Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos

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Embraer demite 4.200 e culpa a crise



Empresa diz que 90% de suas receitas vêm do exterior, de países mais afetados pela crise; fornecedores também podem demitir

Sindicato reclama que não houve busca de acordo e cogita recorrer ao governo, que tem ação especial com poder de veto na empresa

FÁBIO AMATO

DA AGÊNCIA FOLHA, EM SÃO JOSÉ DOS CAMPOS

A Embraer, quarta maior fabricante de aviões do mundo, anunciou ontem a demissão de cerca de 4.200 funcionários no Brasil, nos EUA, na França e em Cingapura. A maioria dos desligamentos aconteceu no Brasil, sede das fábricas da empresa, onde trabalhavam aproximadamente 18 mil pessoas.

Em nota, a Embraer alegou que os cortes acontecem “em decorrência da crise sem precedentes que afeta a economia global, em particular o setor de transporte aéreo”. E que são necessárias para adequar seus custos e efetivo “à nova realidade de demanda por aeronaves comerciais e executivas”.

A redução de funcionários representa cerca de 20% de um total de 21.362 trabalhadores atuando nesses países. A empresa não informou quantos empregados foram demitidos no Brasil, onde possui unidades em São José dos Campos, Botucatu, Gavião Peixoto e Taubaté, todas no interior paulista.

O corte atinge trabalhadores do setores operacional e administrativo e inclui a eliminação de um nível hierárquico de sua estrutura gerencial.

O corte deve provocar efeito em cascata, principalmente na região do Vale do Paraíba, onde estão instaladas fornecedoras e parceiras da Embraer, que podem demitir nos próximos dias.

A Embraer aponta também que, apesar de estar sediada no Brasil, onde os efeitos da crise são menos intensos, depende “fundamentalmente” das vendas para o exterior, principalmente EUA e Europa, mais afetados pela crise global. Segundo a Embraer, 90% de suas receitas têm origem em vendas no exterior. Portanto, diz, não se beneficia da “resiliência que o mercado doméstico brasileiro vem demonstrando”.

A Embraer afirmou ainda que reviu a sua estimativa de entrega de aeronaves para 2009, de 270 para 242 unidades (o que ainda será o recorde de entregas da empresa). A empresa também prevê queda na receita no ano, para US$ 5,5 bilhões, ante os US$ 6,3 bilhões anteriores. Já o investimento deve cair de US$ 450 milhões para US$ 350 milhões.

O Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, onde está a sede e principal fábrica da Embraer, com cerca de 14 mil funcionários, classificou de “vergonhoso” e “injusto” o corte em massa feito pela empresa. Segundo os sindicalistas, a Embraer não buscou nenhum tipo de negociação para evitá-lo, como ocorre em outras empresas.

“Foi uma grande injustiça. Tentamos de todas as maneiras chamar a direção da Embraer para conversar nos últimos meses porque há tempos ouvimos os boatos de que isso [as demissões] iria acontecer, mas nunca fomos atendidos. Faltou respeito pelos trabalhadores”, disse o diretor do sindicato e funcionário da empresa há 20 anos Valmir Diniz Ferreira, 42.

Para ele, a Embraer tinha opções para aliviar a pressão da crise, como a concessão de férias coletivas ou licença remunerada para os funcionários, além da redução de jornada de trabalho. “Os funcionários estão pagando pela crise e para que seja mantido o lucro dos acionistas da empresa.”

O sindicato disse que faria uma reunião na noite de ontem para decidir se entraria com uma ação na Justiça para tentar reverter as demissões. E que também estudava chamar o governo federal a intervir, já que as ações que detém da Embraer lhe dão direito de veto em decisões tomadas pela direção.

No início de janeiro, a empresa anunciou que sua carteira de pedidos firmes (aviões encomendados e ainda não entregues) sofreu o primeiro recuo em dois anos. No terceiro trimestre de 2008, ela registrou seu primeiro prejuízo liquido em 11 anos, de R$ 48,4 milhões.

Lula quer explicações da companhia

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai chamar a Embraer para explicar o motivo das demissões. Ontem, em reunião em Brasília, Lula se mostrou indignado, porque seu governo ajudou a capitalizar a Embraer.

O presidente disse, segundo o presidente nacional da CUT (Central Única dos Trabalhadores), Artur Henrique, que a Embraer tem financiamentos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e que irá também chamar ministros para tentar reverter as demissões.

“É uma atitude irresponsável. A Embraer superou a estimativa de venda de aviões no ano passado e não pode usar as demissões como primeiro recurso”, disse Henrique.

(SIMONE IGLESIAS)

COMUNICADO

EMBRAER DIZ A FUNCIONÁRIOS QUE PRODUÇÃO CAIU 30%

Em um comunicado aos funcionários, o presidente da Embraer, Frederico Fleury Curado, afirma que o mercado de aviação executiva “entrou em espiral descendente”. Segundo ele, há uma “grande quantidade de cancelamentos e adiamentos das encomendas”. “De forma agregada, nossa atividade industrial está se reduzindo em mais de 30%, o que torna absolutamente inevitável que façamos um ajuste.”

“Empresa poderia ter negociado corte salarial”, diz ex-funcionário

DA AGÊNCIA FOLHA, EM SÃO JOSÉ DOS CAMPOS

No final da tarde de ontem, Thiago José da Cruz, 26, chorava abraçado a um amigo em frente à portaria principal da fábrica da Embraer em São José dos Campos (91 km de SP). Um dos cerca de 4.200 funcionários demitidos pela empresa, Cruz -que é casado e pai de um garoto de quatro anos- trabalhava havia cinco anos no setor de junção de asas da Embraer.

“A gente já ouvia os boatos de que poderia haver demissões. Mesmo assim eu estava tranquilo porque achava que, mesmo que a empresa tomasse essa decisão, eu não estaria no corte. Esforcei-me muito pela empresa todos esses anos.”

Técnico em mecânica, Márcio (ele não quis divulgar o sobrenome) estava na Embraer havia nove anos e meio. E não escondeu a surpresa quando ficou sabendo que seu nome estava na lista dos demitidos.

“Estou sem chão. Não sei o que vou fazer agora”, disse ele. “Acredito que a empresa tinha alternativas. Não houve prejuízo até agora. Fizeram isso [corte] para não reduzir a margem de lucro dos acionistas.”

Os amigos André Luiz, 25, Lucas Martins, 22, e André Camargo, 24, trabalhavam juntos no setor de montagem de subconjuntos da Embraer e também foram demitidos. De acordo com eles, o setor tinha 40 funcionários, dos quais 22 foram desligados ontem.

“A Embraer poderia ter nos procurado para negociar, como fizeram outras empresas. Tenho certeza de que todos aceitariam, por exemplo, reduzir salário e jornada para não perder o emprego”, disse Martins. Os dois amigos concordaram.

As demissões foram anunciadas pela Embraer por volta das 15h, perto do horário de saída dos funcionários do primeiro turno e da entrada daqueles que atuam no segundo turno de produção. De manhã, segundo os trabalhadores, as atividades ocorreram normalmente.

“Eu estava trabalhando normalmente quando meu supervisor chamou todo mundo para uma sala. Lá, os gerentes disseram que a situação da empresa estava difícil e que as demissões iriam acontecer porque era a única opção da empresa”, disse um funcionário do primeiro turno demitido, que preferiu não se identificar.

“Cheguei para trabalhar e o meu gestor já estava na porta do setor. Então ele me avisou que eu seria demitido, disse José Aloísio Araújo, 28, técnico de qualidade.