Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos

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Imigrante boliviano enfrenta burocracia e discriminação


De São Paulo

A privatização de algumas unidades da Corporación Minera de Bolivia (Comibol) marcou a vida de 10 mil bolivianos no fim da década de 1990. Eles perderam o emprego enquanto o país passava por grave crise econômica e política. Daniel Colque, que por 15 anos operou escavadeira em uma mina de lítio da estatal, perdeu o chão.

Ele fez um curso técnico de soldador e de motorista, mas mesmo assim não conseguiu trabalho. Ficou um ano vivendo de bicos até decidir deixar a família em Oruro, Estado localizado ao sul de La Paz, para trabalhar com o irmão como motorista de táxi na fronteira Porto Suarez-Corumbá. Dois anos depois, Colque se reencontrou com a mulher e os filhos, vendeu o “carrinho” por R$ 1.800 e todos seguiram o destino de milhares de bolivianos naquela época: a região central da cidade de São Paulo. “Conversava com os passageiros, eles sempre diziam que havia emprego aqui”, lembra o imigrante.

Mesmo com experiência na área de mineração – setor com alta demanda por mão de obra qualificada atualmente – e diplomas de cursos técnicos, o boliviano foi obrigado a aprender a manejar agulha e linha para sobreviver ilegalmente no país. Passou por várias oficinas de costura no bairro do Bom Retiro, sempre trabalhando com a mulher Esther e os quatro filhos. “Passamos muitas dificuldades, recebíamos sempre pouco pelo trabalho”, conta.

Colque nunca reclamou do excesso de trabalho. “Sabemos que no nosso país não tem emprego, viemos em busca de oportunidades.” O problema, diz, é a dificuldade para conseguir documentos e levar uma vida como um cidadão comum. “É difícil alugar uma casa, abrir conta em banco, comprar alguma coisa. Meu filho não consegue se matricular na faculdade, e eu juntei dinheiro e comprei um carro, mas não dirijo, porque não consigo tirar a carteira. Em nenhum lugar aceitam nossa documentação, que ainda é provisória, mesmo com o acordo bilateral.”

Segundo ele, os estrangeiros ficam em situação vulnerável. “Já fui vítima de golpe do falso fiscal da Polícia Federal tentando levar dinheiro e vi colegas sendo extorquidos por policiais de verdade”, acusa o boliviano, que foi ilegal até 2005 e agora espera que o documento provisório vire definitivo.

O superintendente da PF em São Paulo, Leandro Daiello, disse ao Valor que as fraudes existem e são tratadas como prioridade pela corporação. “No fim do ano passado, prendemos sete dos nossos numa operação para desarticular quadrilhas que exploravam imigrantes ilegais.” Ele acrescenta que a PF está modernizando seu sistema de atendimento e trabalhando para fechar parcerias com a prefeitura para melhorar a oferta de serviços ao estrangeiro. “Cada caso precisa ser visto individualmente, se ele é beneficiado pelo acordo bilateral já deveria ter documentação permanente”, admite o delegado.

Em 2005, Brasil e Bolívia firmaram um acordo que facilitou a regularização da situação dos mais de 50 mil bolivianos que viviam ilegalmente em São Paulo. No fim de 2009, o governo federal ofereceu anistia a imigrantes ilegais de qualquer nacionalidade. Mais de 40 mil estrangeiros aderiram ao programa. De acordo com o Ministério da Justiça, em torno de 1 milhão de imigrantes vivem no país, dentro da lei. O Centro de Apoio ao Migrante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) estima em 600 mil os estrangeiros ilegais.

Hoje com 48 anos, dez deles vividos em São Paulo, Colque trabalha por conta e recebe encomendas de uma empresa de acessórios de couro. “Comprei quatro máquinas e montei a oficina de costura em casa, ainda assim não consigo tirar o CNPJ para emitir nota fiscal. Assim eu saio perdendo, porque os clientes exigem um preço menor para fazer negócio sem nota.” (LM)