Na maior unidade, em São José dos Campos, 233 engenheiros perderam o emprego
Demissões confirmam tendência verificada em estudo do Ipea, que prevê que salários maiores serão os mais atingidos pela crise
BRENO COSTA
DA AGÊNCIA FOLHA
Às 15h do dia 19 de fevereiro, o engenheiro paulista Roberto Figueiredo, 55, foi chamado pelo seu superior imediato na área de suporte a clientes da Embraer, na fábrica da empresa, em São José dos Campos (São Paulo), para uma conversa reservada. Quando acordou naquele dia, ele -desde 1980 na empresa- não tinha ideia de que, com sua experiência, poderia ser um dos 3.720 funcionários demitidos da maior unidade da Embraer no Brasil.
Além de Figueiredo, outros 232 engenheiros residentes em São José perderam o emprego no corte em massa. Essas demissões simbolizam uma das faces da crise econômica que, segundo comunicado oficial da empresa, foi a responsável direta pelas demissões por conta do desaquecimento da demanda externa por aeronaves.
Elas confirmam a tendência verificada em estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) divulgado pela Folha no domingo passado, que aponta que os salários maiores serão os mais atingidos pela crise.
Ainda de acordo com o estudo do Ipea, esses funcionários, com rendimento mensal acima de R$ 4.650, terão mais dificuldade para encontrar um novo emprego.
A reportagem apurou com funcionários que continuam na Embraer que os cortes na área de engenharia obedeceram, majoritariamente, à lógica dos salários mais altos, independentemente do tempo de casa do funcionário.
Segundo dados informados pela Embraer à Prefeitura de São José dos Campos e repassados à Folha pela prefeitura, 91 dos 233 engenheiros demitidos têm mais de 36 anos de idade. Desses, 26, como Figueiredo, já passaram dos 50.
Folha de pagamento
A estimativa apurada pela reportagem com base nos níveis salariais recebidos pelos funcionários do setor de engenharia da Embraer, de acordo com informações de engenheiros que continuam trabalhando na empresa, é que as demissões no setor gerem uma economia de pelo menos R$ 21 milhões anuais na folha de pagamento da empresa.
O valor da economia na folha de pagamento somente com o setor de engenharia já representa metade do enxugamento na folha do contingente operacional da Embraer, ou seja, os “chão-de-fábrica”.
Segundo o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, a média salarial no setor operacional, que sofreu 1.826 cortes na cidade, é de R$ 2.200 mensais. Com isso, a economia deve girar em torno de R$ 52 milhões por ano.
Mas, além dos engenheiros, outros setores com salários mais altos do que a média dos metalúrgicos também sofreram cortes. Foram demitidos 24 gestores e supervisores, 5 pilotos de avião e 173 técnicos.
No caso dos engenheiros, a situação futura é mais grave porque a maioria deles tem formação muito focada no setor aeronáutico, inclusive com doutorados na área.
O caso de Roberto Figueiredo, que só tem graduação, na área de engenharia eletroeletrônica, mas que foi adquirindo experiência em várias áreas dentro da empresa ao longo dos anos, é uma exceção entre os engenheiros demitidos da empresa, apurou a reportagem.
Mesmo assim, Figueiredo, que acreditava que iria se aposentar dentro da Embraer até os 60 anos, diz estar “apreensivo” sobre o futuro profissional.
“Vou ter de me preparar para usar meu conhecimento em áreas correlatas. A demissão é sempre um trauma, mas sou muito racional. Ficar me descabelando, me desesperando neste momento não é o melhor caminho. Mas fico apreensivo. Já vi essa crise outras vezes dentro da empresa. Ela é muito desgastante para as pessoas que saem e para as pessoas que ficam lá dentro. É um desgaste psicológico muito grande.”
Sem crédito, cliente cancela pedido de avião
FÁBIO AMATO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM SÃO JOSÉ DOS CAMPOS
A falta de crédito para financiamento de aviões é o principal componente da crise responsável pelo impacto nos negócios da Embraer, que demitiu cerca de 4.200 funcionários.
De acordo com funcionários da empresa que pediram para não ser identificados, cerca de 80% dos clientes que optaram por adiar o recebimento de aviões encomendados tomaram a decisão depois que bancos negaram empréstimos. Em alguns casos, o dinheiro estava garantido, mas a instituição voltou atrás.
Os outros 20% pediram o adiamento alegando previsão de queda na demanda por voos. Mais de 90% da produção é destinada ao mercado externo, principalmente América do Norte (45%) e Europa (17%), regiões fortemente afetadas pela crise.
Com o grande número de pedidos de adiamento, a Embraer reviu para baixo a previsão de entrega de aeronaves em 2009 para 142 -foram 204 em 2008. Na aviação comercial, que responde por 63% da receita da empresa, devem ser entregues 115 jatos.
Se confirmado, o resultado vai representar um recuo de 29% em relação a 2008, quando a Embraer entregou 162 aviões comerciais. Levando-se em consideração o preço (US$ 33 milhões) do modelo 170, o mais barato da família 170/190 de jatos comerciais da fabricante, a diferença de 47 aeronaves representa cerca de US$ 1,5 bilhão (R$ 3,5 bilhões) a menos no caixa.
Antes do agravamento da crise, em setembro, a Embraer previa entregar até 350 aviões neste ano. Para dar conta dos pedidos, a empresa aumentou o número de funcionários, que saltou de 19,2 mil em 2006 para 23,7 mil em 2007, e abriu um terceiro turno de produção.
A Folha apurou que o terceiro turno em São José dos Campos pode acabar. Via assessoria, a Embraer disse que essa alteração “não está em vista”.