Vívian Soares
No Brasil, os direitos humanos ainda não são prioridade para as empresas. O assunto recebe menos atenção do que ações nas áreas social e ambiental. A percepção de que é preciso “olhar para dentro” como complemento das iniciativas de sustentabilidade foi um dos temas discutidos no seminário “Direitos Humanos nas Empresas”, realizado ontem na BM&FBovespa. No evento, organizado pela entidade em parceria com o Instituto Norberto Bobbio, foram apresentados os resultados de uma pesquisa realizada com mais de 800 funcionários de empresas de médio e grande porte.
No estudo, que analisou o respeito aos direitos humanos nas empresas, a indústria foi o setor com os melhores resultados. A área de serviços não financeiros teve a pior colocação.
A pesquisa apontou que 31% dos entrevistados sofreram violações graves de seus direitos no trabalho nos últimos dez anos. São situações como racismo, roubo e assédio sexual que afetam, principalmente, negros, mulheres e pessoas com menor renda. Outras violações como maus-tratos são realidade para 20% dos trabalhadores. (ver quadro anexo).
Durante a apresentação da pesquisa, foi discutido o fato de as empresas valorizarem cada vez mais itens como governança corporativa e responsabilidade social – 65,5% delas possuem programas permanentes nessa área – e não avançarem na mesma medida na questão do respeito aos direitos humanos.
Esta também é uma percepção dos trabalhadores. Os entrevistados deixaram claro que sabem que os direitos humanos são uma obrigação das empresas, enquanto a responsabilidade social é vista como uma opção. O levantamento mostrou, porém, que empresas com iniciativas relacionadas à sustentabilidade registram melhores resultados também em relação aos direitos humanos. “Agora é a vez das empresas darem atenção aos direitos humanos e à democracia”, afirma o presidente do Instituto Norberto Bobbio e ex-presidente da Bovespa, Raymundo Magliano Filho.
Magliano chegou a sugerir a criação de um “Índice de Direitos Humanos” nas empresas, a exemplo do que acontece com o ISE – Índice de Sustentabilidade Empresarial, criado em 2005 pela Bovespa para elencar as empresas com práticas sustentáveis.
O diretor-presidente da BM&F Bovespa, Edemir Pinto, avalia que o papel indutor da instituição funcionou na promoção à governança corporativa. O novo desafio é debater os direitos humanos dentro das companhias.
Segundo os empresários ouvidos pelo Valor, é importante que as organizações deem o mesmo peso a ambos os temas em suas políticas internas. O conselheiro e ex-presidente do Instituto Ethos, Ricardo Young, acredita que a leitura da pesquisa revela que a questão não está tão presente nas empresas como a da sustentabilidade. No entanto, elas estão enfrentando melhor alguns temas do que outros. A desigualdade de gênero, por exemplo, já é menor do que a de raça. “Ainda assim, avançamos pouco nos últimos anos”, afirma.
Para a sócia do escritório Mattos Filho Advogados, Flávia Regina de Souza, a sustentabilidade está diretamente ligada aos direitos humanos. “A sociedade está começando a questionar as empresas, e elas ainda não estão dando a atenção devida ao assunto”.
Os empresários concordam, porém, que a abertura da discussão já é um grande passo para a mudança do cenário de desrespeito com as pessoas. “É preciso despertar essa reflexão para que, aos poucos, o respeito aos direitos humanos faça parte do DNA das companhias”, diz Marcelo Madaraz, gerente de desenvolvimento de relações e time da Natura.
O professor e pesquisador de relações do Trabalho da Universidade de São Paulo, José Pastore, acredita que os resultados da pesquisa são um alerta para a sociedade brasileira, e não somente para as companhias.
Pastore aponta as deficiências da lei como causa dos problemas relacionados a direitos humanos. “A CLT consegue garantir proteção para metade da força de trabalho que atua no mercado formal. Os terceirizados, informais e outros trabalhadores não são contemplados e ficam sem proteção básica”, afirma.
Na opinião do professor, existe um lado positivo na discussão dos direitos humanos dentro das empresas. “Há um movimento crescente de conscientização da sociedade. O número de reclamações trabalhistas nesse campo tem aumentado e o Ministério Público e os sindicatos têm atuado de uma forma direta no sentido de evitar esses maus-tratos”.
Pastore percebe uma postura mais alerta da parte dos trabalhadores. Eles estão sentindo necessidade de atuar e participar mais nas discussões sobre seus direitos. “No Brasil, o empregado totalmente subordinado e que não questiona está em vias de extinção. É claro que as variações são enormes e há grandes diferenças setoriais e regionais, mas a sociedade está caminhando”, diz.