17 nov 2022
Artigo
Francisco Gérson Marques de Lima
Doutor, Professor da UFC, Suprocurador-Geral do Trabalho, membro da Academia Cearense de Direito do Trabalho e da Academia Cearense de Letras Jurídicas, tutor do GRUPE-Grupo de Estudos em Direito do Trabalho.
Especula-se sobre uma contrarreforma trabalhista, isto é, a revogação das alterações empreendidas pela Lei nº 13.467/2017, que implementou uma profunda reforma trabalhista no Brasil. A pretendida contrarreforma é animada com a ascensão de um novo Governo, que passará a dirigir o país a partir de janeiro de 2023.
Sabe-se que a eleição do novo Presidente da República se deveu a uma expressiva votação da classe trabalhadora – que perdeu direitos e garantias sociais fundamentais especialmente após 2017. A eleição de um Presidente mais voltado à esquerda do que os dois governos anteriores acende a discussão sobre uma contrarreforma trabalhista, o que fora tema da sua campanha presidencial. Mas, não se pode esquecer que o novo Presidente foi eleito, também, com o apoio de membros da ala empresarial, que, no geral, têm interesse na manutenção da Lei nº 13.467/2017. Então, a Reforma Trabalhista de 2017 não será simplesmente revogada em sua totalidade, como pretendem alguns. Além dos interesses classistas, o Direito do Trabalho tem merecido outras reflexões, que não serão objeto destas considerações.
Tudo indica que as mudanças trabalhistas serão apenas parciais e se dividirão em duas etapas: uma emergencial, logo para o início do mandato; e, outra, para ser realizada mais à frente, talvez paulatinamente, após os diálogos tripartites, acrescentando alguns pontos que precisam ser regulamentados, como o trabalho na indústria 4.0, desempenhado por meio de plataformas eletrônicas e da uberização.
Segundo informações divulgadas pela grande mídia sobre a tendência da equipe de transição, estão sendo considerados fundamentais e emergenciais três pontos para revisão: (a) o regime de trabalho intermitente, uma forma precarizada de trabalho por hora de serviço efetivo (art. 443, CLT); (b) a chamada ultratividade das normas provenientes das negociações coletivas (art. 614, § 3º, CLT), para resgatar a redação anterior e seguir o exemplo da maioria dos países ocidentais; e (c) a autorização para acordos individuais firmados diretamente entre patrões e empregados sem o aval do sindicato da categoria, no caso dos chamados trabalhadores “hipersuficientes” (art. 444, parág. único, CLT).
Essas mudanças, mesmo emergenciais, são tímidas e esquecem pontos essenciais da reforma de 2017, alguns dos quais sequer obtiveram aplicação prática. É preciso inserir nos temas acima, por exemplo, a sobrevivência dos sindicatos e resgatar o seu poder de representação e de negociação coletiva. Isso tem urgência.
Certas mudanças não demandam grandes alterações no texto da legislação vigente e se estabelecem no cumprimento de decisões do Supremo Tribunal Federal.
Nesta toada, apresentam-se as seguintes sugestões que a equipe de transição e as entidades sindicais podem considerar, em seu juízo de conveniência e urgência:
“§ 1º. São indicadores de transcendência, entre outros:
I – econômica, o elevado valor da causa, assim consideradas as demandas de importe igual ou superior a 500 (quinhentos) salários-mínimos”;
“III – social, a postulação, por reclamante-recorrente, de direito social constitucionalmente assegurado, e as demandas de natureza coletiva”.Da forma como os dispositivos se encontram grafados atualmente, os recursos de Revista e de Embargos, no TST, recebem interpretação com uma carga de subjetividade muito ampla. A interpretação da jurisprudência emanada das Turmas do TST sobre o que seja “elevado valor da causa” e sobre “direito social constitucionalmente assegurado” é eivada de insegurança, divergências e elevado grau de subjetividade. E a SDI-1 não consegue uniformizar a contento estas interpretações. Na prática, os requisitos caracterizadores da transcendência favorecem a recursividade mais das grandes empresas e grupos econômicos do que as demandas dos trabalhadores, dos sindicatos e do Ministério Público, mesmo quando defendam interesses coletivos ou públicos. Porém, não é razoável que ações coletivas sejam entendidas como desprovidas de interesses sociais relevantes.
A Emenda Constitucional nº 125/2022 acrescentou os §§ 2º e 3º ao art. 105 da CF/88, criando o critério da relevância (um tipo de transcendência recursal) como pressuposto para a interposição de Recurso Especial no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Contrariamente dos termos abstratos utilizados pelo art. 896-A, § 1º, da CLT, que possibilitam interpretações subjetivas, a EC 125/2022 cuidou de critérios mais claros e objetivos. Por exemplo, definiu modalidades de demandas que, por si sós, apresentam relevância (a transcendência da CLT), como as ações penais e as ações de improbidade administrativa. E fixou que também são consideradas relevantes as ações cujo valor da causa ultrapasse 500 (quinhentos) salários mínimos. Esta inteligência pode ser aplicada ao Processo do Trabalho, o que serviria, inclusive, para uniformizar a sistemática recursal no Brasil, além de minimizar o subjetivismo e a claudicância da atual jurisprudência trabalhista.
Estas são mudanças e adequações emergenciais, que não podem esperar mais tempo, sem prejuízo de outras necessárias no campo do Direito do Trabalho, a envolver, por exemplo, a acessibilidade no emprego, as competências da Justiça do Trabalho, a reestruturação do sistema sindical, o banco de horas, a jornada 12×36 etc.
Veremos como a equipe de transição pensará, agora que um grupo de centrais sindicais passou a integrá-la. Mas, com certeza, a CLT será mexida, mesmo que não haja uma contrarreforma trabalhista ampla. Dentro do mínimo razoavelmente esperado de um Governo cuja eleição se deveu muito à classe trabalhadora, são estas as sugestões que ora se indicam.
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