Ao lado de premiê britânico, presidente afirma que pobres, negros e índios não podem pagar a conta da especulação financeira
SIMONE IGLESIAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
DENYSE GODOY
DA REPORTAGEM LOCAL
Em discurso ao lado do primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva responsabilizou “gente branca de olhos azuis” pela crise econômica mundial. Ao dizer que os dirigentes não podem permitir que pobres, negros e índios paguem a conta da especulação financeira, afirmou: “É uma crise causada por comportamentos irracionais de gente branca de olhos azuis que antes da crise parecia que sabia tudo e agora demonstra não saber nada”, em referência a especuladores de países do primeiro mundo.
Brown acompanhava o discurso de Lula por um fone com tradução simultânea. Não esboçou reação.
Questionado por um repórter britânico se sua declaração não teria um “viés ideológico”, Lula respondeu que não, que estava fazendo uma constatação. “Não existe questão ideológica, existe um fato que mais uma vez se percebe: que a maior parte dos pobres que sequer participava da globalização estava sendo uma das primeiras vítimas da crise. O preconceito que vejo é contra os imigrantes nos países desenvolvidos”, afirmou.
O presidente complementou: “Como não conheço nenhum banqueiro negro ou índio, só posso dizer que essa parte da humanidade que é a parte mais vítima do mundo pague por uma crise.”
US$ 100 bi para o comércio
Lula e Brown devem apresentar na reunião do G20, no dia 2 de abril, em Londres, proposta de criação de um fundo de US$ 100 bilhões para financiar a expansão do fluxo de crédito e do comércio.
“Centenas de empresas estão impedidas de fazer comércio por falta de crédito. A comunidade internacional não pode permitir isso. Estamos propondo a criação de um fundo de pelo menos U$ 100 bilhões para ajudar o mundo nesse campo. Isso é absolutamente necessário para passarmos pela crise”, afirmou Brown em entrevista após reunião com Lula no Palácio da Alvorada.
Os recursos -apenas 0,5% das exportações mundiais, que somam cerca US$ 20 trilhões anuais- seriam aportados pelos países e organismos internacionais, segundo o primeiro-ministro britânico.
Lula se comprometeu a repassar dinheiro, mas não adiantou qual seria o valor da contribuição. “O Brasil está estudando uma forma de contribuir sem que isso afete nossas finanças e nossas reservas”, disse o ministro Celso Amorim (Relações Internacionais).
Lula e Brown também convergiram na necessidade de pôr fim ao protecionismo que alguns países adotaram desde o início da crise. Enfático, o primeiro-ministro disse que o G20 deve exigir da OMC (Organização Mundial do Comércio) que “dê nome aos bois”. “Os que não cumprirem as regras devem ser nominados”, disse.
Já Lula comparou o protecionismo ao efeito das drogas. “O efeito é rápido, mas depois vem a depressão.”
O presidente definiu ainda como “válida” e “pertinente” a proposta da China de criar uma moeda global que substitua o dólar. “Os Estados Unidos vão se colocar contra, mas o mundo não deve ficar subordinado a uma única moeda.”
ONU
Mais tarde, em palestra em São Paulo, Brown afirmou que são quatro os principais problemas com que o mundo deve se preocupar: a instabilidade financeira, a degradação global, o extremismo político e o crescimento da pobreza e da desigualdade. “Acredito que poderemos construir a primeira verdadeira sociedade global.”
O premiê também defendeu que o Brasil tenha um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas). “O tempo do Brasil chegou.”