta a idade mínima para aposentadoria de 60 para 62 anos no país. 

Várias das quase 200 manifestações previstas em várias cidades do país já haviam começado enquanto os jogadores deixavam, em carros com vidros escuros, o aeroporto militar do Bourget, no norte de Paris. Eles não falaram com a imprensa nem acenaram para os raros torcedores que foram ao local. Talvez por vergonha do “desastre”, como definiu o próprio presidente francês Nicolas Sarkozy, a participação na África do Sul dos “bleus” (em referência à cor azul da camisa).

O único que poderia ter a desculpa de estar apressado seria o jogador Thierry Henry, que saiu do aeroporto com escolta policial diretamente para o Palácio do Eliseu, onde tinha uma reunião marcada com Sarkozy. Afinal, a má atuação dos “bleus” – dentro e fora dos campos – na Copa, definido pela imprensa do país como “indigno, lamentável e vergonhoso”, se tornou assunto de Estado na França. 

Sarkozy, que havia convocado uma reunião de emergência com ministros na quarta-feira para discutir a situação do futebol no país, após “a participação infeliz do time francês” na África do Sul, declarou que o governo agirá para que “os responsáveis sofram rapidamente as consequências desse desastre”. O chefe de Estado também exige que os jogadores não recebam nenhuma compensação financeira por sua participação na Copa.

A “greve” dos atletas no último domingo, que se recusaram a participar de um treino para protestar contra o corte do atacante Nicolas Anelka, que havia insultado o treinador com palavrões, foi severamente criticada por membros do governo, que se disseram preocupados com a imagem da França no exterior. 

Nada foi divulgado sobre o encontro ontem entre o jogador Thierry Henry e Sarkozy, que foi criticado pela oposição e por representantes dos trabalhadores. “Se 23 grevistas conseguem mudar a agenda do presidente, podemos supor que após uma mobilização tão importante como essa, o chefe de Estado arrumará tempo para encontrar os dirigentes sindicais”, afirmou Bernard Thibault, secretário-geral da CGT, uma das maiores centrais sindicais da França.

As manifestações na França reuniram 2 milhões de pessoas, segundo os organizadores, e quase 800 mil, de acordo com o Ministério do Interior, o que seria o maior protesto na França desde o início do ano. As passeatas paralisaram parcialmente vários setores do país. O transporte ferroviário, por exemplo, registrou quase 40% de grevistas, de acordo com a direção da empresa.

Os manifestantes expuseram nos cartazes com frases como “A França que ganha é a que manifesta, não a do futebol” ou “nossas aposentadorias são mais importantes do que os lucros deles”, um sentimento de injustiça sentido por muitos no país. Os sindicatos e a oposição afirmam que o governo estaria fazendo com que os trabalhadores tenham de suportar o custo da explosão do déficit público, que deve atingir 8% neste ano.

Os franceses duvidam de tudo: do desempenho da seleção de futebol, da economia e dos políticos do país, envolvidos em compras de charutos caríssimos com o dinheiro do contribuinte ou suspeitos de ter acobertado a suposta evasão fiscal da herdeira da L ´ Oréal, Liliane Bettencourt.

Uma recente sondagem reflete essa crise moral. Segundo a pesquisa mensal sobre o “moral econômico dos franceses”, realizada no início deste mês pela Publicis Consultants, apenas 20% dos entrevistados se dizem “confiantes” na melhora da situação econômica. E a situação do emprego e do déficit público preocupa 86% das pessoas.

Os franceses, em geral, não esperavam muita coisa positiva da seleção antes do início dos jogos. Mas a decepção, em razão do comportamento dos jogadores, foi ainda maior do que a prevista. Os jogadores “grevistas” retornaram à França em meio a outra má notícia, que reforça o clima de pessimismo: o desemprego aumentou em 0,8% em maio na comparação com o mês anterior, a maior alta dos últimos sete meses. Em termos anuais, o aumento é de 7,1%. Dessa vez, os franceses nem podem contar com uma final da Copa do Mundo para pensar em outra coisa. E já planejam novas manifestações contra a reforma da aposentadoria em setembro.