Proposta do governo pode passar por mudanças
Entre pontos mais polêmicos do projeto do governo, especialistas apontam idade mínima, regras de transição e tempo mínimo de contribuição
No mesmo dia em que o deputado Arthur Maia (PPS-BA), relator da reforma da Previdência na Câmara, afirmou que as regras de transição do projeto não passarão da forma como foram encaminhadas pelo Planalto ao Congresso, especialistas presentes no fórum de debate promovido pelo Grupo Estado, concordaram que dificilmente o texto vai tramitar livre de alterações. “Nenhuma proposta escapou de algum grau de negociação, ainda mais uma com o sarrafo tão alto quanto esta”, disse o coordenador de Direito Previdenciário da Escola de Magistratura do estado do Rio de janeiro, Fábio Zambitte.
O tempo mínimo de contribuição de 25 anos – considerado muito alto por Zambitte – está entre os temas a serem discutidos, previu. Também são bastante questionáveis a idade mínima e as regras de transição.
Coordenador de Previdência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Rogério Nagamine disse temer que a proposta seja desfigurada pelos parlamentares. A lembrança incômoda é a Medida Provisória 664, cujo propósito era corrigir, há dois anos, excessos nas pensões por morte, mas que resultou numa flexibilização do fator previdenciário que comprometeu, na visão de Nagamine, o equilíbrio fiscal. “A regra 85/95 progressiva foi uma das maiores contrarreformas que já tivemos”, disse o pesquisador, acrescentando que tal regra reforçou ainda mais a necessidade da reforma previdenciária.
Diante de uma população que – como disse o secretário da Previdência, Marcelo Caetano, durante o evento – envelhece em direção ao padrão demográfico europeu, Nagamine estimou que, sem a reforma, as alíquotas previdenciárias teriam de subir para 50% em 2060 para sustentar o modelo atual. “É um custo insustentável para as gerações futuras.”
Além de questionar a velocidade com que a reforma está sendo conduzida, o representante sindical Miguel Torres, num tom crítico, considera que a reforma não será para todos. Segundo ele, os militares fizeram pressão para não serem incluídos e outros privilégios não foram enfrentados na proposta encaminhada ao Congresso. “Vemos também os interesses da previdência privada.”
Discordando da opinião do sindicalista, o ex-ministro da Previdência e diretor executivo da Federação Nacional de Saúde Complementar, José Cechin, afirmou que é falso dizer que a proposta de emenda constitucional foi feita para incentivar a previdência privada. O que incentiva esse tipo de previdência, disse, é a alteração do teto do benefício do INSS, algo não incluído no projeto.
Ainda que o regime geral de aposentadoria represente para as contas públicas um déficit superior a R$ 150 bilhões, o secretário Marcelo Caetano afirmou não ver “de nenhum modo” a possibilidade de privatização da Previdência no futuro. O motivo: o governo não abriria mão da arrecadação equivalente a 6% do PIB vinda do recolhimento do INSS. “Não tem como fazer uma mudança nesse estilo”, comentou o autor da reforma da Previdência. Ele observou, porém, que formas privadas de complementação do benefício para quem ganha mais poderão coexistir com a previdência pública.
Segundo Nagamine, se nada for alterado, os gastos com a Previdência (aposentadoria e pensões em geral) vão chegar a 20% do PIB em 2060. No mesmo ano, o País já teria mais aposentados do que pessoas na ativa. “Cada trabalhador teria um aposentado para chamar de seu”, completou.
Diferença de classes. Nagamine ainda refutou a ideia de que a reforma é injusta com os mais pobres. Segundo ele, esse grupo já não se aposenta por tempo de contribuição, e sim pela idade mínima. “Já tem idade mínima para os mais pobres, falta idade mínima para aqueles que têm renda mais elevada.” Ele considerou que o Brasil concede aposentadoria muito precoce a pessoas que ainda têm plena capacidade laboral.
Segundo Cechin, os aposentados pelo INSS correspondem a 13% da população e podem chegar a 35% em 2060. Para o ex-ministro, é preciso dissipar mitos e meias-verdades na Previdência. Como exemplo, citou o argumento de que a cobrança das dívidas previdenciárias e o fim das isenções podem salvar o modelo atual.
O sindicalista Miguel Torres argumentou que a isenção do agronegócio e também as desonerações são um grande problema a ser discutido, ainda que não representem, isoladamente, a solução para o rombo da Previdência. “Queremos primeiro que se faça essa lição de casa de cobrar de quem está devendo, além de incluir os empresários do agronegócio e acabar com as desonerações.”
Entrando no debate sobre o sistema previdenciário brasileiro ser ou não deficitário hoje, tema discutido nas redes sociais nas últimas semanas, Zambitte diz que a situação se assemelha à de um “ônibus desgovernado” à beira de um precipício e a discussão é sobre se ele está a 1 km ou 10 km do abismo.
Na verdade, segundo Zambitte, mesmo se o sistema fosse superavitário hoje, não seria sustentável a longo prazo. A Constituição brasileira, explicou o especialista, exige que o nosso modelo “protetivo tenha um equilíbrio financeiro e atuarial”, ou seja, que tenha equilíbrio hoje e no futuro. “Então, ainda que a conta hoje seja certa, viável e tenha um superávit bilionário, isso não vai se manter nos anos vindouros”, disse Zambitte. / Altamiro Silva Junior, Eduardo Laguna, Francisco Carlos de Assis e Thaís Barcellos