Efeitos da crise são sentidos principalmente em Minas Gerais, que concentra 70% do setor
Eduardo Kattah
Animados com os preços cada vez maiores do ferro-gusa, matéria-prima para a fabricação do aço, no mercado internacional, os produtores brasileiros passaram praticamente todo o primeiro semestre investindo em aumento de produção e contratando mais empregados. Fornos que estavam há anos desativados foram religados. Em julho, o preço da tonelada do produto atingiu o patamar recorde de US$ 830. A crise econômica global que eclodiria dois meses depois, no entanto, mudou completamente a perspectiva dessas empresas.
Na semana passada, o diretor da mineradora MMX afirmou que nada menos que 103 dos 161 fornos de ferro-gusa existentes no Brasil estavam parados. “Nos últimos 60 dias o mercado de ferro-gusa está congelado”, disse. A própria MMX iria paralisar ontem a operação da sua unidade de ferro-gusa em Corumbá (MS). A maior parte da produção de gusa da empresa, que chegou a 185 mil toneladas de janeiro a setembro, é destinada ao mercado externo.
A retração no setor, provocada principalmente pela queda na demanda internacional, é sentida principalmente em Minas Gerais, Estado que concentra cerca de 70% da produção nacional de gusa. Historicamente, metade da produção mineira é exportada, principalmente para os Estados Unidos. O mercado interno não é tão grande, já que as grandes siderúrgicas brasileiras produzem seu próprio gusa. “O gusa recebe o impacto no peito”, diz o presidente da Sindicato das Indústrias de Ferro de Minas Gerais (Sindifer-MG), Paulino Cícero.
Sindicatos de cidades das regiões central e centro-oeste do Estado estimam, em um cálculo considerado otimista, um corte de aproximadamente 10% no total de 20 mil empregos diretos do setor. Só em Sete Lagoas – município que concentra a maior produção de ferro-gusa da América Latina, com 22 empresas instaladas -, 2,3 mil trabalhadores foram demitidos, ou mais de 40% dos 5,5 mil empregados, diretos e indiretos, das fábricas. Outros 950 estão em férias coletivas ou em licença remunerada.
Embora acostumado às oscilações, o setor vive sua maior crise nos últimos dez anos, segundo o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Sete Lagoas, Ernane Geraldo Dias. “Eu nunca tinha visto nada igual”, disse. “Desta vez, a coisa está de parar mesmo.”
A fabricante Siderpa é um exemplo claro dessa situação. Em abril, a empresa religou um alto-forno que estava parado havia dois anos, contratou funcionários e aumentou sua produção em 8 mil toneladas por mês. Em outubro, teve de desligar o forno novamente. No pátio, aproximadamente 16 mil toneladas do produto estavam estocadas. Normalmente, segundo o superintendente industrial da empresa, Ricardo Guedes, o estoque atinge no máximo 8 mil toneladas.
De acordo com o proprietário da fábrica, Afonso Paulino, a Siderpa destina para o exterior 60% de sua produção, que foi reduzida de 220 mil toneladas/ano para 130 mil toneladas com o desligamento de um alto-forno. Estados Unidos, Japão e países europeus são os principais mercados da empresa, que também enfrenta concorrência de fabricantes da Ucrânia, Rússia e África do Sul.
Portas para o mercado externo estão fechadas
Sem demanda, empresas não conseguem fechar novos contratos de exportação
Enquanto aguardava pela homologação de sua demissão, Francis Antero da Silva, de 26 anos, fazia planos para o futuro em outro ramo de atividade. Nos últimos dois anos e três meses, ele trabalhou como operário do setor de guincho da fábrica de ferro-gusa Usisete, em Sete Lagoas. Casado e pai de uma menina, o jovem pretende agora tirar o sustento com o emprego de motoboy. Silva não foi informado do motivo de sua dispensa, mas desconfia. “Todo mundo fala dessa crise geral. Só sei que fui demitido e agora estou em outro ramo”, disse.
Para algumas empresas instaladas em Sete Lagoas, a solução encontrada para enfrentar o cenário internacional adverso foi mesmo a reduzir drasticamente o quadro de pessoal. O grupo Fergobras, por exemplo, desligou seus seis altos-fornos e demitiu cerca de 400 de um total de 700 empregados. Outros 100 foram colocados em férias coletivas. Entre 70% e 80% da produção da empresa é destinada à exportação.
“Nós entendemos que essa situação está ligada à crise financeira dos bancos, não das empresas”, avaliou o diretor-comercial Mateus José Rodrigues. “Não há para onde sair porque os bancos internacionais não estão mais liberando financiamento para as tradings que compram de nós. Além disso, os clientes internacionais também diminuíram a demanda, o consumo.”
Segundo as empresas, praticamente não há fechamento de novos contratos de exportação no setor. Até porque não há referência de preço. “Não sabemos qual é o preço para janeiro, porque é uma demanda muito débil”, disse Paulino Cícero, do Sindifer. “Falam em US$ 600 por tonelada, mas não tem havido negócios concretos nessa área por preço nenhum.”