Despesas do governo com essas ocorrências subiram 37% de 2009 a 2011; problema é pior em grandes cidades
Tendência vai na contramão da queda dos demais tipos de acidente de trabalho, como na empresa
Folha de S. Paulo
ÉRICA FRAGA
PAULO MUZZOLON
DE SÃO PAULO
A despesa da Previdência com os chamados acidentes de trajeto -aqueles sofridos a caminho do emprego ou na volta para casa, depois do expediente- subiu 37% entre 2009 e 2011.
O valor saltou de R$ 850 milhões para R$ 1,16 bilhão, segundo projeção do Ministério da Previdência Social.
“É um custo crescente que causa preocupação. Com o número maior de veículos nos grandes centros urbanos, o deslocamento dos trabalhadores virou um inferno”, afirma Remígio Todeschini, diretor de saúde ocupacional do Ministério.
As empresas também amargam gastos em decorrência do maior número de acidentes de trajeto (ver texto nesta página).
A explosão na venda de motos e de carros e o trânsito mais intenso, principalmente nas grandes cidades, têm contribuído para o aumento desses acidentes: 173,2% entre 1996 e 2010.
O percentual é mais que o dobro do aumento total de acidentes de trabalho no Brasil no mesmo período.
CONTRAMÃO
Desde 2008, o crescimento dessas ocorrências vai na contramão da tendência de queda dos demais tipos de acidente de trabalho, como os sofridos nas empresa.
Para Emerson Casali, gerente executivo de relações do trabalho da CNI (Confederação Nacional da Indústria), essa tendência está ligada ao aumento das vendas de veículos no país, especialmente motocicletas.
“A massificação das motos, sem dúvida, teve reflexo nas estatísticas de acidentes de trabalho e nos custos para a indústria”, afirma.
Dados do Ministério da Saúde mostram que, no primeiro semestre de 2011, das 72,4 mil internações de acidentados no trânsito, quase metade envolveu vítimas de acidentes com motos.
Em março de 2010, Cícero Mizael da Silva, 43, estava na garupa da moto de um colega a caminho do trabalho em uma empresa de terraplanagem quando os dois se envolveram em acidente com um carro.
Ele ficou nove meses afastado do trabalho, pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), devido a uma lesão no tornozelo.
Embora já tenha sido liberado para voltar a trabalhar, diz que ainda não se recuperou totalmente e passa quase o dia todo sentado.
Entre 2001 e 2011, as vendas de motocicletas quase triplicaram, chegando a 1,94 milhão no ano passado.
Em 2011, as vendas de carros atingiram 2,65 milhões de unidades, pouco mais que o dobro das de 2001.
SEM ALTERNATIVA
Segundo a advogada Daniela Negrini, com o ritmo mais intenso de trabalho nos últimos anos, há empregados que ficam sem alternativa de transporte público.
“Há casos de pessoas que começam a trabalhar muito cedo ou terminam muito tarde. Acabam optando por moto ou por carro próprio.”
Já na avaliação do médico Zuher Handar, diretor científico da Anamt (Associação Nacional de Medicina do Trabalho), é prematuro afirmar que o aumento dos casos de acidentes de trajeto está relacionado à popularização das motocicletas.
“Não há trabalho científico afirmando isso,” diz.
De acordo com Todeschini, o Ministério da Previdência Social estuda uma forma de incluir informações mais detalhadas nas estatísticas sobre as causas dos acidentes de trajeto.
Handar diz que os acidentes de trajeto podem ter apresentado crescimento porque são mais fáceis de serem notificados. Segundo ele, esses casos são registrados pelo hospital. Portanto, não há risco de a empresa deixar de notificar o acidente.
Indústria quer mudar regra para não ter de pagar mais
FOLHA DE SÃO PAULO
A indústria tenta mudar a legislação em vigor para reduzir seus custos causados pelos acidentes de trajeto.
Como o acidente de trajeto é encarado como sendo de trabalho, a empresa é obrigada a depositar o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) durante o período em que o empregado estiver afastado e garantir estabilidade por um ano após sua volta ao trabalho.
Além disso, segundo Emerson Casali, gerente executivo de relações do trabalho da CNI, essas ocorrências entram na conta do FAP (Fator Acidentário de Prevenção), que pode dobrar o seguro pago pelas empresas para custear aposentadorias especiais e benefícios decorrentes de acidentes de trabalho.
“Em qualquer país, o acidente de trajeto conta como de trabalho para fins previdenciários. Mas no Brasil isso vai além e vira também um custo para a empresa”, diz Casali.
A entidade quer retirar os acidentes de trajeto do cálculo do FAP, afirmando que as empresas não podem controlar o que ocorre fora de suas dependências. A proposta já foi apresentada à Previdência Social, e novas reuniões devem ser marcadas para discutir o assunto.
De acordo com Theodoro Agostinho, advogado especializado em previdência, o FAT se tornou uma fonte de problemas para as empresas. “As dificuldades aparecem quando as empresas se sentem prejudicadas com o índice estabelecido para elas pelo Ministério da Previdência Social”, diz o especialista.
METADE OU DOBRO
Segundo o Ministério da Previdência Social, o FAP -que varia de 0,5 a 2 pontos percentuais e é aplicado sobre as alíquotas de 1%, 2% ou 3% do seguro pago para custear aposentadorias especiais e benefícios decorrentes de acidentes de trabalho- é calculado com base nos registros acidentários da empresa nos dois últimos anos.
Assim, pelas regras em vigor, o FAP pode tanto reduzir pela metade (uma empresa que paga 2% teria sua alíquota reduzida para 1% no caso de não registrar acidentes) como pode até dobrar (uma que paga 3% passaria a pagar 6% em caso de aumento no número de acidentes) o valor final a ser pago, calculado em relação à folha de pagamento de cada empresa.
Ou seja, o FAP funciona como uma “punição” à empresa com alto grau de acidentalidade ou um “prêmio” àquelas com baixo grau.
Segundo dados da Previdência, de 922.795 empresas listadas em 2011, 91,5% conseguiram reduzir o valor a ser pago pelo seguro.
(PM E EF)