Com a alta do dólar, empresas paralisam atividades porque não sabem quanto cobrar por suas mercadorias
Márcia De Chiara e Renato Cruz
A disparada do dólar já começa a paralisar a produção e as vendas da indústria de aparelhos eletroeletrônicos e motocicletas. No Pólo Industrial da Zona Franca de Manaus (AM), a Moto Honda, fabricante de motocicletas, e a Elgin, que produz eletroeletrônicos, comunicaram o Sindicato dos Metalúrgicos que darão férias coletivas, segundo informa o secretário do sindicato, João Brandão.
Ele conta que a Honda dará férias coletivas de 20 dias, a partir de segunda-feira, a 4,8 mil funcionários. A Elgin planeja dar férias coletivas de 25 dias para 200 funcionários, a partir de quarta-feira da semana que vem. “Todas as grandes fabricantes de eletroeletrônicos – LG, Samsung, Sony, Semp Toshiba e Philips – já sinalizaram para a diretoria do sindicato dos metalúrgicos que darão férias coletivas. Elas ficaram de confirmar a decisão na sexta-feira”, afirma Brandão.
De acordo com o sindicato, a Sony teria demitido 100 trabalhadores na terça-feira, enquanto a Honda e a Elgin não descartariam demissões no retorno das férias coletivas. A diretoria da Sony confirma as demissões, mas não o número de trabalhadores que foram cortados. Segundo a companhia, reduções de quadro de pessoal são normais nesta época do ano porque o estoque de algumas linhas de produtos já atingiu o nível desejado.
“Faz quatro anos que não temos um volume tão grande de empresas sinalizando férias coletivas ao mesmo tempo”, observa Brandão. A decisão ganha mais relevância porque a interrupção ocorre exatamente no pico de produção das encomenda de fim de ano.
Procuradas pelo Estado, as empresas não confirmaram as informações do sindicato. O que as companhias de eletroeletrônicos admitem é uma paralisia nos negócios por causa do câmbio. Elas são afetadas porque a maior parte dos componentes que utilizam é importada. “A situação é extremamente preocupante”, diz Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee).
Ele conta que as empresas tiveram de interromper seus negócios porque não conseguem formar preço. “É preciso esperar a poeira baixar para saber qual vai ser o pico da cotação do dólar.” De acordo com Barbato, como saída, algumas empresas estão buscando a dolarização dos preços, repetindo uma prática comum em períodos de disparada da inflação.
A partir do momento em que as empresas constatarem qual será o novo patamar da moeda americana, elas vão começar a aumentar os preços para as lojas, explica o presidente da Abinee. “Não dá para saber se isso ocorrerá em 15 dias ou um mês, dependerá da política de cada empresa.”
Fontes do mercado consideram que o repasse da alta do câmbio para os preços no varejo será líquido e certo. “Só não dá para saber se o aumento de preço será de 5% ou de 50%”, afirma a fonte.
A Positivo, maior fabricante de computadores do Brasil, divulga hoje uma nova tabela de preços, com cerca de 15% de aumento. A HP, que produz computadores e impressoras, informa que sua tabela de preços atual vale até o fim do mês. “Para novembro, vamos definir novos preços, procurando reduzir o impacto do câmbio para o consumidor”, diz Valéria Molina, diretora de Computação Pessoal para Varejo da HP.
Grandes redes varejistas contam que a Semp Toshiba tinha aumentado em 10% os preços dos eletrônicos na segunda-feira. Com a arrancada do dólar nos últimos dias, a empresa decidiu suspender as vendas. “Não existe nenhuma tabela de preços”, diz uma fonte do varejo. A empresa, por meio de sua assessoria, confirma que paralisou os negócios por prazo indeterminado, em razão da forte volatilidade do câmbio.
“A indústria de linha marrom (áudio e vídeo) está em pânico e a de linha branca (fogões e geladeiras) está nervosa”, diz uma fonte. Segundo ela, o dilema dos fabricantes é saber até que ponto eles podem aumentar os preços sem derrubar as vendas. É que mais da metade das vendas desse produtos é financiada e, com a retração do crédito, a tendência é de os aumentos de preços afastarem ainda mais o consumidor das compras no melhor momento do ano para o comércio e a indústria.
Diante desse quadro, a Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros) reduziu as expectativas de crescimento de vendas para este ano, segundo nota da entidade. Em setembro, tinha reduzido de 15% para 12% a projeção de crescimento. Agora, com o dólar acima de R$ 2, a estimativa de expansão está em torno de 10%, podendo ser menor.
CRÉDITO
Além do problema dos componentes importados, a alta do valor do dólar afeta as indústrias da seguinte maneira: com a estabilidade do câmbio, muitas empresas financiaram as importações com linhas de crédito em dólar, de bancos estrangeiros ou junto às matrizes no exterior, a prazos longos, entre 180 e 360 dias.
Algumas já venderam os produtos importados no mercado interno levando em conta o câmbio na faixa de R$ 1,50 para calcular seus preços e não fizeram hedge (proteção) dos financiamentos assumidos. Elas acreditavam que a tendência da moeda brasileira era se valorizar no curto prazo. Agora, com a disparada do câmbio, houve um descasamento entre as receitas e as dívidas assumidas, que ficaram, do dia para a noite, muito maiores.